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O Brasil e as coalizões internacionais: o caso da reforma das Nações Unidas

O Brasil e as coalizões internacionais
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O Brasil e as coalizões internacionais: o caso da reforma das Nações Unidas 1
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A Organização das Nações Unidas foi criada em 1945. Seu surgimento está intimamente ligado ao fracasso da Liga das Nações como instituição e aos horrores da II Guerra Mundial. Tal afirmativa se confirma ao analisarmos o seguinte: A Sociedade das Nações foi criada em 1919, após a Grande Guerra, e tinha como intuito evitar que novos conflitos surgissem. Todavia, falhas na organização de seus processos políticos, bem como nas reais intenções por trás do organização, contribuíram para que o mundo estivesse, novamente, envolvido em um conflito de enormes proporções.

No momento de sua fundação, a ONU contava com 51 membros, dentre eles o Brasil, que participou ativamente de todo o processo negociador, e tem como princípios basilares a manutenção da paz e da segurança internacionais e o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos.

Passados quase 75 anos de sua fundação, é inegável a relevância da ONU para as relações internacionais. Com 193 países membros, verifica-se no dia a dia os resultados alcançados por meio de consenso, especialmente os adotados na Assembleia Geral. Como disse Ban Ki-moon, ‘’este órgão se tornou, ao longo dos anos, o Parlamento para todos os povos’’. Como afirma Gelson Fonseca Jr:

Como qualquer sistema político, o internacional busca parâmetros para definir, no comportamento de seus membros, o certo e o errado, o justo e o injusto, o permitido e proibido. E a ONU exerce um papel fundamental nesse processo, pois é um caminho privilegiado à disposição da sociedade internacional para definir o que é legítimo e articular instrumentos para que o legítimo prevaleça (FONSECA JR, p. 30)

É possível ter uma ideia de como as questões de legitimidade têm implicações nas relações internacionais a partir da análise da estrutura das Nações Unidas, que é composta por três grandes órgãos deliberativos: i) Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), ii) Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e iii) Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), todos, de certa forma, atuam a partir de uma lógica congressual, onde a tomada de decisões é feita, em certa medida, de forma colegiada, trazendo uma sensação de ordem, fato que as reveste de legitimidade.

No entanto, não é possível deixar de considerar que a ONU, por mais que importante que seja, foi concebida sob a lógica do pós-guerra. Na concepção de Stoessinger, ela foi firmada sobre a rocha da unidade das cinco grandes potências, e estas seriam responsáveis pela manutenção da paz e da segurança.

Tal argumento, por si só, já respalda o pleito de diversas potências (pequenas, médias e grandes) que emergiram desde a década de 1940. O mundo passou por transformações significativas, a exemplo do processo de descolonização da África e da Ásia e da expressiva ascensão de países da América Latina, a exemplo do Brasil, da Argentina e do México, importantes atores no tabuleiro internacional, especialmente no sistema multilateral.

Todos estes fatores, aliados ao silêncio completo dos principais países, fez com que todos esses novos atores passassem a criar instrumentos dentro das Nações Unidas com o objetivo de reformar o sistema, a fim de torná-lo mais representativo e, consequentemente, efetivo.

O Brasil nas Nações Unidas e a formação de coalizões internacionais

É notória a atuação multilateral do Brasil. Não é fato novo. Pelo menos desde 1907 o Brasil tem presença internacional indispensável, fato que o torna um país incontornável. Foi a partir da participação de Rui Barbosa na II Conferência de Paz de Haia que o Brasil passou a demonstrar sua insatisfação com o poder de gestão da ordem mundial.

Em relação às Nações Unidas, o país é membro fundador e esteve presente em todos os processos políticos relevantes, tendo participado desde a II Guerra Mundial até o ato de assinatura da Carta da ONU em outubro de 1945. O Brasil, depois do Japão, é o país que mais vezes integrou o Conselho de Segurança como membro não-permanente. Esteve presente no órgão por dez vezes, nos biênios 1946–47, 1951–52, 1954–55, 1963–64, 1967–68, 1988–89, 1993–94, 1998–99, 2004–05 e 2010–11. Para o último mandato, foi eleito com 182 votos (dentre 183 países votantes). Tivemos, ainda, decisiva participação no processo de criação do plano de partilha da Palestina, em 1947, ao ter Oswaldo Aranha na presidência da 2º Assembleia Geral.

Todavia, como dito acima, passou a ser praxe das relações internacionais do Brasil a inquietação com a gestão da ordem mundial. Especialmente após o período de descolonização da Ásia e da África na década de 1960, verificou-se que, com o surgimento constante de novos atores internacionais, a geopolítica do poder sofreria alterações ao longo do tempo, fato que exigiria alterações nos polos de decisão do sistema internacional (especialmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas).

O G-4

Neste contexto, ainda na década de 1990, Brasil, Alemanha, Índia e Japão se uniram para formar o grupo G-4, cuja premissa básica é a defesa da expansão do CSNU. A criação do grupo foi formalizada em 2004 durante uma Cúpula patrocinada pelo Japão.

A coalizão, sobretudo o Brasil, advoga que um Conselho de Segurança verdadeiramente representativo e transparente somente conseguirá traduzir adequadamente os interesses da comunidade internacional, em especial dos países em desenvolvimento, nos dias atuais. Para isto, o grupo protocolou em 2004 um projeto específico de resolução (A/59/L.64), com uma arquitetura de Conselho, que funcionaria da seguinte forma:

– Um total de 25 membros, com 6 novos assentos permanentes atribuídos a África (2), Ásia (2), Europa Ocidental (1) e América Latina e Caribe (1) e 4 novos assentos não-permanentes para África (1), Ásia (1), Europa Oriental (1) e América Latina e Caribe (1);

– Reavaliação da reforma após 15 anos, quando seria considerada, entre outros aspectos, a questão do veto. Até essa revisão, os novos membros permanentes assumiriam o compromisso de não fazer uso do veto nas suas deliberações no CSNU.

O L. 69

Além do G-4, o Brasil também participa de ampla articulação política com outros 40 países em desenvolvimento de diversas regiões. Este grupo, que recebeu este nome em razão do nome da proposta protocolada (A/61/L.69), reúne países de menor desenvolvimento relativo, países em desenvolvimento sem saída para o mar e pequenos Estados insulares, além dos países do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), e outros. O grupo mantém importante canal de diálogo com o Grupo Africano em torno das aspirações do mundo em desenvolvimento no processo de reforma.

Conclusão

É indiscutível que vivemos em um mundo completamente distinto daquele em que surgiu a Organização das Nações Unidas. 75 anos após a sua fundação, seus processos políticos e decisórios sofreram pouquíssimas – e nada expressivas – alterações. O Brasil, como potência média engajada com a construção de um mundo menos assimétrico, tem atuado de forma incansável na reforma dos centros de poder mundial.

Desde 1945,  América Latina, África e Ásia passaram a compor o tabuleiro internacional e, consequentemente, a demandar por mais voz. Por essa razão, quanto mais países passaram a ingressar na concertação política internacional, mais se verificou que o pensamento decolonial deveria pautar os processos decisórios nos sistemas multilaterais.

Sempre foi essa a atuação brasileira nas Nações Unidas. Em razão de seu reduzido poder militar, o país passou a trabalhar na construção da boa imagem de sua diplomacia, especialmente a multilateral. Encontrando-se situado como uma potência média, o Brasil aproveitou-se de sua ampla capacidade de influência para superar sua pouca condição de moldar os eventos internacionais, passando a criar e a integrar as mais variadas coalizões.

Para isto, valeu-se da ampliação e do fortalecimento das relações bilaterais com os países africanos e asiáticos. Nestes dois continentes, o Brasil conta com dois parceiros estratégicos na África (Angola e África do Sul) e dois na Ásia (China e Índia). O país passou a estabelecer, também, a formação de mecanismos inter-regionais, a exemplo do BRICS e IBAS, a fim de reduzir as assimetrias políticas internacionais.

Em suma, as coalizões cumprem importante papel na criação – e manutenção – de retóricas políticas, mas diferentemente da política interna, onde blocos partidários podem moldar de forma mais efetiva os resultados dos processos decisórios, em política internacional, sua atuação ainda sofre com restrições mais complexas. Não é possível dizer com clareza se um dia será possível constatar que tais coalizões afetaram positivamente os processos políticos e decisórios no âmbito das Nações Unidas, mas sabe-se que, por ora, sua existência faz pressão e mostra ao mundo o descontentamento e a realidade do multilateralismo.

Referências bibliográficas:

FONSECA JR, Gelson. O interesse e a regra: ensaios sobre o multilateralismo. p. 30

LAFER, Celso. A Identidade Internacional do Brasil. p. 68, 2014

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/paz-e-seguranca-internacionais/137-o-brasil-e-o-conselho-de-seguranca-das-nacoes-unidas#:~:text=O%20Conselho%20de%20Seguran%C3%A7a%20%C3%A9,para%20mandatos%20de%20dois%20anos

STOESSINGER, John G. O Poder das Nações, p. 386, 1978.

 

  

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