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Volker Türk: perfil e trajetória do novo Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos 1 Volker Türk: perfil e trajetória do novo Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos 2

Volker Türk: perfil e trajetória do novo Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos

Introdução

A Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu com base em um grande ideal de busca pela resolução pacífica de conflitos. Por essa grande responsabilidade, todas as falas e ações que perpassam a organização são interpretadas como um reflexo da própria instituição. Tendo isso em mente, cabe às Nações Unidas selecionar da melhor forma possível seus respectivos funcionários e representantes, de acordo com filtros rigorosos, a fim de tentar identificar lideranças bem alinhadas às políticas da organização.

Considerando que para a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), aqueles ou aquelas que buscam ocupar o cargo de Alto Comissário de Direitos Humanos devem estar cobertos por uma série de elementos de integridade pessoal, como uma notável posição moral, experiência com direitos humanos, imparcialidade, objetividade e outras atribuições, é esperado que o perfil escolhido seja não só o de um especialista em inúmeras causas representativas aos direitos humanos, como também o de alguém com uma vasta bagagem em diversas áreas de trabalho, podendo assim dar oportunidade tanto para membros internos da organização, quanto para pessoas de alto nível fora da instituição.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) é a instância da ONU responsável pela promoção, monitoramento e proteção dos direitos humanos em todo o mundo. Sua criação se deu a partir da Segunda Conferência Mundial para os Direitos Humanos da ONU, em junho de 1993, em Viena, também conhecida como Conferência de Viena.

Este artigo é fruto de uma pesquisa que objetivou investigar e analisar o perfil do novo Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, Volker Türk, comparando-o com o mandato de seus antecessores Zeid Ra’ad Al Hussein (2014-2018) e Michelle Bachelet (2018-2022) a frente do ACNUDH, com o intuito de observar se houve (e em qual medida) a continuidade ou ruptura da herança institucional, organizacional e política deixada por ambos mandantes do cargo. Além disso, esta pesquisa também busca localizar e comparar alguns dos principais episódios de violência contra os direitos humanos, observando os casos envolvendo Myanmar e Hungria, nos quais o Alto Comissário Zeid Hussein usou da voz pública para denunciar as possíveis violações de direitos humanos, além de examinar os casos envolvendo a Venezuela e a China, que ocorreram na gestão de Bachelet, analisando ainda se e/ou como o uso da voz diplomática e discreta da Alta Comissária foi mais efetiva quando comparada com a voz pública.

Adicionalmente, a pesquisa também pretendeu analisar como esses episódios repercutiram entre os principais veículos de informação em âmbito internacional e como os acontecimentos e suas respectivas repercussões poderão eventualmente incidir sobre o comportamento do novo ocupante do cargo.

Finalmente, o trabalho ainda se debruçou a respeito do mandato de Zeid e como o uso da voz pública eventualmente interferiram na trajetória do desenvolvimento institucional do órgão juntamente com uma análise sobre a perspectiva diplomática de Bachelet e sobre quais consequências esse contraste entre ambos eventualmente se desenvolverão sobre o novo integrante do mais alto posto das Nações Unidas para Direitos Humanos.

Os materiais utilizados para esta pesquisa foram, em grande parte, produções bibliográficas a respeito da temática, relatórios produzidos e disponibilizados pelos Escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos (EACNUDH), além de notícias e outras informações que repercutiram na grande mídia internacional. No mesmo sentido, também foram utilizadas literaturas que tratam sobre os conceitos de Naming and Shaming[1] (Hafner-Burton, 2008), e declarações, tanto de jornais como de jornalistas envolvidos dentro do universo das Nações Unidas.

 O Alto Comissariado: histórias e memórias

Desde sua criação, o ACNUDH já foi chefiado por nove pessoas diferentes, sendo José Ayala-Lasso (1994-1997) o primeiro a ocupar o cargo. Lasso ficou conhecido por adotar um perfil mais discreto (sem realizar críticas públicas) e, ao terceiro ano de mandato no ACNUDH, sob a luz de uma nomeação ao cargo de Ministro das Relações Exteriores do Equador, seu país natal, renunciou ao cargo de Genebra (ONU, 2023).

A segunda a ocupar o cargo foi Mary Robinson (1997-2002), ex-presidente da Irlanda, que ganhou destaque em âmbito internacional por realizar duras críticas a países violadores de direitos humanos em todo o mundo enquanto presidente.[2] Sendo considerada a Alta Comissária que deu início à voz pública do ACNUDH, Robinson acabou por gerar diversos embaraços e constrangimentos entre Estados e Kofi Annan, o Secretário-Geral da ONU na época (Hernandez, 2015, p. 264).

O brasileiro Sérgio Vieira de Mello (2002-2003), humanitário de longa carreira nas Nações Unidas, foi o terceiro a ocupar o cargo de Alto Comissário, contudo, a pedido do Secretário-Geral da ONU Kofi Annan, após um ano, Sérgio de Mello se afastou de suas atividades como Alto Comissário e atuou como representante do Secretário- Geral no Iraque, onde veio a falecer em um atentado.

Com o falecimento de Mello em 2003, quem assume o cargo temporariamente é Bertrand Ramcharan (2003-2004) que ficou no cargo até a AGNU aprovar em julho de 2004 a canadense Louise Arbour (2004-2008). Natural de Quebéc e ex-Ministra do Supremo Tribunal de Justiça do Canadá (1987-1990), Arbour teve seu mandato decorrido durante a chamada Guerra ao Terror, período conhecido pela campanha ofensiva militar dos Estados Unidos em resposta aos ataques de 11 de setembro. Apesar de seu perfil mais discreto, Arbour usou da voz pública para criticar países e governos, em especial o governo estadunidense, nas medidas vigentes ao combate contra o terrorismo.

Navanethem Pillay (2008-2014), sul-africana e a primeira mulher negra a ocupar o cargo de Alta Comissária, teve seu mandato marcado pelo uso da voz pública na denuncia de violências originadas a partir do apartheid em sua terra natal. Pillay também foi a Alta Comissária que ficou mais tempo à frente do cargo, com uma renovação de seu mandato por mais dois anos, aprovada pela AGNU. (ONU, 2023).

Zeid Ra’Ad Hussein (2014-2018), foi o sétimo Alto Comissário a presidir o cargo e o primeiro asiático, muçulmano e árabe a fazê-lo (ONU, 2023). Hussein foi representante de seu país na ONU (1996-2000) e nos Estados Unidos (2007-2010), com um mandato marcado devido ao constante uso da voz pública e dos métodos de naming and shaming – assim como Mary Robinson – para com violadores de direitos humanos (ONU, 2023).

Michelle Bachelet (2018-2022), oitava mandatária, foi médica, ex-Presidente do Chile por dois mandatos (2006-2010 e 2014-2018) e ainda ocupou posições de destaque e liderança em seu governo, tal qual o cargo de Ministra da Saúde e de Ministra da Defesa entre os anos de 2000 e 2004 (ONU, 2023). Um dos pontos de maior destaque de Bachelet dentro da organização foi o seu uso discreto da voz pública para com violadores de direitos humanos, utilizando portanto, da diplomacia e da discrição para garantir avanços dentro da temática humanitária.

Um Humanitário

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Fonte: ACNUDH

Volker Türk, o novo nome escolhido e que assumiu o cargo em 17 de outubro de 2022, sucedendo a antiga Alta Comissária Michelle Bachelet, é um advogado austríaco, mestre em direito pela Universidade de Linz e doutor em direito internacional pela Universidade de Viena. Sua tese de doutorado foi a respeito do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), e em 1992, foi publicada pela editora acadêmica alemã Duncker & Humblot, em Berlim.[3][4]

O novo Alto Comissário, relativamente desconhecido quando comparado a seus antecessores, tem um longo histórico de dedicação no tratar da proteção internacional dos direitos humanos de pessoas mais vulneráveis, com destaque para o caso de refugiados e apátridas. Türk já ocupou diversos cargos dentro da ONU, começando por funções no ACNUR que o faziam atuar em variados países, como sendo o representante da organização na Malásia, Chefe Adjunto da Missão no Kosovo e na Bósnia-Herzegovina e ainda sendo Coordenador Regional de Proteção na República Democrática do Congo e no Kuwait (ONU, 2023).

Türk também ocupou cargos importantes na sede do ACNUR em Genebra, atuando como Chefe de Seção, esteve na área de Política de Proteção e Assessoria Jurídica de 2000 a 2004; Diretor de Desenvolvimento e Gestão Organizacional de 2008 a 2009; E como Diretor da Divisão de Proteção Internacional de 2009 a 2015. Após esse período se tornou Assistente do Alto Comissariado para Proteção de Refugiados da ONU, quando, segundo a organização: “desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do marco do Pacto Global sobre Refugiados” (ONU, 2019).

De 2019 a 2021, Volker Türk atuou como secretário-geral adjunto para coordenação estratégica no escritório executivo do chefe da ONU, e posteriormente como o então Subsecretário-Geral para Políticas no Gabinete Executivo do Secretário-Geral das Nações Unidas. Durante o exercício de seu cargo, coordenava um trabalho de força política global na “Chamada à Ação Pelos Direitos Humanos”, plataforma que “promove discussões, engajamentos e conscientização de empresas, governos e do terceiro setor sobre práticas de valorização dos Direitos Humanos” (Pacto Global, 2022). Türk ainda comandava o relatório “Nossa Agenda Comum”, do Secretário Geral, que buscava enfrentar desafios globais que exigem uma ação interconectada (ONU, 2023).

Além de seu histórico de trabalho na ONU, Türk é poliglota, tendo o domínio de línguas como alemão (devido a sua nacionalidade austríaca), inglês, francês e possuindo conhecimento em espanhol. Türk ainda, em maio de 2016, recebeu o “Prêmio de Direitos Humanos”, concedido pela Universidade de Graz. Tal premiação, que ocorre desde 1992, tem como função, segundo a universidade, “reconhecer serviços excepcionais prestados à liberdade, à justiça e à paz” (Schweiger, 2016), e até o respectivo momento, havia disponibilizado apenas 6 concessões como essa, atribuindo ao novo Alto Comissário o mesmo prêmio que há tempos havia sido outorgado também a Dalai Lama.

A indicação para a premiação de Volker Türk foi feita através do Professor e chefe do Centro de Treinamento e Pesquisa em Direitos Humanos e Democracia, Dr Wolfgang Benedek, que após a recomendação, afirmou: “O prêmio visa homenagear a personalidade marcante de Volker Türk, que se dedicou a proteger refugiados em todo o mundo por 25 anos, e enfatizar o papel central do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados no apoio aos refugiados” (Benedek, 2016).

O prêmio foi entregue pela reitora e professora Dr Christa Neuper – primeira mulher a ascender ao cargo de reitora da Universidade de Graz em todos seus 426 anos de história. Após a cerimônia, Türk dedicou o prêmio a todos aqueles assolados pela guerra e que sofrem em busca de proteção em meio às perseguições sofridas:

“Com mais de 60 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo, é mais importante do que nunca prestar atenção especial à proteção dos refugiados. Gostaria, portanto, de agradecer do fundo do coração ao Senado da Universidade de Graz por sua escolha. A proteção dos refugiados é um pilar muito importante dos direitos humanos e não apenas salvou milhões de vidas nas últimas décadas, mas também lhes deu a chance de um novo futuro. Nesse contexto, também gostaria de parabenizar a Universidade de Graz por seu compromisso com os refugiados e na área de direitos humanos” (Türk, 2016).

Entre a Voz Pública e a Diplomacia: um novo ar em Genebra?

A repercussão com a indicação de Volker Türk como Alto Comissário foi um tanto quanto dividida. Uma das razões para tal divergência foi o perfil mais discreto, para não dizer diplomático, do então advogado. Até poucas semanas antes da indicação, Türk não tinha nem mesmo uma conta no Twitter, e apesar de sua longa história na organização, “seria relativamente difícil reconhecê-lo pelos corredores de Genebra” (Devex, 2022). Outro fator importante que pode se somar a isso é o da própria natureza do cargo, que é visto não só como um importante pilar, mas que deve ser independente, com uma figura pública capaz de exercer influência ao comando e disposta a lutar pelos direitos humanos de forma a impor sua voz sem medo de retaliação, o que para alguns grupos de direitos humanos, não é uma característica tão bem desenvolvida no perfil do atual Alto Comissário, ainda mais quando comparado aos antigos ocupantes do cargo.

Após a nomeação de Türk, grupos como a Human Rights Watch e a Uyghur Human Rights Project imediatamente o parabenizaram em suas redes sociais, mas também pediram sua atenção para diversos temas, em especial o acompanhamento do relatório deixado por Bachelet, que expôs os abusos sofridos pelos povos uigures na província de Xinjiang, na China. A Human Rights Watch ainda pediu que Türk esteja disposto a denunciar todos aqueles que infrinjam os direitos humanos, mesmo que estes sejam aliados dos Estados Unidos, o maior financiador da ONU (Council on Foreign Relations, 2023). A agência de notícias Reuters, meses após o anúncio da nomeação de Türk à cadeira de Genebra, publicou uma matéria evidenciando a função admitida pelo austriaco e reconhece que “ O Alto Comissário desempenha um papel fundamental ao manifestar-se contra o retrocesso nas liberdades (…)” (Reuters, 2022), ainda mais importante quando fundamentada a frente de países como a China.[5]

Entretanto, é com receio de uma possível retaliação em mente que o Secretário Geral António Guterres tenha optado por esse perfil mais discreto e alinhado de Türk. O austríaco já demonstrou por diversas vezes, em seu trabalho de campo, seu perfil diplomático e sua influência na liderança, que preza o auxílio humanitário ao invés da crítica àqueles que são responsáveis ou co-responsáveis por crises político-humanitárias. Esse viés mais humanitário que o advogado carrega é essencial para Guterres, tendo em vista as discussões desencadeadas pelos antigos Alto Comissários Zeid Al-Hussein e Michelle Bachelet, não apenas pelos contrastes tão diferentes nas políticas de denúncias a crimes contra os direitos humanos, mas também pelas complicações que causaram ao atual Secretário Geral.

O perfil mais incisivo de Zeid gerou críticas à vários Estados relevantes no cenário internacional, como os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), a exemplo, a Rússia, quando o então Alto Comissário se pronunciou e demonstrou sua preocupação no momento em que o país decidiu fechar um de seus escritórios que monitoram os direitos humanos em Moscou e como o fechamento do escritório diminuiria o espaço de atuação de defensores de direitos humanos e ONGs no país. Outro membro permanente do órgão que foi alvo de críticas de Zeid foi a China. O Alto Comissário solicitou que o país liberasse advogados que tinham sido detidos pelas autoridades chinesas por defenderem os direitos humanos e demonstrou publicamente sua preocupação com os desaparecimentos e prisões que estavam ocorrendo no país.

Na sua atuação, Zeid criticou outros governos e políticos, como o ex-Presidente norte-americano Donald Trump e o presidente hungaro Viktor Orbán. Enquanto Trump ainda era candidato a presidente dos Estados Unidos (o que era bastante incomum, pois a ONU historicamente não se posiciona ou se pronuncia acerca de pleitos eleitorais nacionais), Zeid declarou que Trump representava um perigo global (REUTERS, 2016).

Bachelet, por sua vez, utilizando de sua experiência pregressa como presidente do Chile, frequentemente recorreu ao uso de uma linguagem diplomática na hora de realizar críticas a governos e governantes responsáveis pelas infrações, proporcionando, portanto, uma linha de negociação vista como “mais amigável e menos afrontosa” para com outros líderes, quando comparada a Zeid, o que também é visto por muitos, tendo um maior destaque nos grupos de direitos humanos da sociedade civil, como uma resposta fraca diante das muitas atrocidades e repressões cometidas.

Sendo assim, tendo como parâmetro as atuações dos dois últimos Alto Comissários, é notável a semelhança que o mandato do austríaco aparentemente terá com o de Bachelet em matéria de modo de interação com os países violadores. Entretanto, não é porque suas características de atuação e uso da voz pública (principal ferramenta do ACNUDH) parecerem iguais, que seus eventuais erros e equívocos também serão. Bachelet possui uma personalidade política global, o que possibilitou que suas medidas pudessem perpassar por diversas áreas da organização e de outros Estados sem que a mesma tivesse que gritar mais alto para isso. O austriaco por sua vez, como um ilustre desconhecido não oriundo da política, talvez enfrente a problemática que Bachelet acabou por evitar. O que levanta a questão, será que alguém com baixo prestígio político consegue ser ouvido nos bastidores usando apenas uma voz mais discreta? Ou justamente por ser mais desconhecido, precisará gritar para ser ouvido?

Volker Türk, ao ser nomeado, foi muito bem lembrado por Lisa Carty, vice-embaixadora da ONU nos Estados Unidos, que o cargo atual “dispõe de uma inabalável voz para os direitos humanos”, mas que, em contrapartida, “o escritório de direitos humanos não possui “dentes” para impor suas implicações” (Impakter, 2022).

Conclusão

A nomeação de Türk significa, para os direitos humanos, a realização de um novo passo que busca não apenas ampliar fortemente o apoio a refugiados, apátridas, mulheres, homossexuais e outras minorias, mas também “acalmar os ânimos” da comunidade internacional, que por muito tempo, esteve em choque com a ONU, especialmente entre os anos de 2014 a 2018 devido às rigorosas denúncias de Hussein, desagradando os Estados financiadores, e de 2018 a 2022, devido ao caráter amigável e pouco afrontoso das denúncias de Bachelet, descontentando a sociedade civil organizada, pilar essencial de apoio e fornecimento de informações. Para António Guterres, essa nomeação possivelmente vista como menos relevante no âmbito político, pode se manifestar tanto na forma de alívio dos conflitos com a comunidade internacional, quanto do possível fim de um confronto direto com os grandes financiadores da ONU.

Para a sociedade civil, a nomeação de Türk traz consigo a busca por uma mudança de paradigma. As expectativas para a escolha de um nome “de voz e pulso firme” eram altas, e espera-se do novo Alto Comissário a capacidade de realizar críticas à altura das violações cometidas por Estados detentores de poder, mesmo sendo estes membros do Conselho de Segurança da ONU. Segundo o artigo de Vincent Ploton, do jornal independente PassBlue – responsável por cobrir o universo das Nações Unidas-, diversas pesquisas foram feitas buscando entender qual era a principal necessidade da sociedade civil para Türk. Em meio às diversas respostas, uma delas se destacou: a reestruturação da integridade do cargo a fim de poder voltar a ajudar os mais necessitados (Ploton, 2022).

Tanto na Áustria quanto no resto do mundo a indicação do novo Alto Comissário seguiu uma linhagem parecida, segundo os jornais “Kronen Zeitung” e “Wiener Zeitung”, dois dos que possuem grande circulação no país, sua nomeação foi vista como a nomeação do “braço direito” de um chefe, que por sua vez é leal, muito competente e tem uma longa tradição no cuidar de assuntos relacionados a direitos humanos. Os jornais, entretanto, não esconderam o fato de que Türk agora terá, apesar de suas competências, um grande desafio pela frente.[6]

Em 8 de janeiro, mediante os ataques às instituições democráticas brasileiras, por exemplo, Türk se manifestou por meio de uma nota oficial, condenando fortemente os ataques ao Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto. Deixando claro o seu posicionamento na busca pelo combate aos ataques antidemocráticos ocorridos, o Alto Comissário ainda manifestou: “meu escritório está pronto para apoiar o novo governo no enfrentamento das questões de direitos humanos que o Brasil se encontra.” (OHCHR, 2023).

Notas claras como essa são frequentes em todas as manifestações do Alto Comissário e representam uma das principais características de Türk: Manter-se no foco do acontecimento, destacando as problemáticas sem “apontar o dedo” para culpados logo de início, demonstrando preocupação pelos afetados e se comprometendo com a resolução do obstáculo. Ainda que os antigos ocupantes do cargo acabassem por utilizar dessa mesma ideia de manifestação, Türk a faz de uma maneira própria, pelo menos nesse seu início de mandato, e que se adequa muito bem com o perfil esperado por um Alto Comissário. Outras características do austríaco que podem ser observadas são a priorização do bem-estar dos indivíduos em um acontecimento, sem declarações ou comentários polêmicos a respeito dos culpados ou outros desentendimentos, além do bom uso da voz pública, que vem sendo feito até agora com bom equilíbrio entre a ênfase na problemática, e atendendo ao tom diplomático necessário para a sua resolução sem mais conflitos.

É, portanto, evitando polêmicas e desavenças políticas entre Estados e entes poderosos por fortes entonações nas declarações, e respeitando, atendendo e mobilizando ajuda através do uso da voz pública, que Volker Türk vem mais uma vez deixando claro para o mundo, o papel assumido pelo novo Alto Comissário. O austriaco, entretanto, deve estar ciente – e preparado – para arcar com o ônus atribuído ao cargo, e que diferente dele, não pesou sobre muitos dos outros mandatários por uma simples questão: o tamanho de suas respectivas personalidades políticas globais.

Devido a falta de um passado com reconhecimento de grande porte – como o de seus antecessores – Türk pode enfrentar certa resistência ao dar seu parecer sob respectivas questões, associando-o a alguém não tão competente quanto os antigos ocupantes do cargo. Seu viés humanitário, que tanto o destaca, pode ainda ser usado contra sua personalidade, uma vez que ao não nomear (ou não acusar) infratores, o Alto Comissário se compromete com o desagrado de causas da sociedade civil, tal qual sua antecessora Michelle Bachelet. O próprio histórico de ocupantes do cargo se encontra em desacordo com Volker Türk, uma vez que, quando posto em análise, tem-se um cargo que antes fora ocupado por representantes do sul global, mulheres, mulheres negras e homens árabes, asiáticos e muçulmanos, agora se respaldando sob o perfil de um homem branco e europeu, do norte geográfico, e que de certa forma não representa – em meio a um momento global de intensa discussão a respeito de diversidade e interseccionalidade – o perfil do mais alto cargo de direitos humanos do mundo.

Referências

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Volker Türk. Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/about-us/high-commissioner/volker-turk>. Acesso em: 30 ago. 2023.


[1] Naming and Shaming – nomear e envergonhar em português -, foi um conceito tratado pela professora Emilie M. Hafner-Burton, que explica como instituições de direitos humanos podem aplicar diferentes abordagens para referenciar violações de direitos por parte de Estados, atribuindo-os má reputação e desencorajando determinadas práticas ou tipos de comportamento.

[2] Robinson criticou a conduta chinesa no Tibet, as políticas russas na Chechênia, a expulsão de nacionais eritreios na Etiópia e outras violações em países como Serra Leoa, Cuba, Líbia, Iraque, Afeganistão e Argélia (Hernandez, 2015, p.269).

[3] FARGE, Emma. Áustria’s Turk proposed to be next UN human rights chief. REUTERS, 8 set. 2022. Disponível em: <https://www.reuters.com/world/austrias-turk-proposed-be-next-un-human-rights-chief-2022-09-08/>. Acesso em: 30 ago. 2023.

[4] Volker Türk. Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/about-us/high-commissioner/volker-turk>. Acesso em: 30 ago. 2023.

[5]O jornal destaca a dificuldade “espinhenta” ao tratar de direitos humanos na China, em destaque devido aos acontecimentos descritos anteriormente durante a gestão de Bachelet. As observações de Türk a respeito de violações sistemáticas em outros países também recebem foco na notícia.

Fonte: FARGE, Emma. UN human rights chief vows to follow up with China on abuse concerns.  REUTERS, 9 de dezembro de 2022. Disponível em: <https://www.reuters.com/world/china/un-human-rights-chief-determined-follow-up-with-china-xinjiang-concerns-2022-12-09/>. Acesso em: 20 dez. 2023.

[6] Diplomat Türk soll UNO-Menschenrechtschef werden. WIENER ZEITUNG, 8 de setembro de 2022. Disponível em: <https://www.wienerzeitung.at/nachrichten/politik/welt/2160962-Diplomat-Tuerk-soll-UNO-Menschenrechtschef-werden.html>. Acesso em: 30 ago. 2023.

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