O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, foi excluído das discussões sobre o futuro de seu país, que ocorreram na Arábia Saudita em 18 de fevereiro de 2025. Na verdade, não havia representantes ucranianos, nem da União Europeia — apenas delegações dos EUA e da Rússia, além dos anfitriões sauditas.
A reunião — que seguiu uma ligação telefônica mutuamente elogiosa entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder russo Vladimir Putin poucos dias antes — foi celebrada com entusiasmo em Moscou. A ausência da Ucrânia na decisão sobre seu próprio futuro está totalmente alinhada com a política de Putin em relação ao seu vizinho. Putin há muito rejeita a soberania ucraniana e a legitimidade do governo ucraniano, ou como ele chama, o “regime de Kyiv“.
Embora a delegação dos EUA tenha reiterado que discussões futuras teriam que envolver a Ucrânia em algum momento, as ações e palavras da administração Trump sem dúvida minaram a posição e a influência de Kyiv.
Nesse sentido, os EUA estão cada vez mais alinhados com Moscou em um ponto-chave do plano do Kremlin para deslegitimar Zelenskyy e o governo ucraniano: exigir eleições na Ucrânia como parte de qualquer acordo de paz.
Questionando a legitimidade de Zelenskyy
Desafiar a legitimidade de Zelenskyy faz parte de uma campanha de propaganda deliberada e contínua da Rússia para desacreditar a liderança ucraniana, enfraquecer o apoio à Ucrânia por parte de seus principais aliados e remover Zelenskyy — e potencialmente a Ucrânia — como um parceiro nas negociações.
As alegações do presidente russo de que seu país está pronto para negociações de paz parecem, para muitos observadores de sua guerra de três anos, altamente suspeitas, dado os ataques contínuos da Rússia ao seu vizinho e sua recusa constante até agora em concordar com qualquer trégua temporária.
No entanto, o Kremlin está promovendo a narrativa de que o problema é que não há uma autoridade ucraniana legítima com a qual possa negociar. Assim, Putin pode proclamar seus compromissos com a paz sem fazer quaisquer compromissos ou concessões necessários para um verdadeiro processo de negociação.
Enquanto isso, pintar Zelenskyy como um “ditador” diminui o apoio entusiástico que uma vez recebeu de países democráticos. Isso, por sua vez, pode se traduzir na redução ou até no fim do apoio militar a Kyiv, espera Putin, permitindo-lhe uma vantagem no que se tornou uma guerra de atrito.
O que Putin precisa para que esse plano funcione é um parceiro disposto a ajudar a espalhar a mensagem de que Zelenskyy e o atual governo ucraniano não são representantes legítimos de seu país — e nessa lacuna, a nova administração dos EUA parece ter entrado.

Ditando os termos
Considere a narrativa sobre as eleições.
Na reunião na Arábia Saudita, os EUA discutiram eleições na Ucrânia como sendo uma parte fundamental de qualquer acordo de paz. O próprio Trump levantou a possibilidade de eleições, observando em uma coletiva de imprensa em 18 de fevereiro: “Temos uma situação em que não houve eleições na Ucrânia, onde há lei marcial.” O presidente dos EUA continuou afirmando, incorretamente, que a taxa de aprovação de Zelenskyy estava em “4%”. As últimas pesquisas mostram que o presidente ucraniano tem uma taxa de aprovação de 57%.
Um dia depois, Trump intensificou os ataques, descrevendo Zelenskyy como um “ditador sem eleições”.
Tais declarações ecoam a narrativa russa de que o governo em Kyiv é ilegítimo.
As alegações do Kremlin sobre o que descreve como os “aspectos legais relacionados à legitimidade de Zelenskyy” baseiam-se na premissa de que o mandato de cinco anos do presidente da Ucrânia deveria ter terminado em 2024.
E as eleições na Ucrânia teriam ocorrido em maio daquele ano se não fosse pela lei marcial que a Ucrânia implementou quando a Federação Russa lançou uma invasão em grande escala à Ucrânia em fevereiro de 2022.
A Lei Marcial — que a Ucrânia impôs em 24 de fevereiro de 2022 — proíbe explicitamente todas as eleições na Ucrânia durante a vigência da medida de emergência.
E embora a Constituição ucraniana inclua apenas linguagem sobre a extensão dos poderes do parlamento até que a lei marcial seja suspensa, juristas constitucionais na Ucrânia tendem a concordar que a implicação é que isso também se aplica aos poderes presidenciais.
Independentemente do que a lei diz, a questão do Kremlin sobre as instituições democráticas da Ucrânia e sua pressão por eleições na Ucrânia ganharam força em Washington recentemente. O enviado especial de Trump, general Keith Kellogg, declarou em 1º de fevereiro que as eleições “precisam acontecer” como parte do processo de paz, dizendo que as eleições são a “beleza de uma democracia sólida“.
A armadilha das urnas
Zelenskyy não é contra eleições em princípio e concordou que as eleições devem ser realizadas quando for o momento certo. “Assim que a lei marcial terminar, a bola estará no campo do parlamento — o parlamento então escolhe uma data para as eleições”, afirmou Zelenskyy em uma entrevista em 2 de janeiro.
E ele parece ter o apoio da maioria dos ucranianos. Em maio de 2024, 69% dos ucranianos entrevistados disseram que Zelenskyy deveria permanecer presidente até o fim da lei marcial, após o que as eleições devem ser realizadas.
O problema, como Zelenskyy disse, é o momento e as circunstâncias. “Durante a guerra, não pode haver eleições. É necessário mudar a legislação, a constituição e assim por diante. Esses são desafios significativos. Mas também há desafios não legais, muito humanos”, disse ele em 4 de janeiro.
Até mesmo políticos da oposição na Ucrânia concordam que agora não é o momento. Petro Poroshenko, principal rival político de Zelenskyy, rejeitou a ideia de eleições durante a guerra, assim como Inna Sovsun, líder do partido de oposição Golos.
Além dos problemas logísticos de garantir eleições livres e justas no meio de uma guerra, o conflito apresentaria obstáculos logísticos para campanhas e acesso aos locais de votação. Há também a questão de como incluir os ucranianos em territórios ocupados pela Rússia e aqueles que estão deslocados internamente, além dos 6,5 milhões que fugiram dos combates e atualmente residem no exterior.
Boas eleições… e más
A Rússia, é claro, realizou eleições durante o conflito atual. Mas a eleição de 2024, em que Putin venceu com 87% dos votos, foi, de acordo com a maioria dos observadores internacionais, nem livre nem justa.
Em vez disso, foi uma votação de fachada que apenas reforçou o que a maioria dos cientistas políticos confirma: as eleições são, na melhor das hipóteses, um marcador necessário, mas insuficiente, da democracia.
Esse ponto não passa despercebido pelos ucranianos, cujo compromisso com a democracia se fortaleceu nos anos que antecederam a invasão de 2022. De fato, uma pesquisa realizada alguns meses após o início da guerra descobriu que 76% dos ucranianos concordavam que a democracia era a melhor forma de governo — acima dos 41% de três anos antes.
Há outras razões pelas quais a Ucrânia pode estar cautelosa com as eleições. A natureza adversária das campanhas políticas pode ser divisiva, especialmente em uma sociedade sob alto estresse.
Políticos ucranianos argumentaram abertamente que realizar uma eleição durante a guerra seria desestabilizador para a sociedade ucraniana, minando a unidade interna diante da agressão russa.
Influência externa
E então há a preocupação com a influência externa em qualquer eleição. Os ucranianos têm experiência suficiente com a interferência russa em sua política para presumir que o Kremlin tentará colocar o dedo na balança.
A Rússia, desde o colapso da União Soviética em 1991, empregou seus recursos substanciais para influenciar a política ucraniana por todos os meios disponíveis, desde propaganda, pressões e incentivos econômicos até chantagem energética, ameaças e uso de violência.
Em 2004, as manipulações eleitorais de Moscou em favor do candidato pró-Rússia, Viktor Yanukovich, levaram à Revolução Laranja — na qual os ucranianos se levantaram para rejeitar eleições fraudadas. Nove anos depois, Yanukovich — que se tornou presidente em 2010 — foi deposto pela Revolução da Dignidade, que viu os ucranianos expulsarem um homem que muitos viam como um fantoche russo em favor de um caminho para maior integração com a Europa.
A história de Putin de interferência em eleições vai além da Ucrânia, é claro. Mais recentemente, o Tribunal Constitucional da Romênia anulou as eleições presidenciais do país, citando um processo eleitoral comprometido por interferência estrangeira.
Uma posição impossível
Ao levantar eleições como um pré-requisito para negociações, Putin está armando uma armadilha “sem saída” para a Ucrânia: a Constituição ucraniana afirma que as eleições só podem ocorrer quando a lei marcial for suspensa; mas a suspensão da lei marcial só é possível quando a “fase quente” da guerra terminar. Portanto, sem um cessar-fogo, nenhuma eleição é possível.
Mas, ao se recusar a concordar com eleições, a Ucrânia pode ser retratada como o obstáculo a qualquer acordo de paz — alimentando uma narrativa que já está se formando na administração dos EUA de que Kyiv é o problema e precisará ser afastada para que haja progresso.
Em suma, ao aparentemente ecoar os pontos de discussão russos sobre uma eleição ser um pré-requisito para a paz, os EUA colocam o governo ucraniano em uma posição impossível: concordar com a votação e arriscar divisões internas e interferência externa, ou rejeitá-la e permitir que Moscou — e, talvez, Washington — retratem os líderes ucranianos como ilegítimos e incapazes de negociar em nome de seu povo.
Texto traduzido do artigo In pushing for Ukraine elections, Trump is falling into Putin-laid trap to delegitimize Zelenskyy, de Lena Surzhko Harned, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.