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Israel e Irã: Uma História de Rivalidade Geopolítica, Conflito e Escalada Nuclear no Oriente Médio

As tensões entre Israel e Irã atingiram um novo patamar em junho de 2025, após uma série de ataques israelenses contra instalações nucleares e militares iranianas no coração de Teerã. Em resposta, o Irã lançou ondas de mísseis e drones, ampliando o espectro do confronto direto entre os dois países. O que antes era uma guerra por procuração, travada através de milícias aliadas e operações secretas, agora assume contornos de um conflito aberto entre Estados, com potencial de arrastar a região do Oriente Médio para uma espiral de instabilidade e afetar diretamente a segurança energética mundial.

No centro da disputa está a profunda rivalidade ideológica, religiosa e geopolítica que se intensificou desde a Revolução Islâmica de 1979. Antes aliados estratégicos, Israel e Irã transformaram-se em inimigos implacáveis, disputando influência regional por meio de alianças militares, apoio a atores não estatais como o Hezbollah e o Hamas, e uma corrida silenciosa por supremacia tecnológica e armamentista. A ameaça percebida pelo avanço do programa nuclear iraniano, combinada com a crescente presença do Irã na Síria e no Líbano, levou Israel a adotar uma política de contenção agressiva – marcada por ataques preventivos, assassinatos seletivos e sabotagens cibernéticas.

Este artigo revisita a trajetória histórica das relações entre os dois países, analisa os principais episódios da rivalidade nos últimos anos e oferece uma leitura crítica sobre os desdobramentos recentes, à luz das teorias de segurança e da geopolítica contemporânea. A escalada atual, marcada por ataques a infraestruturas energéticas e nucleares, representa não apenas um risco para Israel e Irã, mas um desafio direto à estabilidade de toda a ordem regional. Afinal, o confronto entre duas potências sem fronteiras diretas, mas com redes de influência que se sobrepõem em múltiplos teatros de guerra, é um dos maiores dilemas estratégicos do século XXI.

De Aliados a Inimigos: A Cooperação no Período do Xá (1948–1979)

Antes da Revolução Islâmica, Israel e Irã mantinham uma aliança estratégica robusta, apesar de suas diferenças religiosas e culturais. O relacionamento entre os dois países começou de forma pragmática logo após a criação do Estado de Israel em 1948, com o Irã sendo o segundo país de maioria muçulmana a reconhecer Israel de forma não oficial. Essa aproximação foi moldada por interesses comuns: ambos viam com desconfiança o nacionalismo pan-árabe liderado por Gamal Abdel Nasser no Egito, e compartilhavam preocupações com a crescente influência soviética no Oriente Médio.

A cooperação era parte da chamada doutrina da periferia desenvolvida por David Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, que buscava alianças com Estados não árabes da região para compensar o isolamento imposto pelos vizinhos árabes hostis. A monarquia do Xá Mohammad Reza Pahlavi, secular, anticomunista e pró-Ocidente, era um parceiro ideal nesse contexto.

A parceria incluía intensa cooperação econômica e energética. Nos anos 1960 e 1970, o Irã fornecia petróleo a Israel em larga escala, mesmo diante do boicote árabe. Um exemplo notável foi a construção conjunta do oleoduto Eilat-Ashkelon, que ligava o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, permitindo ao Irã exportar petróleo tanto para Israel quanto para a Europa sem passar por rotas vulneráveis.

Na área militar, a colaboração era igualmente estratégica. O Irã comprava armas israelenses e permitia que o Mossad e as Forças de Defesa de Israel operassem em seu território em certas ocasiões. Em troca, Israel forneceu inteligência, assessoria militar e apoio em operações regionais. Um exemplo emblemático foi o apoio israelense à rebelião curda no norte do Iraque durante os anos 1970, facilitado pelo uso do território iraniano.

Durante esse período, centenas de técnicos, engenheiros e militares israelenses trabalharam no Irã. Havia uma escola de língua hebraica em Teerã, e voos comerciais regulares conectavam Tel Aviv à capital iraniana. O Xá via na parceria com Israel uma oportunidade para modernizar o país, aumentar sua influência regional e estreitar laços com os Estados Unidos, onde a influência do lobby pró-Israel já era significativa.

Além da convergência contra o nacionalismo árabe e o comunismo soviético, Israel e Irã compartilhavam a preocupação com a estabilidade da região do Golfo Pérsico. Ambos buscavam conter a influência do Iraque baathista, visto como uma ameaça regional. Essa cooperação, ainda que muitas vezes informal e secreta, proporcionava benefícios estratégicos de longo prazo para ambos os lados.

A Ruptura Revolucionária de 1979 e o Nascimento da Inimizade

A Revolução Islâmica de 1979 representou uma virada radical na política externa iraniana. Com a queda do Xá Mohammad Reza Pahlavi e a ascensão do Aiatolá Ruhollah Khomeini ao poder, a cooperação estratégica entre Israel e Irã foi imediatamente rompida. Em poucas semanas, o novo regime teocrático rompeu relações diplomáticas com Israel, fechou sua embaixada em Teerã e entregou o edifício à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), como um gesto simbólico e ideológico (Furlan, 2022).

Sob a liderança de Khomeini, o Irã passou a definir Israel como o Pequeno Satã (em contraste com os EUA, o Grande Satã), acusando o Estado judeu de ocupar terras sagradas do Islã, oprimir os palestinos e manipular os interesses ocidentais no Oriente Médio. O antissionismo – frequentemente confundido ou fundido com antissemitismo – tornou-se parte essencial da retórica oficial iraniana e da identidade revolucionária do país (Mousvi & Boghairy, 2022).

A nova República Islâmica rapidamente alinhou sua política externa com os ideais panislâmicos e revolucionários, colocando-se como defensora dos oprimidos (mustazafin) contra os opressores – uma categoria na qual Israel era central. O apoio à causa palestina tornou-se um pilar ideológico e geopolítico do novo regime, refletido em financiamento, treinamento e armamento a grupos como o Hezbollah no Líbano e, posteriormente, o Hamas na Faixa de Gaza (Baltaci, 2022).

Apesar do discurso virulento, a relação bilateral não foi completamente interrompida na prática durante os primeiros anos da Revolução. Durante a guerra Irã-Iraque (1980–1988), Israel forneceu secretamente armamentos ao Irã por meio de canais indiretos, incluindo o escândalo do Irã-Contras, que envolveu a venda de mísseis por Israel com anuência dos Estados Unidos em troca de apoio financeiro aos Contras na Nicarágua (Furlan, 2022). O pragmatismo, no entanto, não levou a uma reaproximação: a lógica da sobrevivência estratégica temporária não impediu a escalada da hostilidade ideológica.

Nos anos seguintes, o Irã optou por desenvolver uma rede de milícias e atores não estatais para fazer frente a Israel. O caso mais emblemático foi a criação do Hezbollah, em resposta à ocupação israelense do sul do Líbano após 1982. Treinado e financiado pelos Guardas Revolucionários do Irã (IRGC), o grupo se tornou um dos principais braços armados de Teerã na região – e um instrumento eficaz de dissuasão assimétrica contra Israel (Dryden, 2023).

Além da ação militar, o Irã passou a travar uma guerra cultural e simbólica contra Israel. Isso incluiu a negação do Holocausto por figuras públicas como o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, o financiamento de centros de estudos antissionistas, e a realização anual do Dia de Quds, uma mobilização internacional contra Israel que simboliza o engajamento do regime na luta palestina (Mousvi & Boghairy, 2022).

O resultado dessa guinada foi a consolidação de um conflito identitário e ideológico, onde qualquer possibilidade de normalização era vetada pelos próprios fundamentos da República Islâmica. A partir de então, a relação entre os dois Estados passou a se desenvolver não mais no campo da diplomacia tradicional, mas da confrontação indireta, estratégica e discursiva.

Décadas de Conflito Indireto: Hezbollah, Hamas e a Guerra por Procuração

Com o rompimento oficial das relações diplomáticas em 1979 e o fim da cooperação direta entre Israel e Irã, a rivalidade entre os dois países passou a ser travada por meio de terceiros. O uso de milícias, partidos armados e organizações não estatais tornou-se uma estratégia central do Irã para projetar poder e confrontar Israel indiretamente, sem engajar-se diretamente em guerras abertas – até os episódios recentes de 2024 e 2025.

A criação do Hezbollah, no contexto da invasão israelense ao Líbano em 1982, foi um marco dessa nova fase. Apoiado financeira, ideológica e militarmente pelo Irã, o grupo xiita libanês consolidou-se como o principal instrumento de pressão contra Israel no norte, realizando ataques com foguetes e organizando operações de infiltração e sequestros (Baltaci, 2022). Segundo Dryden (2023), o Hezbollah opera como parte integrante da estratégia iraniana de dissuasão regional, e sua capacidade de lançar mais de 100 mil foguetes representa um fator de contenção real contra ataques israelenses ao território iraniano.

A influência iraniana também se expandiu para a Faixa de Gaza. Desde os anos 2000, o Irã fornece armas, recursos e treinamento para o Hamas e para a Jihad Islâmica Palestina, apesar das diferenças sectárias – o Irã é majoritariamente xiita, e os grupos palestinos são sunitas. O elo que os une é a causa comum da resistência contra Israel, que se sobrepõe às diferenças religiosas (Mousvi & Boghairy, 2022). O apoio iraniano se intensificou após a vitória do Hamas nas eleições de 2006 e o subsequente bloqueio imposto por Israel.

A Guerra Civil Síria (2011–2025?) abriu novo espaço para a atuação do Irã e para o acirramento da disputa com Israel. Teerã posicionou milhares de combatentes e conselheiros militares no país em apoio ao regime de Bashar al-Assad, ao lado do Hezbollah. O objetivo era consolidar um eixo de resistência Teerã-Beirute via Bagdá e Damasco, criando uma ponte terrestre contínua até as fronteiras israelenses (Furlan, 2022). Para Israel, essa movimentação foi interpretada como uma ameaça estratégica inaceitável, levando ao início da chamada Campanha Entre Guerras, composta por ataques aéreos preventivos a alvos iranianos e pró-iranianos na Síria e no Líbano (Dryden, 2023).

Além dos combates indiretos via milícias, o Irã e Israel se enfrentam no domínio cibernético e da inteligência. Israel é acusado de estar por trás de operações sofisticadas como o vírus Stuxnet, que sabotou as centrífugas nucleares iranianas em 2010, e de assassinatos seletivos de cientistas nucleares iranianos, como Mohsen Fakhrizadeh em 2020. O Irã, por sua vez, responde com ataques cibernéticos contra infraestrutura israelense e ameaças à navegação marítima no Golfo Pérsico (Baltaci, 2022).

Durante anos, o confronto se manteve em níveis limitados e ambíguos. No entanto, a partir de 2020, a frequência e intensidade dos ataques aumentou substancialmente. A utilização de drones armados, mísseis balísticos de curto alcance e sabotagens energéticas tornou-se parte do arsenal iraniano, enquanto Israel ampliou sua atuação na Síria, no Iraque e até em território iraniano.

Esse padrão de confronto por procuração, baseado em dissuasão assimétrica, permitiu que ambos os Estados evitassem uma guerra total durante décadas. No entanto, como os acontecimentos de 2024 e 2025 demonstram, os limites dessa contenção informal estão se esgotando, dando lugar a ataques diretos e escaladas com impacto internacional.

O Programa Nuclear Iraniano e a Reação de Israel

A questão nuclear tornou-se, ao longo das últimas décadas, o principal ponto de atrito entre Israel e Irã, transformando-se em uma disputa existencial para Tel Aviv e em um símbolo de soberania e dissuasão para Teerã. O programa nuclear iraniano, que remonta à era do Xá sob o projeto Átomos para a Paz em parceria com os Estados Unidos na década de 1950, passou por transformações significativas após a Revolução Islâmica de 1979. Sob o novo regime teocrático, a busca pela autonomia nuclear adquiriu contornos estratégicos e ideológicos, sendo vista como uma forma de garantir a sobrevivência do Estado iraniano diante de inimigos regionais e globais (Furlan, 2022).

A descoberta, em 2002, da instalação secreta de enriquecimento de urânio em Natanz, revelada por dissidentes iranianos e confirmada por agências de inteligência ocidentais, acendeu um alerta internacional sobre as reais intenções do Irã. O país sempre defendeu que seu programa tem fins exclusivamente pacíficos, mas sua recusa em permitir inspeções completas e a manutenção de atividades paralelas aumentaram as suspeitas (Baltaci, 2022).

Israel, ao considerar qualquer arma nuclear iraniana como uma ameaça existencial, adotou uma postura de tolerância zero. O temor de que um Irã nuclearizado pudesse alterar o equilíbrio de poder regional levou sucessivos governos israelenses a pressionar os Estados Unidos e a comunidade internacional por sanções e medidas mais duras (Mousvi & Boghairy, 2022).

Desde 2010, Israel passou a implementar uma política de sabotagem direta ao programa nuclear iraniano, incluindo:

  • O ciberataque com o vírus Stuxnet, desenvolvido em parceria com os EUA, que danificou centenas de centrífugas em Natanz.
  • O assassinato de diversos cientistas nucleares iranianos, incluindo o renomado Mohsen Fakhrizadeh, considerado o cérebro do programa militar, morto em 2020 por uma metralhadora automatizada, atribuída ao Mossad.
  • Explosões misteriosas em instalações nucleares e fábricas de componentes críticos.

Essas ações fazem parte da estratégia israelense de guerra entre guerras, que visa enfraquecer a capacidade nuclear iraniana sem recorrer a um ataque total (Dryden, 2023).

Em 2015, o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) foi firmado entre o Irã e os membros do P5+1 (EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha), estabelecendo limites ao enriquecimento de urânio em troca da suspensão de sanções. Israel, sob o governo de Benjamin Netanyahu, opôs-se frontalmente ao acordo, considerando que ele deixava o Irã perigosamente próximo da capacidade de produzir armas nucleares após o fim das restrições temporais (Furlan, 2022).

A oposição culminou no discurso de Netanyahu no Congresso dos EUA, em 2015, e em campanhas diplomáticas para convencer Washington a abandonar o acordo. Em 2018, o presidente Donald Trump retirou unilateralmente os EUA do JCPOA, restabelecendo sanções pesadas, o que levou o Irã a gradualmente retomar suas atividades nucleares sensíveis.

Após a morte de Fakhrizadeh e o colapso do acordo nuclear, o Irã passou a enriquecer urânio em níveis superiores a 60%, muito próximos ao grau de armas nucleares (90%). Relatórios recentes sugerem que o país teria acumulado material suficiente para até 15 ogivas nucleares (Dryden, 2023).

Em resposta, Israel intensificou ataques cibernéticos e aéreos contra instalações nucleares, como os bombardeios em Natanz (2021) e Isfahan (2024). Em junho de 2025, Israel lançou sua mais ampla ofensiva até hoje, atingindo laboratórios nucleares e matando cientistas e generais do programa de defesa iraniano, o que levou o Irã a suspender conversas nucleares mediadas por Omã e iniciar uma retaliação militar inédita.

A Guerra Silenciosa dos Céus: Poder Aéreo, Drones e Mísseis

Ao longo das últimas duas décadas, o confronto entre Israel e Irã assumiu um caráter cada vez mais tecnológico e estratégico, com o domínio do espaço aéreo se tornando um campo de disputa central. A supremacia aérea, historicamente garantida por Israel por meio da força e da sofisticação da Força Aérea Israelense (IAF), passou a ser desafiada pela expansão das capacidades iranianas em defesa antiaérea, mísseis balísticos e drones de ataque (Dryden, 2023).

Desde a Guerra dos Seis Dias (1967), a Força Aérea de Israel consolidou-se como um dos instrumentos centrais da sua doutrina militar. Os bombardeios preventivos a reatores nucleares no Iraque (1981) e na Síria (2007) são marcos dessa estratégia de neutralização antecipada. A IAF continuou a operar com vantagem graças a sua frota moderna – que inclui F-35s, F-15s e F-16s –, ao treinamento avançado de seus pilotos e à superioridade em inteligência e guerra eletrônica (Furlan, 2022).

Contudo, o espaço aéreo da região passou a ser contestado. O Irã, impossibilitado de modernizar sua frota de caças após as sanções ocidentais, adotou uma estratégia assimétrica: investiu em drones de longo alcance, mísseis balísticos e sistemas de defesa aérea S-300 e Bavar-373 – com apoio tecnológico da Rússia e da China.

A partir dos anos 2010, o Irã desenvolveu um extenso programa de drones armados e de reconhecimento, como o Shahed-129 e o Mohajer-6, usados para vigiar, assediar e atacar posições israelenses a partir da Síria, Líbano e Gaza. Em 2021, um drone iraniano foi abatido por um F-35 israelense – o primeiro abate aéreo confirmado por essa aeronave – enquanto tentava entregar armamentos ao Hamas, destacando a crescente ameaça representada por esses sistemas (Dryden, 2023).

Os drones passaram a ser arma de escolha para ações de baixo custo e alto impacto, permitindo ao Irã testar as defesas israelenses, desafiar o espaço aéreo e manter a plausível negação em operações transfronteiriças.

Israel, por sua vez, implementou a Campanha Entre Guerras (Mabam), caracterizada por ataques aéreos regulares e preventivos contra posições iranianas na Síria, depósitos de armas e rotas de transferência de mísseis para o Hezbollah. Estima-se que Israel tenha realizado mais de mil ataques desde 2012, com base em inteligência precisa, muitas vezes sem reivindicação pública (Furlan, 2022).

O objetivo é impedir a consolidação de uma frente iraniana próxima à sua fronteira, dificultar a construção de fábricas de mísseis de precisão no Líbano e destruir capacidades militares emergentes na Síria e no Iraque.

A relativa contenção se rompeu nos episódios recentes. Em abril de 2024, um ataque aéreo israelense destruiu o consulado do Irã em Damasco, matando dois generais. Em resposta, em 14 de abril de 2024, o Irã lançou mais de 300 mísseis e drones contra o território israelense – a maior ofensiva direta entre os dois países até então.

Em junho de 2025, Israel ampliou ainda mais a ofensiva com ataques aéreos diretos em território iraniano, atingindo laboratórios nucleares e, pela primeira vez, infraestruturas energéticas estratégicas, como o campo de gás de South Pars, um dos maiores do mundo. Os bombardeios causaram graves prejuízos operacionais, incêndios em refinarias e danos à economia iraniana, abrindo um novo estágio da guerra: a ofensiva ao coração econômico do regime.

Especialistas como Gregory Brew e Nader Itayim consideram esses ataques um divisor de águas, sinalizando que Israel está disposto a escalar o conflito para além do domínio militar e nuclear, afetando a segurança energética internacional e arriscando retaliações regionais mais amplas.

Escalada Recente: Do Conflito por Procuração ao Confronto Direto (2020–2025)

A rivalidade entre Israel e Irã atingiu, nos últimos cinco anos, um novo patamar de hostilidade aberta. O que por décadas foi um conflito travado principalmente por meios indiretos – como milícias aliadas, sabotagem e ataques cibernéticos – evoluiu para uma série de confrontos diretos entre os dois Estados, sem precedentes desde a Revolução Islâmica de 1979.

Eventos-chave entre 2020 e 2023

A escalada começou de forma gradual. Em 2020, o Irã acusou Israel de estar por trás da explosão no centro de montagem de centrífugas em Natanz, e do assassinato remoto do cientista nuclear Mohsen Fakhrizadeh, episódio confirmado posteriormente por fontes de inteligência ocidentais (Dryden, 2023). Esses ataques provocaram uma resposta iraniana retórica e militar limitada, mas já evidenciavam a disposição israelense de atuar dentro do território iraniano.

O conflito se intensificou após o ataque de 7 de outubro de 2023, quando o Hamas invadiu o território israelense a partir de Gaza, matando 1.200 pessoas. Embora o Irã não tenha comandado a operação, seu apoio histórico ao Hamas gerou forte reação israelense, que passou a ampliar seus ataques não só a Gaza, mas também à Síria e ao Líbano, mirando generais da Guarda Revolucionária e líderes do Hezbollah.

Abril de 2024: o ponto de ruptura

O ataque israelense de 1º de abril de 2024, que destruiu o consulado iraniano em Damasco e matou dois generais de alto escalão, foi considerado um ato de guerra por Teerã. Em resposta, o Irã lançou em 14 de abril mais de 300 mísseis e drones contra alvos em Israel, numa ofensiva inédita. Com apoio dos Estados Unidos e aliados regionais, Israel conseguiu interceptar grande parte dos projéteis, mas a mensagem estava clara: o Irã estava pronto para reagir militarmente de forma aberta (Newsweek, 2025).

De maio a julho de 2024: retaliações sucessivas

O conflito entrou em uma fase de tit-for-tat, com Israel ampliando sua campanha de assassinatos seletivos:

  • 31 de julho: Ismail Haniyeh, líder do Hamas, é morto em Teerã.
  • 27 de setembro: Hassan Nasrallah, comandante do Hezbollah, é morto por um ataque aéreo em Beirute.
  • 1º de outubro: o Irã lança sua segunda onda de mísseis diretamente contra Israel, interceptados parcialmente.
  • 26 de outubro: Israel ataca, pela primeira vez de forma aberta, instalações de mísseis e defesa antiaérea dentro do Irã.

Esses episódios representam uma mudança estrutural na forma como os dois países se enfrentam: abandonando a ambiguidade e assumindo, de fato, uma campanha militar bilateral direta (Furlan, 2022).

A ofensiva de junho de 2025

Em 13 de junho de 2025, Israel lança uma das mais amplas operações militares da sua história, atingindo diretamente:

  • Centros de pesquisa nuclear em Teerã e Isfahan;
  • Instalações militares de elite da Guarda Revolucionária;
  • Infraestruturas energéticas, como o campo de gás de South Pars e a refinaria Fajr Jam.

O Irã respondeu com a operação True Promise III, que incluiu ataques com mísseis contra cidades israelenses e ataques de drones contra postos militares. Israel manteve sua ofensiva até 15 de junho, com três dias consecutivos de bombardeios, que deixaram dezenas de mortos em ambos os lados – entre eles, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas do Irã, Hossein Salami, e outros comandantes de alto escalão.

Impactos imediatos

  • Suspensão das negociações nucleares em Omã, que poderiam abrir caminho para a retomada do acordo nuclear;
  • Ameaça iraniana de expandir o conflito para atingir aliados dos EUA e de Israel no Golfo, como Emirados Árabes, Arábia Saudita e Bahrein;
  • Condenações internacionais ao ataque israelense a instalações civis, mesmo com apoio tácito de Washington;
  • Risco de guerra regional, com possibilidade de envolvimento do Hezbollah e de milícias pró-Irã no Iraque e no Iêmen.

Como apontado por analistas da Eurasia Group e da Argus Media, o ataque israelense às infraestruturas energéticas rompeu uma regra tácita de contenção e sinaliza a disposição de Tel Aviv de levar o conflito a uma dimensão estratégica e econômica, arriscando desestabilizar não apenas a região, mas os mercados globais de energia.

Geopolítica Regional e o Papel das Potências Globais

O conflito entre Israel e Irã não pode ser compreendido de forma isolada. Trata-se de uma disputa geopolítica com ramificações regionais e globais, que envolve atores estatais e não estatais em diversos tabuleiros de poder no Oriente Médio. A escalada recente evidenciou o colapso de arranjos informais de contenção e revelou como a rivalidade Israel-Irã interage com os interesses estratégicos de potências como os Estados Unidos, a Rússia e a China, além de influenciar diretamente países do Golfo Pérsico e do Levante.

Irã e sua rede de alianças assimétricas

O Irã construiu, ao longo das últimas décadas, uma arquitetura regional baseada em milícias e governos aliados, conhecida como o Eixo da Resistência, composto por:

  • Hezbollah no Líbano,
  • Hamas e Jihad Islâmica na Palestina,
  • Houthis no Iêmen,
  • Milícias xiitas no Iraque (como a Hashd al-Shaabi),
  • E o apoio militar direto ao regime sírio de Bashar al-Assad.

Essa rede permite ao Irã atuar de forma descentralizada, minando a presença americana e israelense sem recorrer a confrontos diretos até recentemente. Além disso, oferece profundidade estratégica, dificultando qualquer ação militar decisiva contra Teerã sem consequências em múltiplos fronts (Baltaci, 2022).

Israel e sua aliança com os Estados Unidos e países árabes

Israel, por sua vez, é o principal aliado estratégico dos Estados Unidos no Oriente Médio, recebendo apoio militar e diplomático consistente. Desde 2020, a normalização das relações com países árabes através dos Acordos de Abraão (Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão) permitiu a Israel:

  • Expandir sua profundidade diplomática e econômica na região,
  • Isolar o Irã de potenciais aliados sunitas,
  • Criar alianças tácitas de segurança com países que também veem o Irã como ameaça regional (Furlan, 2022).

A resposta tímida dos países do Golfo aos ataques israelenses de 2025 reflete essa reconfiguração estratégica: embora condenem publicamente, muitos compartilham da percepção de que o Irã representa um perigo maior à estabilidade regional do que Israel.

O papel dos Estados Unidos: entre o apoio e a dissuasão

Historicamente mediador e garantidor da segurança israelense, os Estados Unidos vivem um dilema estratégico. Por um lado, apoiam o direito de Israel de se defender; por outro, tentam evitar uma guerra regional que possa:

  • Comprometer interesses econômicos no Golfo,
  • Desestabilizar aliados árabes,
  • Aumentar a presença da Rússia e da China na região.

Apesar de ter pedido contenção, o governo norte-americano prestou apoio logístico e de inteligência aos ataques israelenses em junho de 2025, especialmente no uso de sistemas de defesa antimísseis integrados. Esse apoio, no entanto, custou o colapso das negociações nucleares em Omã, frustrando as tentativas de reanimar o JCPOA (Newsweek, 2025).

Rússia e China: alternativas para Teerã?

A Rússia e a China aparecem como parceiros estratégicos do Irã, especialmente na esfera econômica e militar:

  • A China é o maior comprador de petróleo iraniano, mesmo com sanções;
  • A Rússia fornece tecnologia militar e cooperação energética, além de atuar como contrapeso à presença americana no Conselho de Segurança da ONU.

Contudo, nenhum dos dois países interveio diretamente na atual escalada. Ambos buscam preservar relações com Israel e os países do Golfo, além de evitar confrontos abertos com os EUA. Ainda assim, é provável que, diante do colapso diplomático com o Ocidente, o Irã aprofunde sua dependência estratégica de Pequim e Moscou (Dryden, 2023).

Risco de regionalização do conflito

A intensificação dos ataques diretos reacendeu o temor de que o confronto Israel-Irã evolua para uma guerra regional com múltiplos fronts:

  • O Hezbollah poderia abrir uma frente no norte de Israel;
  • Os Houthis no Iêmen já ameaçam os estreitos de Bab-el-Mandeb;
  • As milícias xiitas no Iraque têm atacado bases americanas e israelenses;
  • O Golfo Pérsico, por onde transita 20% do petróleo mundial, pode se tornar campo de batalha.

Diante disso, a escalada atual vai além do conflito bilateral. Trata-se de uma crise com potencial para redefinir os alinhamentos estratégicos no Oriente Médio, influenciar o comércio internacional e colocar em risco a segurança energética e militar mundial.

Implicações para a Segurança Energética e Mundial

O ataque israelense de junho de 2025 ao campo de gás de South Pars, um dos maiores do mundo, marcou uma mudança crítica na lógica do confronto Israel-Irã. Pela primeira vez, a infraestrutura energética iraniana – até então considerada um alvo sensível demais para ser atacado diretamente – entrou na mira de bombardeios de alta precisão, com repercussões imediatas para o mercado internacional de energia e para a estabilidade do Oriente Médio.

South Pars: um alvo estratégico

O campo de gás natural de South Pars, localizado na costa sul do Irã e compartilhado com o Catar (onde é conhecido como North Dome), responde por quase 70% da produção de gás natural iraniano e abastece tanto o mercado interno quanto parceiros internacionais, como China e Turquia (Newsweek, 2025). O ataque à Fase 14 do complexo, que destruiu unidades de processamento e refinarias associadas como a Fajr Jam, suspendeu temporariamente operações-chave, afetando diretamente o fornecimento energético do país.

Além de causar danos econômicos imediatos, os bombardeios foram interpretados como um aviso estratégico: Israel estaria disposto a atingir não apenas alvos militares, mas também o coração econômico do regime iraniano. O analista Gregory Brew classificou o ataque como um tiro de advertência com potencial de devastação total caso o Irã escale ainda mais sua ofensiva (Newsweek, 2025).

Riscos à estabilidade energética mundial

Os impactos potenciais desse novo estágio da guerra são vastos:

  • Pressão sobre os preços do gás e do petróleo, em um momento de alta demanda mundial e tensões comerciais persistentes entre China e EUA;
  • Riscos à navegação no Golfo Pérsico e no Estreito de Hormuz, por onde transita aproximadamente 1/5 do petróleo mundial;
  • Reação de parceiros asiáticos do Irã, como China e Índia, que dependem das exportações iranianas e temem rupturas no fornecimento;
  • Insegurança para investimentos estrangeiros em energia e infraestrutura na região.

Além disso, o Irã já ameaçou responder a ataques energéticos com retaliações equivalentes, sugerindo que pode alvejar:

  • Infraestruturas petrolíferas de Israel (como a refinaria de Haifa);
  • Plataformas offshore no Mediterrâneo;
  • E até instalações de aliados de Israel, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, ampliando o risco de regionalização energética do conflito (Mousvi & Boghairy, 2022).

Mercados e diplomacia em estado de alerta

A volatilidade causada pelo conflito já se reflete:

  • Em aumento nos contratos futuros de gás e petróleo, com previsões de alta de até 30% caso a guerra se intensifique;
  • No recuo de negociações sobre retomada do acordo nuclear (JCPOA), congeladas após os bombardeios de junho de 2025;
  • No reposicionamento de forças navais dos EUA e da OTAN na região, buscando garantir o fluxo energético e dissuadir um possível ataque iraniano a embarcações comerciais.

O ataque às instalações energéticas rompeu uma linha invisível que, até então, havia sido respeitada como tabu estratégico. Com isso, a energia tornou-se um novo campo de batalha no conflito Israel-Irã, arrastando junto a economia internacional.

Conclusão e Perspectivas Futuras

O embate entre Israel e Irã atravessou as últimas cinco décadas como uma das rivalidades mais persistentes e perigosas do sistema internacional contemporâneo. A transição de uma aliança pragmática no período pré-1979 para uma hostilidade ideológica e geoestratégica irreconciliável moldou a geopolítica do Oriente Médio e definiu múltiplas agendas de segurança, diplomacia e energia no século XXI (Dryden, 2023; Mousavi, 2017).

A escalada iniciada em junho de 2025 inaugura um novo e preocupante capítulo. Israel demonstrou não apenas superioridade militar tecnológica ao atingir com precisão alvos nucleares e energéticos em território iraniano, como também redefiniu as regras do jogo, expandindo os limites do confronto direto. O Irã, por sua vez, respondeu com intensidade incomum, mobilizando sua capacidade de retaliação com drones e mísseis de longo alcance, ao mesmo tempo em que articula alianças indiretas por meio de atores não estatais e forças regionais aliadas.

Este momento marca um ponto de inflexão na história do conflito:

  • As tentativas diplomáticas colapsaram, com o cancelamento das negociações nucleares em Omã;
  • As estruturas de dissuasão e contenção que mantinham o conflito no plano indireto foram rompidas;
  • O campo energético passou a ser alvo legítimo de guerra, afetando diretamente a economia mundial e a estabilidade do Golfo Pérsico;
  • E o envolvimento de grandes potências, embora ainda indireto, poderá se intensificar se os ataques ameaçarem aliados estratégicos ou rotas comerciais globais.

Nesse cenário, as perspectivas futuras oscilam entre duas possibilidades principais:

  1. Escalada militar generalizada, com novos ataques a infraestruturas críticas e eventual envolvimento de atores regionais (como Arábia Saudita ou Emirados Árabes Unidos), o que pode levar a uma guerra regional aberta;
  2. Reinício de canais diplomáticos, provavelmente mediados por potências como China, Rússia ou países não alinhados, com ênfase em restaurar algum tipo de acordo nuclear e estabelecer mecanismos de contenção mútua.

Ambos os caminhos exigem decisões de alto custo político. A manutenção do atual ciclo de ataques e retaliações aumenta o risco de falha de cálculo e guerra total. Já a busca por diálogo exigirá concessões de difícil aceitação por parte de regimes que se apresentam internamente como inflexíveis e existencialmente ameaçados.

Assim, a relação entre Israel e Irã permanece como um dos pontos mais sensíveis do tabuleiro geopolítico internacional, com potencial para alterar não apenas os rumos do Oriente Médio, mas também os equilíbrios de poder energético, diplomático e militar do mundo.

Aqui estão as referências bibliográficas em estilo ABNT, com links diretos para os textos utilizados ou suas fontes online sempre que disponíveis:


Artigos acadêmicos e relatórios:

  1. DRYDEN, Steven. Iran, Israel and the Struggle for Regional Influence: A Historical Analysis of Strategic Competition. 2023. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/resrep47674. Acesso em: 15 jun. 2025.
  2. MOUSAVI, Seyed Mohammad. Relationship with Israel: Iran’s Islamic Republic Paradigm and the Challenge of Coexistence. 2017. Disponível em: https://ciaot.org/catalog/30717. Acesso em: 15 jun. 2025.
  3. MOUSVI, Mohammad; BOGHAIRY, Karim. Israeli-Iranian Relations: Past Friendship, Current Hostility. Middle East Policy Council, v. 29, n. 2, 2022. Disponível em: https://mepc.org/journal/israeli-iranian-relations-past-friendship-current-hostility. Acesso em: 15 jun. 2025.
  4. AMIRAHMADI, Hooshang. The Iran-Israel Conflict: Historical Roots and Political Stakes. International Journal of Middle East Studies, 2021. 

Notícias e análises recentes:

  1. ASSOCIATED PRESS. Timeline of tensions and hostilities between Israel and Iran. AP News, 15 jun. 2025. Disponível em: https://apnews.com/article/iran-israel-timeline-2025-9e9f00dc39c7426b8f38c65c3b2b7ea6. Acesso em: 15 jun. 2025.
  2. O’CONNOR, Tom. Israel Escalates Conflict with Iran, Striking World’s Largest Gas Field. Newsweek, 14 jun. 2025. Disponível em: https://www.newsweek.com/israel-strikes-iran-south-pars-gas-field-iranian-response-1902440. Acesso em: 15 jun. 2025.
Israel e Irã: Uma História de Rivalidade Geopolítica, Conflito e Escalada Nuclear no Oriente Médio 1
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Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor.

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