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Mudanças Climáticas e Conflitos Geopolíticos: O Caso do Ártico Mudanças Climáticas e Conflitos Geopolíticos: O Caso do Ártico

Mudanças Climáticas e Conflitos Geopolíticos: O Caso do Ártico

O derretimento do gelo no Ártico intensifica disputas entre potências globais e amplia desafios à governança e segurança. O artigo analisa impactos climáticos, militarização e guerra híbrida, com foco na cibersegurança. Examina a postura dos países do Conselho do Ártico e a ausência de tratados eficazes. Por fim, discute cenários futuros e a necessidade de cooperação multilateral. 

Introdução

O aumento da temperatura global acelera o derretimento do gelo no Ártico, abrindo novas rotas marítimas — como a Rota do Mar do Norte — e facilitando a exploração de recursos naturais estratégicos, como petróleo, gás e minerais raros. Esse processo intensifica disputas geopolíticas e ameaça a governança climática e a estabilidade regional (Gore, 2020; Acuff & Christensen, 2021). Além de impactar a geopolítica, o degelo afeta padrões climáticos globais, altera correntes oceânicas, influencia eventos extremos em diferentes regiões do planeta e amplia riscos à segurança internacional, como a crescente militarização e ataques cibernéticos direcionados a infraestruturas estratégicas.

Diante desse cenário, este artigo busca analisar os impactos das mudanças climáticas na segurança global, com ênfase na exploração econômica do Ártico, na militarização regional e nos riscos da guerra híbrida, especialmente no campo da cibersegurança. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa qualitativa e bibliográfica, fundamentada em relatórios de organismos internacionais (IPCC, UNEP, UNFCCC) e em autores de referência na área de segurança internacional. A pergunta central que orienta o estudo é: de que forma o degelo do Ártico, ao mesmo tempo em que abre oportunidades econômicas, intensifica tensões geopolíticas e compromete a governança climática global?

Para responder a essa questão, o artigo estrutura-se em quatro partes principais: (i) exploração econômica e governança climática; (ii) disputa territorial e militarização; (iii) impactos da guerra híbrida e da cibersegurança; e (iv) consequências para povos indígenas e para a segurança internacional. O referencial teórico utilizado apoia-se nas teorias de segurança internacional e governança global, com ênfase nas perspectivas realista e institucionalista, buscando compreender como interesses nacionais e cooperação multilateral se entrelaçam na região.

A Exploração Econômica do Ártico e a Governança Climática

O Ártico é uma das regiões mais ricas em recursos naturais do planeta, abrigando vastas reservas de petróleo, gás natural e minerais estratégicos (Graham, 2019). O interesse na exploração desses recursos cresceu exponencialmente, impulsionado pelo derretimento acelerado das calotas polares, que facilita o acesso a áreas antes inexploradas (United States Geological Survey [USGS], 2022). Estimativas do USGS indicam que a região contém cerca de 90 bilhões de barris de petróleo, 44 bilhões de barris de líquidos de gás natural e 1.669 trilhões de pés cúbicos de gás natural (USGS, 2022).

Historicamente, a exploração econômica do Ártico remonta ao século XIX, com caçadores de baleias e exploradores mapeando a região em busca de recursos (Konyshev & Sergunin, 2014). Durante a Guerra Fria, a área adquiriu importância estratégica devido à proximidade entre Estados Unidos e União Soviética, levando ao aumento da presença militar e à exploração de hidrocarbonetos (Emmers, 2010). No final do século XX, avanços tecnológicos somados ao degelo acelerado transformaram o Ártico em uma nova fronteira econômica global (Keil, 2014).

A extração intensiva de combustíveis fósseis no Ártico levanta sérias preocupações ambientais, pois contradiz compromissos globais de redução das emissões de carbono, estabelecidos no Acordo de Paris (United Nations Framework Convention on Climate Change [UNFCCC], 2015). O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change [IPCC], 2021) alertou que a queima desses recursos poderia adicionar bilhões de toneladas de CO₂ à atmosfera, agravando o aquecimento global. Além disso, a crescente demanda por minerais raros tem acelerado a competição geopolítica na região. Elementos como neodímio e disprósio, essenciais para tecnologias sustentáveis, são abundantes na Groenlândia e na Rússia (Gertler, 2022).

A governança climática no Ártico enfrenta desafios significativos, já que não há um regime internacional específico para regular a exploração de seus recursos. O Conselho do Ártico, composto por Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos, busca regulamentar atividades econômicas e ambientais, mas sua eficácia é limitada pela resistência de alguns países a compromissos rígidos (Sachs, 2022). A guerra na Ucrânia intensificou as tensões entre os países-membros, dificultando a cooperação internacional e fortalecendo a presença militar russa na região (The Guardian, 2024).

O futuro da exploração econômica no Ártico dependerá do equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental. Iniciativas como o Acordo de Proteção do Meio Ambiente do Ártico, assinado em 2020, tentam estabelecer diretrizes mais rigorosas para a extração de recursos naturais. Entretanto, sem um tratado internacional robusto que limite a exploração de combustíveis fósseis e imponha mecanismos de fiscalização ambiental, o Ártico poderá se tornar um dos maiores desafios para a governança climática global nas próximas décadas (UNEP, 2023).

A Disputa Territorial e a Militarização do Ártico

A militarização do Ártico reflete a crescente disputa pelo controle territorial e pelos recursos naturais estratégicos. Antes considerada uma área de cooperação, a região transformou-se em palco de rivalidade entre grandes potências, impulsionada pelo degelo acelerado, pela abertura de novas rotas marítimas e pela exploração econômica (Wezeman, 2022).

Durante a Guerra Fria, o Ártico assumiu papel estratégico, com Estados Unidos e União Soviética instalando bases militares e sistemas de defesa antimísseis (Keil, 2014). Com o avanço do degelo, a Rússia lidera a militarização, reativando bases soviéticas e expandindo sua frota naval desde 2014 (Figueiredo, 2023). Em 2021, Moscou realizou manobras militares de larga escala, sinalizando sua determinação em manter o domínio regional (Regehr, 2019).

Além das forças convencionais, a Rússia investe pesadamente em quebra-gelos nucleares, sendo o único país com essa capacidade de navegação avançada. Em 2023, anunciou a construção de três novos quebra-gelos para ampliar sua influência sobre a Rota do Mar do Norte, vista como alternativa estratégica ao Canal de Suez (The Guardian, 2024). O Kremlin justifica essa expansão como essencial para a proteção de suas fronteiras frente ao aumento da presença da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (Kononenko, 2021).

Os Estados Unidos também ampliam sua atuação no Ártico, realizando exercícios militares conjuntos com países nórdicos. Em março de 2025, participaram da operação Joint Viking na Noruega, mobilizando 10.000 soldados para simular defesas contra possíveis agressões russas. Paralelamente, o Pentágono intensificou patrulhas submarinas na região, destacando a relevância do Ártico para sua segurança nacional (Nilsson, 2024).

A OTAN consolidou sua influência com a adesão da Finlândia e da Suécia em 2023, permitindo operações conjuntas e monitoramento da atividade militar russa (Fotyga, 2021). Em resposta, Moscou intensificou patrulhas no Mar de Barents e realizou testes de mísseis, elevando as tensões com os países ocidentais (Wezeman, 2022).

Embora não seja uma nação ártica, a China busca expandir sua presença por meio de investimentos em infraestrutura e cooperação científica. Considerando o Ártico parte da sua “Rota da Seda Polar”, Pequim firmou parcerias com a Rússia em mineração e transporte. Em 2024, lançou sua segunda expedição polar para reforçar acordos estratégicos no âmbito do Conselho do Ártico (Lassere, 2021; The Guardian, 2024).

A ausência de um tratado internacional específico para regular a militarização do Ártico agrava os riscos de confronto. Embora a região esteja parcialmente abrangida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), ainda persistem disputas territoriais envolvendo Rússia, Canadá e Dinamarca (Sachs, 2022). A UNCLOS estabelece normas para a utilização dos mares e oceanos, mas não dispõe de mecanismos eficazes sobre militarização do Ártico. Isso reforça a necessidade de contextualizar sua aplicação no Direito Internacional, já que muitos leitores não especialistas podem desconhecer sua abrangência.

Além das implicações geopolíticas, a militarização acarreta impactos ambientais relevantes. A construção de bases, o uso de submarinos nucleares e a realização de exercícios militares elevam os riscos de acidentes radioativos e a degradação dos frágeis ecossistemas polares. Esses fatores comprometem a biodiversidade e dificultam os esforços globais para conter as mudanças climáticas (UNEP, 2023).

Nesse contexto, ataques cibernéticos emergem como nova camada de risco. Infraestruturas militares e energéticas no Ártico têm se tornado alvos de ciberespionagem e sabotagem, ampliando os desafios estratégicos. A ausência de regulamentação internacional para segurança digital agrava o problema, levando potências como Estados Unidos, Rússia e China a reforçarem investimentos em ciberdefesa (United Nations, 2023).

Diante desse cenário, a comunidade internacional precisa ampliar o diálogo para evitar a escalada militar no Ártico. A criação de tratados específicos e mecanismos diplomáticos eficazes pode reduzir o risco de confrontos e mitigar impactos ambientais. A diplomacia multilateral e compromissos ambientais rigorosos são essenciais para preservar o Ártico como espaço de cooperação, evitando que se torne um novo epicentro de tensões geopolíticas (United Nations, 2023).

Cibersegurança: Guerra Híbrida no Ártico

Além da militarização convencional, a crescente digitalização das infraestruturas energéticas, militares e logísticas no Ártico ampliou a vulnerabilidade da região a ataques cibernéticos. Governos e corporações que operam na região estão cada vez mais expostos a ameaças digitais, incluindo espionagem industrial, sabotagem de redes elétricas e interceptação de comunicações via satélite (Nilsson, 2024).

Segundo Schmitt (2017), a ausência de normativas internacionais sobre cibersegurança em regiões estratégicas como o Ártico amplia o risco de ataques sem responsabilização. Ele defende a criação de um tratado internacional específico para a cibersegurança no Ártico, inspirado no direito internacional humanitário e nos princípios do Manual de Tallinn sobre Guerra Cibernética. A implementação de um acordo desse tipo seria essencial para estabelecer diretrizes comuns de proteção e mecanismos de sanção contra-ataques digitais.

Um exemplo concreto dessa vulnerabilidade foi o ataque cibernético ao sistema de comunicação da Rota do Mar do Norte em 2023. Hackers supostamente patrocinados por um Estado comprometeram temporariamente o rastreamento de navios comerciais e militares (The Guardian, 2024). Esse episódio evidenciou a necessidade de políticas de segurança digital robustas para proteger infraestruturas críticas da região. Harknett (2018) propõe que uma defesa cibernética colaborativa entre os países do Conselho do Ártico poderia minimizar riscos desse tipo. A troca de informações em tempo real e a coordenação de respostas rápidas são estratégias fundamentais para reduzir os impactos de ataques digitais sobre infraestruturas estratégicas.

A China também tem investido significativamente em cibersegurança no Ártico, integrando-a à sua chamada “Rota da Seda Polar”. Empresas chinesas participam do desenvolvimento de cabos de fibra óptica submarinos que conectam a região à Eurásia. Embora essa iniciativa amplie a conectividade global, preocupa países ocidentais devido ao potencial uso dessas redes para fins de espionagem (Lassere, 2021).

Os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) também ampliam sua capacidade de defesa cibernética. Em 2024, foi criada uma força-tarefa no Comando Cibernético dos EUA para monitorar ataques digitais a instalações militares e civis no Ártico. A OTAN, por sua vez, promoveu simulações de guerra cibernética para treinar respostas rápidas contra ofensivas digitais que possam comprometer redes elétricas, oleodutos e sistemas de navegação (Fotyga, 2021). Segundo o Cooperative Cyber Defence Centre of Excellence (CCDCOE, 2023), a adoção de protocolos de segurança digital compartilhados entre os membros da OTAN é fundamental para fortalecer a resiliência cibernética da região.

A ausência de regulamentações internacionais específicas para a segurança cibernética no Ártico torna essa questão ainda mais delicada. Diferentemente de outras regiões, onde há acordos consolidados de cooperação digital, no Ártico a digitalização das infraestruturas ocorre de forma fragmentada, com países adotando padrões distintos. Essa falta de harmonização pode levar a uma escalada de conflitos digitais, em que ataques cibernéticos funcionem como instrumentos de guerra híbrida para minar a influência de rivais estratégicos.

Elazari (2022) destaca a necessidade de criação de um centro internacional de segurança cibernética dedicado ao Ártico. Esse centro atuaria como hub de inteligência digital, promovendo cooperação entre governos, setor privado e academia para fortalecer a resiliência digital. Lewis (2023) complementa que, além da cooperação interestatal, é essencial envolver empresas tecnológicas globais na criação de sistemas de defesa cibernética.

A disputa pelo Ártico, portanto, não se limita aos recursos naturais e à presença militar convencional: estende-se também ao domínio digital. A infraestrutura cibernética da região já se configura como ativo estratégico, com impactos diretos na segurança global. O ataque de 2023 à Rota do Mar do Norte demonstrou como atores estatais e não estatais podem explorar vulnerabilidades digitais em busca de vantagens estratégicas.

Com base nessas análises, especialistas sugerem três medidas prioritárias para mitigar a crescente ameaça cibernética no Ártico:

  1. Criação de um tratado internacional sobre cibersegurança, estabelecendo diretrizes para a proteção de infraestruturas críticas e mecanismos de responsabilização por ataques digitais (Schmitt, 2017).
  2. Adoção de protocolos de segurança digital compartilhados, fortalecendo a colaboração entre os países do Conselho do Ártico na detecção e neutralização de ameaças cibernéticas (CCDCOE, 2023).
  3. Implementação de um centro internacional de segurança cibernética, voltado à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias de defesa digital, com cooperação entre Estados, setor privado e academia (Elazari, 2022).

Sem tais medidas, o Ártico corre o risco de se tornar um dos principais campos de guerra cibernética do século XXI, com efeitos significativos sobre a segurança global.

Como isso tem afetado a crise climática

A intensificação da exploração econômica e da militarização do Ártico não apenas acelera sua degradação ambiental, mas também expõe a contradição dos compromissos climáticos globais.

Enquanto países assinam tratados ambientais e se apresentam como líderes na luta contra as mudanças climáticas, a corrida por petróleo, gás natural e minerais raros no Ártico avança de forma descontrolada, ampliando o risco de colapso climático (United Nations Framework Convention on Climate Change [UNFCCC], 2015). O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change [IPCC], 2021) já alertou que a exploração dos recursos fósseis da região adicionaria bilhões de toneladas de CO₂ à atmosfera, inviabilizando esforços para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais.

O Serviço Geológico dos Estados Unidos (United States Geological Survey [USGS], 2022) estima que o Ártico abrigue cerca de 90 bilhões de barris de petróleo e 1.669 trilhões de pés cúbicos de gás natural. Se extraídos e queimados, esses recursos representariam um dos maiores retrocessos climáticos da história moderna. Paradoxalmente, a região derrete devido ao uso de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que potências globais aproveitam esse colapso para extrair ainda mais petróleo e gás, alimentando um ciclo vicioso que pode levar ao colapso dos ecossistemas polares e à intensificação de eventos climáticos extremos no mundo inteiro (Gore, 2020).

Além disso, a liberação do permafrost — solo permanentemente congelado que contém o dobro do carbono atualmente presente na atmosfera — pode desencadear um efeito dominó irreversível. O metano liberado pelo degelo é 25 vezes mais potente que o CO₂ na retenção de calor, tornando o Ártico não apenas uma vítima, mas também um acelerador da crise climática (United Nations Environment Programme [UNEP], 2023). A Rússia, uma das principais responsáveis pela exploração da região, continua expandindo suas atividades de perfuração na Plataforma Continental Ártica, ignorando advertências científicas e reforçando sua dependência econômica de combustíveis fósseis (Kononenko, 2021).

A militarização do Ártico adiciona outra camada de destruição climática. A presença de bases militares, patrulhas submarinas, testes de mísseis e atividades navais de grandes potências, como Estados Unidos, Rússia e China, têm impactos devastadores no ecossistema polar. O tráfego de submarinos nucleares aumenta o risco de acidentes radioativos e vazamentos de óleo, além de liberar grandes quantidades de carbono devido ao elevado consumo energético dessas operações (Wezeman, 2022). A Rússia, por exemplo, tem investido pesadamente em sua frota de quebra-gelos nucleares, sob a justificativa de abrir novas rotas comerciais, mas sem adotar compromissos ambientais significativos para mitigar os impactos dessa expansão (The Guardian, 2024).

O avanço da guerra híbrida no Ártico também contribui indiretamente para a crise climática. Os constantes ataques cibernéticos contra infraestruturas energéticas e redes de comunicação geram instabilidade, atrasam projetos sustentáveis e podem comprometer iniciativas de transição energética (Schmitt, 2017). A digitalização massiva das operações militares e comerciais na região resulta ainda em um consumo de energia crescente, impulsionando a demanda por data centers e redes de satélites que consomem eletricidade em níveis alarmantes (Lewis, 2023).

O Ártico deveria ser tratado como território de preservação global e prioridade na luta contra as mudanças climáticas. No entanto, a ausência de regulamentações eficazes e a hipocrisia política transformaram a região em um laboratório de destruição ambiental e em um foco de tensões estratégicas. A falta de medidas concretas contra a exploração predatória e a militarização reforça o uso de uma retórica ambiental apenas como instrumento diplomático, enquanto nos bastidores prevalecem interesses econômicos e estratégicos (United Nations, 2023).

O tempo para reverter esse cenário é cada vez mais limitado. Sem restrições drásticas à exploração de combustíveis fósseis e sem um tratado internacional que imponha limites à militarização do Ártico, a região corre o risco de se tornar um dos principais catalisadores do colapso climático global.

Impactos para os Povos Indígenas e a Segurança Internacional

As populações indígenas do Ártico, como os Sami, Inuit e Chukchi, enfrentam desafios crescentes decorrentes da exploração econômica e das mudanças climáticas. O derretimento acelerado do gelo marinho facilita o acesso a recursos como petróleo e gás, aumentando a atividade humana que ameaça ecossistemas frágeis e compromete modos de vida tradicionais dessas comunidades (Smith; Stephenson, 2013).

A exploração intensiva de recursos naturais resulta na degradação ambiental, afetando diretamente a subsistência de povos indígenas que dependem da caça, da pesca e da coleta. A poluição decorrente dessas atividades compromete ecossistemas essenciais para a sobrevivência dessas populações (Berkes, 2017). A pesca industrial em grande escala também reduz a disponibilidade de alimentos e altera a biodiversidade local, impactando negativamente as comunidades tradicionais.

Outro fator crítico é o deslocamento forçado dessas comunidades em razão do avanço das atividades econômicas. Grandes projetos de infraestrutura, como portos e oleodutos, ameaçam terras ancestrais e resultam na perda de territórios essenciais para sua cultura e sobrevivência. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples [UNDRIP], 2007) reforça a obrigação de consulta prévia às comunidades, mas relatórios de organizações como a Human Rights Watch (2024) denunciam violações frequentes desses direitos fundamentais, ampliando tensões sociais na região.

Do ponto de vista da segurança internacional, a crescente militarização do Ártico adiciona outra camada de complexidade. A Rússia vem expandindo sua presença militar, reativando bases e realizando exercícios em larga escala. A OTAN, liderada pelos Estados Unidos, intensifica suas operações em resposta, aumentando o risco de confrontos e instabilidade global (Regehr, 2019). Em 2024, por exemplo, a China realizou patrulhas navais no Ártico, sinalizando interesse estratégico crescente na região. Washington respondeu com o envio de submarinos nucleares para monitorar a atividade chinesa. O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, alertou que o Ártico pode se transformar em “novo epicentro de disputas estratégicas” se medidas diplomáticas não forem rapidamente implementadas (The Guardian, 2024).

Especialistas em Relações Internacionais, como Anna Fotyga, relatora do Parlamento Europeu sobre o Ártico, defendem uma abordagem multilateral que concilie segurança estratégica e proteção dos direitos indígenas. A cooperação internacional é essencial para mitigar os impactos negativos da exploração econômica e da militarização. União Europeia e Canadá têm promovido fóruns diplomáticos voltados para regulamentos ambientais mais rígidos e mecanismos de defesa dos direitos das comunidades locais (Fotyga, 2021).

Em termos filosóficos e éticos, a exploração do Ártico suscita reflexões sobre a relação da humanidade com a natureza e os direitos das comunidades tradicionais. Sheila Watt-Cloutier (2018), pensadora indígena contemporânea, destaca a importância de reconhecer o valor intrínseco das culturas locais e a necessidade de preservar seus modos de vida diante das pressões econômicas e ambientais.

Em síntese, os impactos da exploração econômica e da militarização no Ártico são profundos e multifacetados. Eles afetam diretamente as populações indígenas e a segurança internacional. Uma abordagem integrada, que envolva a participação ativa das comunidades locais e a cooperação entre Estados, é fundamental para assegurar um futuro sustentável e pacífico para a região.

Conclusão

O Ártico tornou-se um dos principais epicentros das mudanças climáticas e das disputas geopolíticas do século XXI. O derretimento acelerado das calotas polares, impulsionado pelo aquecimento global, abre novas rotas marítimas e facilita a exploração de recursos estratégicos. Entretanto, a ausência de uma governança robusta transforma a região em um espaço de degradação irreversível e de conflitos cada vez mais intensos.

Do ponto de vista ambiental, a exploração de petróleo, gás natural e minerais estratégicos representa uma contradição flagrante em relação aos compromissos globais de combate às mudanças climáticas. A continuidade desse modelo extrativista compromete metas internacionais de redução de emissões e aprofunda a instabilidade climática mundial, ao mesmo tempo em que acelera a degradação dos ecossistemas polares.

No campo da segurança internacional, a militarização do Ártico adiciona uma nova camada de risco. A expansão da presença militar russa, a OTAN e as incursões da China sinalizam a transformação da região em um tabuleiro estratégico, onde o risco de confrontos diretos entre grandes potências cresce a cada ano. Sem um tratado específico que regule atividades militares, a instabilidade tende a se agravar.

As populações indígenas, por sua vez, permanecem entre as mais vulneráveis a essa conjuntura. Enfrentam não apenas os impactos diretos do colapso climático, mas também deslocamentos forçados e a destruição de seus territórios ancestrais em razão do avanço econômico e militar. A ausência de políticas eficazes de proteção ameaça sua autonomia e perpetua a marginalização de comunidades que, paradoxalmente, há séculos coexistem em equilíbrio com o ambiente ártico.

Nesse cenário, a preservação do Ártico exige um compromisso internacional imediato e coordenado. A implementação de um tratado específico para a região, com regras claras sobre exploração econômica, militarização e segurança digital, deve ser prioridade. Além disso, os países do Conselho do Ártico precisam assumir uma postura mais ativa na fiscalização e aplicação de regulamentos ambientais, garantindo que as atividades respeitem os limites ecológicos e os direitos das comunidades locais.

Por fim, a diplomacia climática, frequentemente esvaziada por interesses econômicos e geopolíticos, precisa tornar-se mais assertiva e vinculante. Sem esse esforço conjunto, o Ártico corre o risco de uma destruição irreversível, cujos impactos ultrapassam as fronteiras regionais e ameaçam a estabilidade climática global, tornando-o símbolo da incapacidade internacional de conciliar desenvolvimento, segurança e sustentabilidade.

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Especialista em segurança e análise de dados com mais de quatro anos de experiência no Departamento de Estado dos EUA, apoiando missões diplomáticas na África e América Latina com precisão estratégica.

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