O primeiro-ministro japonês Shigeru Ishiba cedeu a semanas de pressão dentro de seu partido e anunciou sua renúncia, menos de um ano após assumir o cargo.
Sua partida lança o Japão de volta à incerteza política, revivendo temores de um retorno aos primeiros-ministros rotativos que dominaram os anos 1990 e final dos anos 2000, antes de Shinzo Abe restaurar a estabilidade em 2012.
Quem quer que o suceda deve não apenas estabilizar o Partido Liberal Democrata (PLD), mas também restaurar a confiança do público em um sistema político abalado por escândalos, brigas faccionais e crescente ceticismo dos eleitores sobre o domínio de um único partido.
Por que Ishiba está deixando o cargo?
Ishiba assumiu o cargo apenas em setembro passado, depois que Fumio Kishida renunciou em meio a uma série de escândalos.
Ele herdou um partido profundamente problemático. Kishida foi forçado a sair em 2024 após revelações de extensos laços entre o PLD e a Igreja da Unificação. A igreja há muito era controversa no Japão, mas tornou-se ainda mais após o assassinato de Abe em 2022 por um homem que guardava rancor contra ela. Os laços da igreja com o PLD foram revelados pouco depois.
Um escândalo de fundos secretos corroeu ainda mais a confiança pública no partido. Ishiba prometeu reforma e responsabilidade mais estrita – mas essa postura irritou muitas figuras seniores, especialmente aquelas implicadas nos escândalos que ele buscou confrontar.
O PLD perdeu sua maioria na câmara baixa logo após sua eleição, seguido por mais contratempos, incluindo uma derrota na eleição de julho para a câmara alta. Os apelos para Ishiba renunciar tornaram-se mais altos, com pesos-pesados do partido alertando para uma divisão na base conservadora se ele se agarasse ao poder. No fim de semana, ele finalmente se rendeu.
Ishiba justificou o momento apontando para o risco de um vácuo político durante as negociações comerciais em andamento com os Estados Unidos. Com um acordo sobre redução de tarifas concluído na semana passada, ele cedeu aos críticos sem recorrer à arma tradicional do primeiro-ministro de dissolver o parlamento para silenciar seus rivais.
A decisão pode parecer intrigante. Pesquisas recentes mostraram a popularidade de Ishiba subindo, sugerindo que eleitores comuns estavam se afeiçoando a ele.
Mas sua queda ressalta quanto poder a velha guarda do PLD ainda detém nos bastidores, priorizando a disciplina interna sobre o momentum eleitoral.
Koizumi vs Takaichi
A corrida pela liderança já está em andamento, com uma votação esperada para início de outubro. Dois nomes se destacam.
De um lado está Shinjiro Koizumi, 44 anos, filho do ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi. Representando a ala mais liberal do partido, ele já expressou apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e permitir que casais usem sobrenomes separados – posições que o diferenciam no PLD.
Como ministro da agricultura no governo de Ishiba, ele ganhou reconhecimento por enfrentar o aumento dos preços do arroz e pressionar por reformas em um setor há muito ligado à política de patronagem do PLD.
Carismático e popular entre os eleitores, Koizumi cultivou laços com o partido de oposição Japan Restoration Party. Este apoio pode ser crucial para o PLD forjar uma nova coalizão ou sustentar seu governo minoritário com seu parceiro de coalizão, Komeito, que ainda precisaria do apoio da oposição para aprovar legislação.
Se escolhido, ele se tornaria o primeiro-ministro mais jovem do Japão.
Do outro lado está Sanae Takaichi, uma conservadora firme que terminou em segundo lugar na corrida de liderança do ano passado.
Autoproclamada herdeira do legado de Abe, ela se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e sobrenomes duplos, favorece a revisão constitucional para esclarecer o papel das Forças de Autodefesa do país e regularmente enfatiza a necessidade de fortalecer a postura militar do Japão.
Ela se comparou à ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, pedindo gastos fiscais ousados e flexibilização monetária para impulsionar o crescimento.
Se eleita, ela se tornaria a primeira primeira-ministra do Japão, embora suas posições duras possam tensionar os laços com o parceiro de coalizão Komeito.
Uma pesquisa da TBS desta semana coloca Koizumi e Takaichi empatados, cada um com 19,3%, enquanto uma pesquisa da Nikkei de 31 de agosto dá a Takaichi uma ligeira liderança de 23%, apenas um ponto à frente de Koizumi.
Outros concorrentes podem surgir, incluindo o Secretário-Chefe de Gabinete Yoshimasa Hayashi. Muito dependerá da escolha do PLD quanto ao formato da eleição: se membros comuns terão voz, ou apenas legisladores no parlamento.
De qualquer forma, os candidatos precisam do apoio de 20 membros da Dieta (parlamento japonês) para entrar na corrida.
Altos riscos para o partido governista do Japão
Os riscos não poderiam ser maiores. Com a partida de Ishiba, as esperanças de reformar o PLD se desvaneceram.
Se o novo líder não recuperar a confiança pública, o partido corre o risco de ser vítima de seu próprio longo domínio. Para manter o poder, ele ficou preso em defender o status quo, enquanto novos desafiantes populistas de direita, como o Sanseito, ganham terreno com retórica anti-estrangeira.
Com as próximas eleições previstas apenas para 2028, o Japão está entrando em outro capítulo político incerto. Se o PLD emerge fortalecido ou enfraquecido dependerá não apenas de quem substitui Ishiba, mas se o partido pode convencer um público cético de que ainda é capaz de renovação.
Texto traduzido do artigo Why did Japanese Prime Minister Shigeru Ishiba resign? And who might replace him?, de Sebastian Maslow, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.
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