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Os Desafios da Integração Energética na América do Sul no Contexto da Transição Energética: Perspectivas para a Cooperação Regional
Os Desafios da Integração Energética na América do Sul no Contexto da Transição Energética: Perspectivas para a Cooperação Regional Os Desafios da Integração Energética na América do Sul no Contexto da Transição Energética: Perspectivas para a Cooperação Regional

Os Desafios da Integração Energética na América do Sul no Contexto da Transição Energética: Perspectivas para a Cooperação Regional

Foto por afloresm. Via Wikicommons

O Desafio e a Oportunidade da Integração Energética na América do Sul

A integração energética na América do Sul emerge como um pilar estratégico para impulsionar a transição energética global, diante do vasto potencial da região em recursos naturais e da crescente demanda por matrizes energéticas limpas e sustentáveis. Países como Brasil, Argentina, Chile e Bolívia destacam-se pela abundância de fontes renováveis, como hidrelétrica, eólica e solar, que, se exploradas de forma integrada, podem atender não apenas às demandas regionais, mas também contribuir para os esforços globais de descarbonização. No entanto, a concretização dessa integração enfrenta desafios complexos, que vão desde barreiras políticas e econômicas até limitações de infraestrutura, dificultando a criação de um mercado energético coeso e sustentável.

No cenário geopolítico e climático atual, marcado pela urgência de ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, a integração energética surge como uma oportunidade estratégica para fortalecer a cooperação regional e elevar a competitividade da América do Sul no panorama internacional. Contudo, obstáculos como a persistente dependência de combustíveis fósseis, o desalinhamento de políticas energéticas nacionais e a insuficiente interconexão de infraestrutura continuam a representar entraves significativos que demandam soluções coordenadas e inovadoras.

Este artigo tem como objetivo analisar os principais desafios e oportunidades da integração energética na América do Sul no contexto da transição energética, destacando como iniciativas regionais podem ser fortalecidas por meio de uma governança alinhada às metas globais de sustentabilidade. Ao considerar o papel estratégico do Brasil, que sediou o G20 em 2024, e será o anfitrião de outro evento global de grande relevância 2025, como o a COP 30, a análise também explora como o país pode liderar esforços regionais para consolidar a América do Sul como protagonista no enfrentamento das mudanças climáticas e na transformação do setor energético, promovendo um futuro mais sustentável e resiliente.

Desenvolvimento da Transição Energética e Integração Regional na América do Sul

Transição Energética

A transição energética refere-se à substituição progressiva de uma matriz energética baseada em combustíveis fósseis por fontes renováveis e tecnologias de baixo carbono. Esse processo é essencial para combater as mudanças climáticas, uma vez que o setor de energia é responsável por uma parcela significativa das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA)1, em 2022, aproximadamente 40% das emissões globais de CO₂ foram atribuídas à geração de energia elétrica a partir de combustíveis fósseis.

No contexto sul-americano, as fontes renováveis desempenham um papel central na transição energética, pois o continente é privilegiado em termos de recursos naturais para a produção de energia limpa. A energia hidrelétrica, por exemplo, já responde por uma parcela significativa da matriz energética de países como o Brasil, Paraguai e Colômbia. Além disso, o potencial para expansão de energia solar e eólica é vasto, especialmente em regiões como o Nordeste brasileiro e o deserto do Atacama, no Chile, considerado uma das áreas com maior incidência solar do mundo. As tecnologias limpas, como sistemas de armazenamento de energia, redes inteligentes e produção de hidrogênio verde, também são pilares fundamentais para viabilizar a transição energética. No entanto, a implementação dessas soluções exige investimentos significativos, desenvolvimento tecnológico e cooperação regional para superar barreiras financeiras e logísticas.

No aspecto financeiro, destaca-se a dificuldade de acesso a investimentos adequados para projetos de energia limpa. Bancos e investidores geralmente demandam garantias financeiras elevadas, o que limita a capacidade de países em desenvolvimento de viabilizarem tais projetos (Irena, 2020)2. Além disso, tecnologias limpas, como a produção de hidrogênio verde e sistemas de armazenamento de energia, possuem custos iniciais elevados que desafiam economias emergentes (International Energy Agency, 2021)3. Nesse contexto, medidas como a criação de fundos regionais de financiamento, conforme sugerido pela CEPAL (2022)4 poderiam reduzir os custos iniciais e distribuir os riscos entre os países. O desenvolvimento de mecanismos de crédito verde e a formação de parcerias público-privadas também se mostram como alternativas viáveis para atrair investimentos.

No campo logístico, a falta de infraestrutura adequada para a transmissão de energia representa um grande desafio. Muitas regiões com alto potencial de geração de energia renovável, como o Nordeste brasileiro e o deserto do Atacama, no Chile, não possuem redes de transmissão modernas que conectem a produção aos grandes centros de consumo (Benites-Lazaro et al., 2020)5. Para superar essa barreira, a integração energética regional é apontada como uma solução promissora. A interconexão de redes elétricas poderia otimizar o aproveitamento dos recursos renováveis disponíveis no continente, como discutido por Fernández (2021)6. Além disso, o investimento em tecnologias de redes inteligentes, que aumentam a eficiência da transmissão e distribuição de energia, poderia modernizar a infraestrutura existente e melhorar a viabilidade logística.

Portanto, a superação dessas barreiras passa pela conjugação de esforços financeiros e logísticos, aliados à cooperação regional. A busca por soluções integradas e sustentáveis é essencial para que a América do Sul possa aproveitar plenamente seus vastos recursos naturais e liderar a transição energética global.

Integração Regional na América do Sul

A integração energética é uma dimensão estratégica do regionalismo, concebida como um processo de interconexão de infraestruturas, mercados e políticas energéticas entre países vizinhos. Segundo Philippe Schmitter7, a integração regional é caracterizada pela construção de arranjos institucionais voltados à superação de barreiras nacionais, visando à cooperação econômica e política. Andrew Hurrell8 complementa essa visão ao enfatizar que a integração depende de fatores como confiança política, interesses comuns e capacidade institucional. Na América do Sul, iniciativas de integração energética têm um histórico de avanços e desafios. Exemplos como a usina hidrelétrica de Itaipu, construída em parceria entre Brasil e Paraguai9, e o Gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL) demonstram o potencial da cooperação regional. No entanto, outros projetos, como o Gasoduto do Sul10, enfrentaram obstáculos políticos e econômicos que impediram sua execução.

A integração energética sul-americana é marcada por desigualdades estruturais, como a concentração de recursos em alguns países e a dependência de combustíveis fósseis em outros. Além disso, a falta de alinhamento entre políticas energéticas nacionais e as tensões políticas entre países muitas vezes dificultam a implementação de projetos de longo prazo. Nesse cenário, o fortalecimento de mecanismos regionais, como a UNASUL e a ALADI, é fundamental para promover uma integração energética que contribua para a transição energética e o desenvolvimento sustentável.

De acordo com Blustein (2011)11, as instituições multilaterais frequentemente enfrentam uma complexa teia de interesses conflitantes, que dificultam a implementação de políticas conjuntas em áreas como comércio e, por extensão, em setores como a energia, o autor detalha como os conflitos de interesse entre países mais poderosos e suas ambições podem paralisar ou distorcer a implementação de acordos multilaterais. Na América do Sul, esse mesmo padrão é visível no campo energético, onde as disparidades de recursos, as diferenças de desenvolvimento e as relações geopolíticas, muitas vezes, comprometem a criação de uma política energética regional coesa.

No entanto, a importância da ALADI e da UNASUL vai além da simples facilitação de acordos comerciais ou de infraestrutura. Essas organizações podem ser vistas como instrumentos de articulação política que promovem a confiança mútua entre os países e gerenciam os conflitos de interesse. Em particular, elas têm um papel importante na adaptação das políticas energéticas à transição energética, garantindo que os processos de interconexão sejam conduzidos de forma inclusiva e sustentável. A experiência da usina hidrelétrica de Itaipu, construída entre Brasil e Paraguai, exemplifica como iniciativas energéticas de grande porte podem transcender divisões políticas, resultando em um benefício mútuo duradouro. Por outro lado, projetos como o Gasoduto do Sul enfrentam dificuldades quando há falta de uma plataforma institucional sólida para resolver os impasses políticos.

A transição energética sul-americana, marcada por um crescente desafio de descentralização e diversificação das fontes de energia, exige que essas organizações regionais se adaptem ao novo contexto global. Tal contexto, é caracterizado por um crescente desafio de descentralização e diversificação das fontes de energia, onde, acordos como a ALADI e a UNASUL têm, portanto, o desafio de não apenas promover a integração das infraestruturas energéticas, mas também de impulsionar políticas de energia renovável, buscando alternativas sustentáveis que reduzam a dependência de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, promovam uma maior justiça social e ambiental. Bem como o fortalecimento dessas OIs, em sintonia com as iniciativas climáticas globais, é essencial para que a América do Sul possa avançar na construção de uma matriz energética mais verde e integrada. Pois, com o destravamento de foros multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), é possível reunir países de regiões e realidades econômicas diferentes, oferecendo uma plataforma mais ampla para o debate e a construção de soluções. Por serem mecanismos de negociação de múltiplos interesses, é crucial destravar esses canais para facilitar acordos mais eficazes e garantir que as políticas energéticas regionais alinhem-se com as metas globais de sustentabilidade. Como estuda o cientista político norte-americano, John Ikenberry, os foros multilaterais são essenciais para a promoção de uma ordem econômica global aberta, que facilite a cooperação entre nações e promova a eficiência através do livre comércio e da redução das barreiras políticas e econômicas. Sendo assim, o papel da ALADI e da UNASUL na construção de uma política energética regional deve ser aprofundado, focando em como essas organizações podem facilitar a transição energética. Para isso, é essencial que a governança regional se alinhe com os objetivos globais de sustentabilidade, respeitando as particularidades de cada país e garantindo que a cooperação energética seja integrada politicamente, socialmente e economicamente.

Contudo, esse cenário de cooperação multilateral começa a ruir principalmente na América do Sul quando há um enfraquecimento das instituições regionais e um crescente distanciamento entre os países em função de disputas políticas, econômicas e ideológicas, podendo ser observado a partir de meados da década de 2010, com a retirada de membros da UNASUL e o surgimento de novos fóruns regionais, como o PROSUL, mais voltados para a cooperação bilateral. A transição para acordos bilaterais reflete uma mudança no equilíbrio de poder regional, em que os países buscam garantir vantagens econômicas ou estratégicas mais diretas, muitas vezes sem a mediação de uma organização multilateral. Tal fenômeno, de preferência por acordos bilaterais, reflete uma tendência de desintegração da ordem regional mais coesa e um fortalecimento das dinâmicas de poder entre países de maior influência, como Brasil e Argentina, com foco em interesses mais imediatos e estratégicos.

Dessa forma, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), criada em 2008 para promover a integração regional, e desempenhou inicialmente um papel promissor na articulação de projetos de infraestrutura energética, a partir de 2017, por disputas políticas, mudanças de governo e a falta de consenso entre os membros, ocorreu à retirada de vários países e à sua inatividade. O surgimento do Foro para o Progresso da América do Sul (PROSUL), em 2019, marcou o fim prático da UNASUL como um mecanismo relevante (Santos, 2021)12. Esse declínio exemplifica como a instabilidade política e a descontinuidade de compromissos regionais dificultam a integração energética, comprometendo a coordenação de políticas e o desenvolvimento de redes interconectadas.

Governança Climática Global e o Papel do G20 e da COP

A governança climática global é estruturada por uma série de instituições e fóruns internacionais que buscam coordenar ações para enfrentar as mudanças climáticas. O G20, como um dos principais espaços de articulação econômica e política, desempenha um papel relevante ao promover diálogos sobre financiamento climático, transição energética e mitigação de emissões de GEE. Durante a presidência brasileira do G20 em 202413, realizada no Rio de Janeiro, a integração energética na América do Sul foi destacada como um exemplo significativo de cooperação regional alinhada às metas globais de sustentabilidade. As reuniões do G20 social, com foco em clima e crescimento sustentável, como o evento U20 (Urban 20)14, reuniram líderes de grandes cidades globais para discutir ações climáticas, financiamento multilateral e o papel das cidades na promoção da sustentabilidade, reforçando a importância das relações intergovernamentais na implementação de políticas climáticas de base urbana. Paralelamente, o O20 (Oceans 20)15, voltado para a preservação dos oceanos e o uso sustentável de recursos marinhos, trouxe à tona questões cruciais sobre mudanças climáticas, biodiversidade e a importância da cooperação internacional na gestão dos oceanos. Esses eventos contribuíram significativamente para fortalecer o diálogo sobre desafios regionais e globais, promovendo o papel estratégico da América do Sul na transição energética e na governança ambiental.

A Conferência das Partes (COP)16, por sua vez, é o principal fórum multilateral para negociação de metas climáticas e definição de compromissos entre os Estados signatários do Acordo de Paris. A realização da COP 30, em 2025 no Brasil, representa uma oportunidade estratégica para que o país assuma a liderança na promoção de pactos regionais e globais voltados à transição energética. Um exemplo concreto de oportunidade estratégica seria a possibilidade de o Brasil, durante a COP 2025, propor a criação de um pacto regional de integração energética para a América do Sul, que pudesse unificar esforços na ampliação de fontes renováveis, como energia solar, eólica e hídrica. Esse pacto poderia incluir o desenvolvimento de infraestrutura compartilhada, como linhas de transmissão transnacionais, e a implementação de políticas conjuntas de financiamento para projetos de energia limpa, com o apoio de bancos multilaterais, como o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e o Banco Mundial. Isso posicionaria o Brasil como líder regional e global na construção de soluções sustentáveis, alinhadas aos objetivos do Acordo de Paris. Além disso, eventos como a COP 30 permitem maior visibilidade para os desafios e oportunidades da América do Sul no âmbito da governança climática.

Os objetivos centrais do Acordo de Paris, como a redução das emissões de gases de efeito estufa e a limitação da temperatura global, podem ser destacados pelo Brasil na COP 2025, mas para isso o país precisaria superar desafios políticos e econômicos significativos. Politicamente, a instabilidade na Venezuela (desde 2013, com o agravamento da crise sob Nicolás Maduro) dificulta sua participação em iniciativas de integração energética, como o Gasoduto do Sul. Além disso, o governo de Jair Bolsonaro (2019-2023) adotou uma política externa mais nacionalista, priorizando acordos bilaterais e enfraquecendo a cooperação multilateral, o que afetou a eficácia das organizações regionais. Economicamente, a crise fiscal e inflação na Argentina (agudizada a partir de 2018) limita os investimentos em infraestrutura energética, dificultando a integração das redes regionais. Paralelamente, a falta de investimentos em energia renovável devido à crise fiscal em países como Brasil e Argentina também compromete o desenvolvimento de fontes renováveis essenciais para uma transição energética sustentável.

Ademais, no contexto da integração energética sul-americana, é importante considerar o papel do capital privado, que muitas vezes molda as políticas de energia de forma a preservar suas próprias vantagens econômicas, em detrimento de um desenvolvimento regional mais equilibrado e sustentável. Conforme argumenta Virgínia Fontes (2011)17 argumenta que o capital brasileiro tem se posicionado de forma a reforçar estruturas de dependência e assimetrias regionais, criando um modelo de integração que, em vez de reduzir desigualdades, acaba por manter os interesses dos grandes conglomerados empresariais. Da mesma forma, Daniela Cerqueira (2020)18 que, apesar das intenções de promover uma integração mais igualitária, as políticas energéticas dos governos brasileiros acabaram reproduzindo as dinâmicas de dependência econômica e consolidando uma integração que beneficia principalmente os grandes investidores privados, ao invés de priorizar uma transição energética sustentável e socialmente justa. Um exemplo recente disso é a venda de lotes na Foz do Amazonas, uma região rica em recursos energéticos, como petróleo e gás natural, principalmente para grandes empresas internacionais como as gigantes estadunidenses, ExxonMobil e Chevron, em parceria com a Petrobrás e CNPC (China National Petroleum Corporation). Esse processo evidencia como o capital privado, em conluio com o Estado, tem impulsionado projetos energéticos que favorecem grandes empresas e desconsideram os impactos ambientais e a necessidade de uma matriz energética mais sustentável. Assim, a busca por uma energia limpa na região enfrenta o desafio de conciliar os interesses do capital com os objetivos de desenvolvimento sustentável e justiça social.

Por conseguinte, a criação de um pacto regional de integração energética se faz necessária e dependeria de um alinhamento complexo entre os países, considerando as disparidades econômicas e políticas. Para isso, seria necessário garantir financiamento adequado e superar as barreiras que fragmentam a cooperação no continente. Esse pacto incluiria a expansão de fontes renováveis, como solar, eólica e hídrica, além do desenvolvimento de infraestrutura compartilhada, como linhas de transmissão transnacionais, e a articulação de políticas conjuntas para financiar projetos de energia limpa com apoio de instituições como o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Ao liderar esses esforços, o Brasil não apenas fortaleceria sua posição como líder regional e global, mas também incentiva uma governança climática mais unificada e eficaz no continente, alinhada aos compromissos internacionais, garantindo a mobilização de recursos financeiros, atraindo investimentos estrangeiros e estimulando a adoção de tecnologias inovadoras no continente.

Desafios, Oportunidades e o Papel da Governança Climática na Integração Energética

Contexto da Integração Energética na América do Sul

A integração energética na América do Sul remonta a iniciativas importantes, como a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA)19, que buscava fomentar projetos de infraestrutura integrados para promover o desenvolvimento e a conectividade entre os países. Projetos específicos, como o Gasoduto do Sul, concebido para interligar países como Venezuela, Brasil e Argentina, exemplificam os esforços de coordenação energética, embora muitos tenham enfrentado desafios de viabilidade econômica e política. Um marco significativo na cooperação energética é a Itaipu Binacional20, parceria entre Brasil e Paraguai, que demonstra o potencial de empreendimentos conjuntos para atender às demandas energéticas regionais, promovendo desenvolvimento socioeconômico.

Os principais atores no cenário energético regional incluem o Brasil, como líder em renováveis; a Argentina, com sua produção de gás natural; a Bolívia, importante exportador de gás; o Paraguai, com capacidade hidroelétrica excedente; e o Chile, que busca diversificar sua matriz energética para reduzir dependências externas. Contudo, a interação entre esses países é frequentemente mediada por dinâmicas políticas e econômicas divergentes, o que impacta a integração efetiva.

Desafios da Integração Energética

Um dos principais gargalos para a integração energética é a infraestrutura limitada. Redes de interconexão elétrica entre os países sul-americanos ainda são escassas ou tecnologicamente defasadas. Por exemplo, enquanto o Brasil tem potencial excedente em energia renovável, a exportação para países vizinhos enfrenta barreiras devido à ausência de redes modernas e abrangentes de transmissão. De forma semelhante, o transporte de gás natural da Bolívia para outros países da região esbarra na falta de investimentos em gasodutos e de sistemas de distribuição eficientes.

A integração energética enfrenta ainda o desafio do desalinhamento entre as prioridades nacionais. Países exportadores, como Bolívia e Paraguai, frequentemente têm expectativas conflitantes com os importadores, como Brasil e Chile, no que se refere a preços e contratos de longo prazo. Além disso, mudanças políticas em governos regionais podem alterar compromissos previamente estabelecidos, gerando instabilidade nos projetos de integração. Embora o gás natural seja frequentemente defendido como uma energia de transição, sua utilização prolongada pode resultar em um lock-in de infraestrutura fóssil, dificultando a transição para fontes limpas. A dependência de combustíveis fósseis na região também aumenta as emissões de gases de efeito estufa, indo na contramão das metas climáticas globais.

Oportunidades no Contexto da Transição Energética

O Brasil se destaca como uma potência em energia renovável, com uma matriz energética composta predominantemente por hidrelétricas e crescentes investimentos em energia solar, eólica e em biocombustíveis, como o etanol. Essa posição estratégica oferece ao país a oportunidade de exportar tecnologias, expertise e modelos de gestão para países vizinhos, promovendo uma integração energética baseada em fontes limpas e sustentáveis.

Iniciativas regionais voltadas para energias renováveis têm grande potencial na América do Sul. Por exemplo, a implementação de parques solares compartilhados em regiões com altos índices de radiação solar, como o Deserto do Atacama no Chile, poderia atender à demanda energética de vários países simultaneamente. A ampliação de interconexões elétricas para o transporte de energia renovável também é essencial para consolidar essa integração.

A transição energética na região também pode ser viabilizada por meio de fundos climáticos internacionais. Programas discutidos na COP, como o Fundo Verde para o Clima, e iniciativas promovidas em fóruns como o G20, podem oferecer apoio financeiro e técnico para a implementação de projetos limpos. O acesso a financiamentos verdes pode ajudar a superar barreiras econômicas e acelerar a transição energética regional.

O país precisaria adotar uma postura proativa, articulando a integração energética como uma ferramenta estratégica para alcançar essas metas. Dessa forma, o Brasil poderia não apenas consolidar sua liderança na governança climática global, mas também fortalecer a cooperação regional, aproveitando as sinergias existentes entre os países sul-americanos para construir um futuro mais sustentável.

Conclusão

A integração energética na América do Sul apresenta-se como um pilar estratégico para a transição energética global, oferecendo oportunidades únicas para promover o desenvolvimento sustentável e mitigar os impactos das mudanças climáticas. Apesar dos desafios políticos, econômicos e estruturais, a região possui um potencial singular em recursos renováveis que pode ser explorado por meio de uma maior cooperação regional e de mecanismos de governança alinhados às metas globais.

O papel estratégico do Brasil, especialmente em eventos como o G20 e a COP 2025, oferece uma janela de oportunidade para impulsionar a integração energética e posicionar a América do Sul como protagonista no enfrentamento das questões climáticas. Propostas concretas, como a criação de pactos regionais e o fortalecimento de parcerias multilaterais, são essenciais para superar as barreiras existentes e consolidar a região como um modelo de sustentabilidade e inovação no setor energético.

Nesse contexto, a integração energética transcende sua dimensão técnica, assumindo um papel central na construção de um novo paradigma de desenvolvimento que equilibre competitividade econômica, preservação ambiental e inclusão social. Ao assumir uma liderança ativa nesse processo, a América do Sul pode se tornar uma referência global na transição para um futuro energético mais limpo e resiliente.

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