No dia 15 de novembro, o filme “Bauryna Salu” foi aceito como candidato do Cazaquistão ao Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional. O filme conta a história de um menino de 12 anos chamado Yersultan, que foi entregue à avó pelos pais ainda muito jovem.
Isso ocorreu sob uma tradição cazaque chamada “bauryna salu” (dar a um parente). Era costume que pais jovens entregassem o filho mais velho ou mais novo aos avós ou parentes mais velhos. Quando atingem certa idade, as crianças podem escolher entre ficar com a família adotiva ou retornar aos pais biológicos.
Aqui está o trailer do filme.
Após a morte de sua avó, com quem passou os últimos 10 anos de sua vida, Yersultan precisa retornar e viver com seus pais. O foco principal da história está em suas dificuldades para se conectar e construir vínculos emocionais com os pais, após uma longa separação que os transformou praticamente em estranhos. Nesse sentido, o filme explora o lado sombrio dessa tradição secular que ainda é praticada no Cazaquistão, afetando muitas famílias e, particularmente, as crianças.
De fato, o diretor do filme, Askhat Kuchinchirekov, vivenciou essa experiência pessoalmente — ele foi criado pela avó, depois que seus pais decidiram entregá-lo a ela. Como alguém traumatizado por essa experiência, Kuchinchirekov compartilhou que era importante para ele contar a história do ponto de vista de Yersultan e transmitir suas emoções e experiências. Além de dirigir, Kuchinchirekov também escreveu o roteiro do filme. O longa foi concluído em 2023, mas foi lançado nos cinemas do Cazaquistão em julho de 2024.
Aqui está uma entrevista com o diretor Askhat Kuchinchirekov sobre o filme e sua experiência de ter sido criado por sua avó.
O filme gerou intensos debates públicos sobre a tradição do bauryna salu, incluindo suas origens, relevância no mundo moderno e, mais importante, seus impactos em adultos e crianças. Originalmente, a tradição surgiu como uma forma de fortalecer os laços familiares em comunidades nômades compactas e muito unidas. Também era utilizada como uma maneira de dividir as responsabilidades do cuidado infantil em uma época em que não existiam creches. Alguns explicam sua existência como uma forma de consolar idosos solitários e famílias sem filhos, permitindo que eles também experimentem a parentalidade e tenham companhia.
Apoiadores argumentam nas redes sociais que a tradição ainda tem um lugar no mundo moderno, pois permite que as crianças cresçam com parentes próximos que possuem mais experiência e conhecimento na criação de filhos. Este argumento baseia-se no pressuposto de que pais de primeira viagem carecem de experiência no cuidado infantil. Eles também defendem que a prática protege as crianças de possíveis abusos parentais e lhes oferece a oportunidade de crescer em um ambiente repleto de amor incondicional dos avós.
Aqui está um vídeo no YouTube com reações de cazaques que assistiram ao filme.
Por outro lado, os opositores afirmam que essa prática resulta em traumas emocionais para as crianças, gerando sentimentos de abandono de longo prazo e outros problemas. Eles argumentam que o ideal é que as crianças cresçam com seus pais, pois, uma vez separadas, terão dificuldade em se reconectar com eles e podem se sentir solitárias quando seus avós falecerem.
Além de provocar essas discussões, o filme participou e venceu vários prêmios em festivais internacionais de cinema. Os mais impressionantes são o prêmio nacional Tulpar Film Award na categoria de melhor filme e o Asia Pacific Screen Award na categoria de melhor filme juvenil. Mesmo que não seja selecionado ou ganhe o Oscar, o filme já se tornou uma das obras mais impactantes de sua geração.
Texto traduzido do artigo Kazakhstan’s best film of 2024 explores harms of its unique and centuries-old adoption tradition, de Nurbek Bekmurzaev, publicado por Global Voices sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: Global Voices.