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Não descarte a cúpula Putin-Trump ainda - seu resultado pode surpreender os críticos Não descarte a cúpula Putin-Trump ainda - seu resultado pode surpreender os críticos

Não descarte a cúpula Putin-Trump ainda – seu resultado pode surpreender os críticos

Foto por Kremlin.ru. Via Wikicommons. (CC BY 4.0)

Como muitos encontros anteriores, a pomposa recepção em 15 de agosto de 2025 para o presidente russo Vladimir Putin no Alasca é clássico de Donald Trump: um espetáculo diplomático que surgiu do nada, com objetivos vagos e expectativas cristalizadas por apoiadores e críticos antes mesmo do evento acontecer.

Trump parece estar tentando reduzir as expectativas, classificando a cúpula como uma “reunião exploratória” com o líder russo para buscar uma solução diplomática para a guerra na Ucrânia, que já dura mais de três anos.

O evento ocorre após um período em que Trump se tornou mais crítico do papel de Putin na continuidade da guerra, dando ao líder russo um prazo de 50 dias para encerrá-la ou enfrentar novas sanções dos EUA. Trump depois reverteu sua posição sobre apoio militar à Ucrânia e intensificou o envio de armas. No entanto, ele sempre deixou claro que sua prioridade é restaurar uma boa relação com a Rússia, não salvar a Ucrânia da derrota.

O histórico de Trump de admiração por Putin, combinado com o formato da cúpula que exclui tanto a Ucrânia quanto seus aliados europeus, deu muita munição aos críticos da política externa de Trump.

O estudioso militar Lawrence Freedman expressou um temor comum ao dizer que Trump pode ceder às demandas centrais de Putin na Ucrânia em troca de um cessar-fogo. Da mesma forma, o editor de segurança internacional da CNN, Nick Paton Walsh, disse que “é difícil ver como um acordo pode surgir desse encontro bilateral sem eviscerar a Ucrânia”. Poucos comentaristas do establishment nos EUA ou na Europa apoiam a iniciativa de Trump, embora Anatole Lieven, do anti-intervencionista Quincy Institute, tenha sido um dos poucos a dar pelo menos um apoio morno.

Enquanto isso, em Moscou, apesar da vaga menção de Trump a uma “troca de terras” que implicaria a Ucrânia recuperar algum território perdido, a imprensa pró-governo já saúda a cúpula como uma vitória de Putin e um “desastre para Kiev“, como declarou o jornal MK.

Ainda assim, como observador de longa data da política russa, acredito que seria prematuro descartar a cúpula como um exercício fadado ao fracasso. A respeitada jornalista russa exilada Tatyana Stanovaya, por exemplo, argumentou que o encontro representa a “primeira tentativa mais ou menos real de parar a guerra”. E há vários desenvolvimentos importantes que a análise convencional ignorou ao argumentar contra as perspectivas da cúpula no Alasca.

O que mudou?

Apesar da repetida promessa de Trump de acabar com a guerra na Ucrânia, não houve progresso até agora. Suas tentativas anteriores de negociar um cessar-fogo, em fevereiro e abril, foram rejeitadas por Putin.

Mas desde então, vários fatores mudaram e podem dar a Trump algum poder de barganha desta vez.

Sete meses em seu segundo mandato, Trump parece cheio de confiança e mais disposto a projetar poder para avançar os interesses americanos.

Em junho, ele se juntou aos ataques aéreos de Israel contra o Irã, o maior aliado da Rússia no Oriente Médio. Em 8 de agosto, recebeu os presidentes da Armênia e do Azerbaijão na Casa Branca para assinar um histórico acordo de paz – uma grande derrota diplomática para a Rússia, que historicamente dominava a política do sul do Cáucaso.

A guerra comercial global de Trump também preocupa a Rússia. Em 7 de agosto, ele impôs novas tarifas punitivas a 90 países que não fecharam acordos antes de seu prazo. Trump mostrou disposição para usar o poder americano contra parceiros comerciais que não podem retaliar efetivamente – como Brasil, Canadá, Suíça e agora Índia.

De fato, Trump notou que a Índia comprou US$ 80 bilhões em petróleo russo no ano passado – mais que a China. Em 6 de agosto, no mesmo dia em que anunciou o encontro no Alasca, ele impôs tarifas de 50% à Índia, que entrarão em vigor em 21 dias, a menos que a Índia reduza as importações de petróleo russo.

Isso dá a Trump alavancagem real contra Putin, se ele quiser usá-la no Alasca. Com a economia russa sob pressão e os preços globais do petróleo em queda, a Rússia pode perder receita crítica com a venda de petróleo para a Índia. Isso poderia ser o ponto de inflexão para Putin, persuadindo-o a parar a guerra.

Por que ainda pode não ser suficiente

Por mais significativas que sejam essas mudanças, há motivos para ceticismo.

Primeiro, a Índia pode ignorar a sanção ao petróleo. Principais exportações indianas para os EUA, como iPhones e produtos farmacêuticos, estão isentas da tarifa de 50% e representam cerca de US$ 20 bilhões dos US$ 80 bilhões em exportações anuais da Índia para os EUA.

Segundo, o mercado global de petróleo é altamente adaptável. O petróleo russo não comprado pela Índia poderia facilmente ser absorvido por China, Turquia, Itália, Malásia e outros. Mesmo que a Rússia perdesse US$ 10 a 20 bilhões com as sanções à Índia, com uma receita governamental total de US$ 415 bilhões por ano, isso não prejudicaria a capacidade de Moscou de travar guerra contra a Ucrânia.

O diabo está nos detalhes

Ainda não está claro o que Trump realmente quer alcançar no Alasca. Os detalhes do acordo que ele tenta persuadir Putin a aceitar são incertos. Para o governo Trump, a ideia básica para encerrar o conflito parece ser terra por paz: fim da ação militar por ambos os lados e reconhecimento de fato dos territórios ucranianos atualmente ocupados pelas forças russas.

Um problema evidente nessa formulação é que a Rússia não controla todo o território das quatro províncias ucranianas que reivindica. Eles ocupam quase toda Lugansk, mas não toda Donetsk, e apenas 60% de Zaporíjia e Kherson. Se a Rússia insistir em tomar toda a província de Donetsk, por exemplo, a Ucrânia teria que entregar cerca de 6.500 km², com 200 mil pessoas, principalmente nas cidades de Kramatorsk e Sloviansk.

É difícil imaginar o presidente Volodymyr Zelensky aceitando tal concessão.

Mas também é difícil ver Putin abandonando sua reivindicação às quatro províncias, formalmente incorporadas à Federação Russa em outubro de 2022. Em um discurso de junho de 2024 ao ministério das Relações Exteriores russo, Putin deixou claro que o status legal das quatro províncias como parte da Rússia “está encerrado para sempre e não é mais assunto para discussão”.

Claramente, a questão territorial é o maior obstáculo para qualquer pacificador em potencial, incluindo Trump.

Outras questões, como o pedido da Ucrânia por garantias de segurança ou as demandas da Rússia por “desnazificação” e “desmilitarização” da Ucrânia, poderiam ser tratadas depois em negociações e mediação de terceiros.

Há outros fatores que influenciam as chances de paz agora.

Tanto a sociedade ucraniana quanto a russa estão cansadas de um conflito que nenhuma delas quis. Mas, ao mesmo tempo, em nenhum dos países a maioria do público quer paz a qualquer preço.

Se Trump conseguir persuadir Putin a desistir de suas reivindicações sobre todo o território das quatro províncias no leste da Ucrânia, isso seria uma concessão substancial – e uma que Zelensky faria bem em aceitar. Putin também esperaria algo em troca – como o fim das sanções internacionais e a restauração das relações diplomáticas plenas com os EUA. Então Putin poderia voltar a Moscou e dizer ao povo russo que a Rússia venceu a guerra.

Se tal acordo ocorrer no Alasca, Trump enfrentaria o desafio de persuadir a Ucrânia e os europeus a aceitá-lo.

No entanto, dada a aparente confiança de Putin de que a Rússia está vencendo a guerra, ainda é improvável que ele seja persuadido por qualquer coisa que Trump tenha a oferecer em Anchorage.

Texto traduzido do artigo Don’t write off the Putin-Trump summit just yet – its outcome might confound critics, de Peter Rutland, publicado por The Conversation sob a licença ⁠Creative Commons Attribution 3.0⁠. Leia o original em: ⁠The Conversation.

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