Por que Israel estaria pulando do penhasco?
Essa é a metáfora poderosa usada pelo professor John Mearsheimer para descrever a atual ofensiva israelense contra o Irã. A guerra, iniciada em 13 de junho de 2025, já dura mais de uma semana, com consequências trágicas para civis e riscos sistêmicos à estabilidade internacional. Mas para Mearsheimer, Glenn Diesen e Alexander Mercouris — três analistas reconhecidos no debate geopolítico — o que está em jogo vai além do confronto militar: é o colapso de uma lógica estratégica.
A ofensiva israelense: potência sem plano
Desde o início dos bombardeios contra instalações nucleares e militares iranianas, Israel tem ampliado seus ataques, mas sem apresentar um caminho viável para alcançar seus objetivos estratégicos. As metas declaradas incluem:
- Destruição do programa nuclear iraniano;
- Enfraquecimento da capacidade de dissuasão do Irã;
- Restauração da superioridade estratégica israelense na região.
Mas Mearsheimer alerta:
“Israel não tem uma teoria da vitória. Usar somente o poder aéreo nunca foi suficiente para mudar regimes ou encerrar programas nucleares protegidos. Isso não funcionou com a Alemanha, nem com o Japão, nem com o Iraque.”
Ele ressalta que nenhum exemplo histórico demonstra que bombardeios aéreos, por mais intensos que sejam, consigam sozinhos alcançar esses resultados. A operação militar em curso, portanto, não passa de uma tentativa desesperada — um “salto do penhasco”.
Do outro lado, um Irã resiliente e pragmático
Mesmo sob intenso ataque aéreo — que já destruiu infraestruturas militares em Rasht, Arak, Teerã e Isfahan — o Irã demonstra resiliência. Cerca de 657 iranianos já morreram, incluindo civis, mas o país continua lançando mísseis e drones com capacidade ofensiva. Segundo estimativas israelenses, mais de 450 mísseis e 1.000 drones foram disparados até agora.
No entanto, Glenn Diesen avalia que o Irã pode sair fortalecido mesmo sem derrotar militarmente Israel:
“O Irã restaurou sua dissuasão. Mostrou que pode retaliar com força e deixou claro que ataques contra ele terão um preço alto. Isso é suficiente para reivindicar uma vitória.”
A lógica iraniana parece ser a da contenção estratégica. Como aponta Alexander Mercouris:
“Os iranianos são sofisticados. Sabem que o segredo do sucesso é saber quando parar.”
Essa leitura contrasta com o comportamento de Israel, que, segundo ele, mostra incapacidade de parar mesmo quando está à frente — o que aumenta os riscos de uma escalada descontrolada.
A diplomacia fracassada e o impasse norte-americano
Na tentativa de evitar um colapso maior, líderes europeus se reuniram com o chanceler iraniano em Genebra, mas sem sucesso. Teerã se recusa a negociar enquanto os bombardeios continuarem.
Donald Trump, presidente dos EUA, sinalizou que ainda não decidiu se vai apoiar diretamente os ataques israelenses com sua aviação, especialmente contra instalações subterrâneas como Fordo. Uma eventual entrada americana ampliaria o conflito para um nível sem precedentes, com uso de armas especializadas — as chamadas “bunker-busters” — e potencial desestabilização da segurança global.
Por ora, Trump declarou que esperará duas semanas antes de tomar uma decisão final, mas, segundo Mearsheimer, a única saída razoável seria negociar um cessar-fogo.
“O mais provável é um cessar-fogo feio. Os israelenses vão dizer que foram obrigados pelos EUA a parar. E os iranianos, por sua vez, declararão vitória.”
Entre o Colapso Estratégico e o Risco Nuclear: O Futuro da Guerra Irã-Israel
Enquanto o mundo assiste a mais uma conflagração no Oriente Médio, cresce a preocupação com a escalada descontrolada entre duas potências militares, sendo uma delas dotada de capacidade nuclear não declarada. A análise de John Mearsheimer, Glenn Diesen e Alexander Mercouris nos leva a uma pergunta essencial: até onde essa guerra pode ir — e a que custo?
O risco nuclear está na mesa
Embora Israel tenha concentrado seus ataques em centros de enriquecimento como Natanz, laboratórios em Isfahan e o reator de Arak, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) alertou para o risco de contaminação radioativa em caso de ataque à usina de Bushehr, única usina comercial em operação no Irã. Segundo Rafael Grossi:
“Um ataque direto a Bushehr resultaria em uma liberação muito alta de radioatividade. É o local com o maior potencial de desastre no país.”
Mesmo não havendo, até o momento, ataques diretos a reatores com material radioativo, danos foram constatados pela AIEA na estrutura da usina de Arak. Embora estivesse fora de operação e sem combustível nuclear, o episódio aumentou as tensões no Conselho de Segurança da ONU e evidenciou os limites éticos e técnicos do uso de força contra instalações nucleares civis.
Quando a dissuasão se transforma em desespero
Um ponto central da análise de Mearsheimer é o perigo de se encurralar um Estado nuclear. A lógica da dissuasão depende da racionalidade dos atores, mas também do espaço de recuo. Quando essa margem desaparece, abre-se a porta para decisões desesperadas.
“Você nunca deve colocar um Estado que possui armas nucleares contra a parede. Isso vale para a Rússia na Ucrânia e vale agora para Israel. Um país encurralado pode fazer algo extremo.”
Com os ataques de mísseis atingindo cidades como Haifa e Beersheba, e até um hospital sendo atingido em Israel, cresce a pressão sobre a liderança israelense para responder com ainda mais força — ou até recorrer a armas de destruição em massa, caso sinta que sua existência está ameaçada.
A diplomacia como última ponte
A posição de Teerã, nas palavras do chanceler Abbas Araghchi, é clara:
“Estamos abertos ao diálogo, desde que a agressão cesse e os agressores sejam responsabilizados.”
Mas não haverá conversas com os EUA enquanto os bombardeios israelenses continuarem. Para Glenn Diesen, um cessar-fogo hoje poderia ser favorável a todos:
- O Irã sairia com um ganho simbólico e estratégico, tendo restaurado sua dissuasão;
- Israel evitaria o desgaste de uma campanha prolongada sem vitória clara;
- Os EUA escapariam de um novo atoleiro militar no Oriente Médio.
Ainda assim, a falta de liderança internacional crível e o enfraquecimento das estruturas multilaterais tornam esse caminho difícil. A reunião entre europeus e iranianos em Genebra terminou sem avanços. A diplomacia segue estagnada, enquanto os mísseis continuam cruzando os céus.
Conclusão: A história já advertiu — estamos ouvindo?
A advertência final de Mearsheimer é contundente:
“Israel pulou do penhasco e agora está pedindo que os Estados Unidos pulem também. A única saída é um cessar-fogo, ainda que feio.”
A guerra entre Israel e Irã expõe não só os limites da força militar, mas também os riscos da ilusão de controle numa era nuclear. A história recente — do Iraque ao Afeganistão, da Ucrânia ao Iêmen — deveria bastar como lembrete de que guerras não terminam como planejado.
Diante de uma crise sem teoria de vitória, resta a pergunta: quem terá a coragem de puxar o freio?
Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor. Contato profissional: guilherme.bueno(a)esri.net.br