Os curdos, distribuídos principalmente entre Irã, Iraque, Síria e Turquia, possuem nesses países diversas estruturas políticas, administrativas e militares, e mantêm relações complexas entre si e com os poderes estabelecidos em seus respectivos países. A recente escalada entre Israel e o Irã reacendeu o sonho, nunca realizado, de um grande Curdistão independente, ou essa perspectiva está agora amplamente ultrapassada? Entrevista com Iris Lambert, especialista do movimento de liberação curdo em Sciences Po.
Após os ataques israelenses e estadunidenses ao Irã, alguns analistas afirmaram que os curdos iranianos já antecipavam uma possível queda do regime de Teerã. Essa também é sua análise?
Iris Lambert: Os curdos do Irã representam cerca de 10% da população iraniana, ou seja, aproximadamente 9 milhões de pessoas. Isso corresponde a cerca de 25% dos curdos do Oriente Médio. O Irã é, junto com a Turquia, o país onde eles são mais numerosos.
Há um evento particularmente importante na história — e no imaginário coletivo — curdo: a fundação em 1946, no Curdistão iraniano, da efêmera República de Mahabad. Ela foi presidida por Qazi Muhammad, então líder do Partido Democrático do Curdistão do Irã (PDKI), partido ainda ativo hoje. Essa República de Mahabad reuniu curdos de diferentes regiões: Mustafa Barzani, líder curdo iraquiano, era seu ministro da defesa. No entanto, a República foi rapidamente derrubada pelo exército iraniano. Qazi Muhammad foi enforcado, e Barzani se refugiou na URSS.
Esse episódio ainda tem um peso significativo hoje. A República de Mahabad ilustra o fato de que os curdos do Irã estão politicamente organizados há muito tempo. Os quatro principais partidos atuais são o PDKI, o Komala (Partido dos Trabalhadores do Curdistão do Irã), o Partido por uma Vida Livre no Curdistão (PJAK) e o Partido da Liberdade do Curdistão (PAK).
O PDKI é o principal dos quatro. Seu antigo líder e figura emblemática, Abdul Rahman Ghassemlou, exilou-se nos anos 1970 e foi assassinado em Viena em 1989 por agentes da República Islâmica do Irã. Ele está enterrado no cemitério Père-Lachaise, em Paris, e seu túmulo se tornou um local de homenagem para muitos curdos.
Hoje, muitos membros do PDKI vivem no exílio na Europa, especialmente na França e nos Países Baixos. Outros vivem em campos no Iraque. Teerã, que acusa o PDKI de fomentar uma revolução a partir do território iraquiano, assinou em 2023 com Bagdá um acordo para desarmar esses militantes curdos e transferir seus campos, localizados na fronteira com o Irã, para locais mais distantes, evitando atividades transfronteiriças. Esse acordo foi parcialmente implementado: os campos foram transferidos para o interior do Iraque, mas nem todos os militantes foram desarmados.
As bases transfronteiriças dos partidos curdos — principalmente do PDKI e do Komala — foram bombardeadas por Teerã a partir de 2016, com intensificação a partir de 2022 e do levante após a morte de Jîna (Mahsa) Amini, que era curda e cujo assassinato revoltou toda a população iraniana — foi o famoso movimento “Mulher, Vida, Liberdade”.
Os outros partidos têm menos peso que o PDKI: o Komala, originalmente marxista-leninista, adotou uma linha política menos rígida ao longo dos anos. Ele sofreu muito com os bombardeios iranianos em 2023. O PAK, reconhecido por seu papel na luta contra o Estado Islâmico ao lado dos peshmergas iraquianos, é hoje o único a defender um Estado curdo independente, embora o partido tenha pouco peso político e militar.
O PJAK, por fim, se inspira em Abdullah Öcalan, fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), e no confederalismo democrático. É a organização irmã do PKK no Irã, existente desde 2004. No entanto, não se considera afetada pela recente dissolução do PKK. O PJAK, muito hostil a Teerã, avaliou que a ação de Israel em junho poderia oferecer uma oportunidade para uma nova fase de mobilização no Irã no âmbito do movimento “Mulher, Vida, Liberdade”. Não foi um alinhamento com Tel-Aviv, mas o reconhecimento de que o enfraquecimento da República Islâmica poderia servir aos interesses curdos.
Todos esses partidos compartilham algumas demandas: reconhecimento cultural e jurídico, e direitos políticos. No entanto, há disparidades no projeto político que desejam implementar. E sua coordenação é bastante frágil. Eles não estão na mesma linha e não conseguem se organizar bem entre si.
Após o fim da “guerra de doze dias”, houve uma repressão renovada no Irã contra os curdos, alguns dos quais, como o PAK, celebraram os ataques israelenses?
I. L.: Sim, absolutamente. Houve um ataque generalizado do regime contra qualquer forma de oposição. Mas os militantes curdos, e os curdos em geral, foram particularmente atingidos. Mais de 300 pessoas foram presas nas regiões curdas.
Houve muitas execuções desde o início dos ataques israelenses, e uma parte substancial dos executados eram curdos. Pelo menos três prisioneiros políticos foram executados após serem acusados de espionagem para Israel. De modo geral, os curdos do Irã estão em situação pior hoje do que antes de 12 de junho.
Como os curdos dos outros três países da região, onde são numerosos, reagiram aos ataques israelenses e estadunidenses ao Irã?
I. L.: Em todos os lugares, havia a consciência de que os países onde estão as regiões curdas têm muito a perder nessa sequência. No Iraque, por exemplo, havia medo de que a guerra se estendesse ao território iraquiano. O governo regional curdo do Iraque não quer ser arrastado para uma guerra regional.
Vale lembrar que esse governo está dividido, territorialmente, em duas zonas controladas por dois partidos políticos: o Partido Democrático do Curdistão (PDK) de Netchirvan Barzani, de um lado, e a União Patriótica do Curdistão (UPK) de Bafel Talabani, de outro. O PDK está mais alinhado com a Turquia, enquanto a UPK está na zona de influência iraniana. Isso torna o posicionamento oficial muito complicado. E é nas áreas do PDK no Iraque que estão instaladas as bases americanas que o Irã poderia ter atacado em retaliação aos ataques dos EUA.
Além disso, o Iraque, de modo geral, ficou dividido entre seus aliados iranianos e sua parceria de segurança com Washington. Nesse contexto, os iraquianos como um todo, e os curdos iraquianos em particular, evitaram se posicionar firmemente, embora tenham condenado os ataques de Israel.
A situação é semelhante para a administração autônoma dos curdos da Síria: eles são aliados dos americanos, e há bases americanas em seu território. Daí uma posição de neutralidade cautelosa, ainda mais porque estão negociando um acordo com Damasco, e não é o momento para negar a noção de soberania do Estado.
Quanto aos curdos da Turquia, reagiram com cautela, conscientes, por um lado, do discurso de Erdogan — preocupado em ser o próximo na lista de Israel — e, por outro, ocupados com questões domésticas relacionadas ao processo de paz entre a Turquia e o PKK.
O PKK anunciou sua dissolução há pouco mais de um mês. Quais foram, até agora, as consequências concretas dessa declaração? O movimento realmente depôs as armas e cessou todas as operações, ou está se transformando em algo diferente?
I. L.: O anúncio da dissolução do PKK ocorreu após um cessar-fogo com a Turquia. Essa dissolução foi declarada unilateralmente pelo PKK, sem contrapartida oficial de Ancara até agora. Operações turcas de menor intensidade contra posições do PKK no Curdistão iraquiano continuam. Por várias razões.
Primeiro, o PKK pede que a Turquia estabeleça um marco legal claro — ou seja, uma votação no Parlamento — antes de desarmar completamente. Os membros do PKK têm em mente tentativas anteriores de paz, especialmente entre 2013 e 2015, que falharam e levaram a uma retomada sangrenta da luta armada. Eles sabem que esse processo de paz pode parar. Portanto, temem que todas as pessoas envolvidas no processo possam ser perseguidas se as negociações fracassarem. Mas Erdogan exige que o PKK deponha as armas antes de qualquer coisa. Em 12 de julho, cerca de 30 combatentes do PKK queimaram suas armas em uma cerimônia simbólica para demonstrar seu compromisso com a paz, mas o evento não foi seguido por anúncios concretos. Há, portanto, uma diferença de interpretação: Erdogan vê o PKK capitulando, enquanto o PKK vê essa fase como o resultado da luta armada.
Na Síria, o novo poder assinou em 10 de março um acordo com as estruturas curdas. Três meses e meio depois, qual é a situação? Os curdos da Síria podem confiar em Ahmed Al-Charaa, o novo homem forte de Damasco e ex-líder jihadista?
I. L.: Obviamente, com a mudança de regime na Síria, a questão de um acordo entre os dois governos do país — ou seja, entre Damasco e a administração autônoma curda — voltou à mesa. Mas tendemos a esquecer que a Administração Autônoma do Norte e do Leste da Síria (AANES, nome oficial do chamado governo de Rojava) sempre buscou algum tipo de acordo com Damas. Bashar Al-Assad sistematicamente se recusou a discutir isso. Essa não é a posição das novas autoridades de Damas. Não é surpreendente, portanto, que os curdos da Síria estejam dialogando com elas.
O acordo de 10 de março prevê a integração das instituições civis e militares da AANES no Estado sírio. Esse acordo deve ser implementado até o final do ano; ainda há tempo. Mas as coisas já estão avançando.
Há um espaço que é uma espécie de laboratório dessa transição: os bairros de Cheikh-Maqsoud e Achrafieh em Aleppo. Existe uma parceria entre os Assayech (as forças policiais curdas) e as forças policiais do novo governo, incluindo patrulhas conjuntas. Também há desenvolvimentos em Afrin (noroeste da Síria), com o retorno de populações curdas deslocadas desde a operação turca “Ramo de Oliveira” em 2018. Há trocas, especialmente de petróleo e gás, entre as duas administrações. Delegações do novo governo de Damas visitaram instituições do nordeste da Síria, incluindo Al-Hol…
Essa aparente pacificação pode surpreender, pois os líderes do novo poder sírio enfrentaram os curdos por anos…
I. L.: A desconfiança não desapareceu, é claro. Algumas coisas chocaram profundamente os curdos, começando pela promoção de certos líderes de facções do Exército Nacional Sírio (ANS) integrados ao exército regular. Esses comandantes, como a Divisão al-Hamza ou a Divisão Sultan Murad, são responsáveis por crimes graves contra a população curda, mas também foram recentemente sancionados pela UE por sua participação nos massacres de alauítas na costa síria em março passado.
Essas pessoas têm uma péssima reputação, muito sangue nas mãos. Mas, apesar da desconfiança gerada por essas nomeações, o diálogo continua.
Voltemos aos curdos do Iraque…
I. L.: Os curdos do Iraque são os que têm a representação institucional mais avançada. Desde 2005, há uma nova Constituição iraquiana, adotada após a invasão americana e a queda de Saddam Hussein. Eles têm um status político especial. Possuem uma região autônoma, o Curdistão iraquiano, reconhecida constitucionalmente, com seu próprio Parlamento e forças de segurança, os famosos peshmergas.
Os curdos do Iraque também estão representados no Parlamento federal em Bagdá. Tradicionalmente, a presidência da República no Iraque é ocupada por um curdo (atualmente, Abdel Latif Rashid). No entanto, há conflitos. Como disse, o território do Curdistão iraquiano está dividido entre dois partidos muito hostis entre si, a UPK e o PDK. Para ir de uma área para outra, é preciso passar por postos de controle. Essa hostilidade pesa muito no funcionamento das instituições. O Parlamento curdo não funciona: não há leis sendo aprovadas. Isso afeta a coesão curda e a juventude está completamente desencantada com suas elites, vistas como corruptas.
Há uma emigração significativa de curdos do Iraque?
I. L.: Sim, muitos partem para a Europa. As pessoas que cruzam o Canal da Mancha em barcos que viram são frequentemente curdos do Iraque.
Globalmente, se entendi bem, os curdos, sejam da Turquia, Irã, Iraque ou Síria, preferem ter grande autonomia dentro desses Estados a um Curdistão independente?
I. L.: Exatamente. Esse ideal de um Curdistão independente não desapareceu completamente do imaginário, mas hoje não é mais um projeto político de curto ou mesmo médio prazo. As prioridades dos curdos são o reconhecimento de seus direitos políticos e culturais, começando pelos direitos linguísticos, e a melhoria de suas condições de vida. Muitos curdos, especialmente na Síria ou na Turquia, não puderam dar a seus filhos nomes curdos porque era proibido falar sua língua e tinham que “recorrer” a nomes árabes. Hoje, querem reconhecimento cultural e político: o grande Curdistão pode esperar…
Entrevista conduzida por Grégory Rayko.
Texto traduzido do artigo Les Kurdes face à la déflagration Iran-Israël, de Iris Lambert, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.
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