O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, surpreendeu ao convidar o presidente da China, Xi Jinping, para sua posse em 20 de janeiro, em um movimento que parece fazer parte de um plano para envolver Pequim nas negociações de cessar-fogo na Ucrânia.
Logo após seu recente encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em Paris, Trump publicou: “Deve haver um cessar-fogo imediato e as negociações devem começar” e “A China pode ajudar”. Este último comentário ganhou mais relevância após Trump estender o inusitado convite para que o líder estrangeiro participe da cerimônia de 20 de janeiro.
Deixando de lado se Xi aceitará ou não o convite de Trump para ir a Washington DC (provavelmente não aceitará), a questão mais importante é se ele realmente ajudaria Trump a encerrar a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
A China tem mantido um forte relacionamento econômico e comercial com a Rússia durante toda a guerra e evitou criticar Putin. Embora Pequim negue fornecer assistência militar a Moscou, relatórios sugerem que a China permitiu o envio de alguns produtos com uso potencial em campos de batalha para a Rússia.
À primeira vista, a iniciativa de Trump e a mais recente proposta apresentada pela China em conjunto com o Brasil parecem ser dois planos de paz razoavelmente alinhados.
Ambos defendem um cessar-fogo ao longo das atuais linhas de frente, seguido por negociações para um acordo permanente. Ambos parecem aceitar a exigência da Rússia de congelar o status quo territorial, o que significaria que a Ucrânia perderia cerca de 20% de seu território que as forças de Moscou ocupam ilegalmente desde 2014.
Kiev e Pequim
A Ucrânia e a maioria de seus parceiros ocidentais continuam rejeitando essa proposta como inaceitável. Antes da vitória eleitoral de Trump, essa posição era sustentável porque o Ocidente conseguia impedir que a Ucrânia fosse derrotada militarmente no campo de batalha.
Essa posição pode estar mudando lentamente, mas não está claro se isso faria da China uma parceira bem-vinda para o Ocidente em qualquer negociação de paz – muito menos para a Ucrânia.
Kiev sempre foi cautelosa em relação à China e suas políticas internacionais, desde a Iniciativa do Cinturão e Rota no comércio e economia até a recente proposta de paz. Zelensky chamou a iniciativa de paz China-Brasil de “destrutiva” e acusou China e Brasil de serem “pró-Rússia”.
Zelensky está pessoalmente muito comprometido com seu próprio plano de paz, especialmente porque os ucranianos já fizeram enormes sacrifícios na guerra até agora. Isso não exclui compromissos, mas torna concessões à China – amplamente vista pelos ucranianos como um dos principais apoiadores da Rússia na guerra – altamente improváveis.
Mesmo que houvesse uma mudança repentina de postura em Kyiv, é altamente duvidoso que um acordo mediado por Trump atenderia aos interesses de Pequim. Para Xi, trata-se sempre de fortalecer o papel e a influência da China como uma potência global. A China se preocupa que, se a guerra acabar, os EUA possam focar ainda mais em sua guerra comercial com Pequim.
Até agora, a guerra na Ucrânia tem permitido à China se beneficiar da pressão que ela impôs ao Ocidente.
As sugestões dos EUA de que podem recuar em seus compromissos de aliança na Europa levantaram dúvidas sobre a confiabilidade dos EUA como aliado para a Ucrânia. Isso se torna mais crítico à medida que Trump se prepara para assumir a Casa Branca.
Quanto mais a guerra na Ucrânia continuar dessa forma, mais tempo a China colherá os benefícios da redução do peso relativo dos Estados Unidos como seu principal rival geopolítico e geoeconômico.
Por outro lado, uma continuação cuidadosamente gerenciada da guerra contra a Ucrânia beneficia a China ao afirmar sua liderança global.
A abordagem da China para gerenciar a “crise na Ucrânia” foi reiterada por Xi na recente cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, e em uma reunião com o ex-presidente russo Dmitry Medvedev em Pequim, em 12 de dezembro de 2024. Ela se concentra em defender “três princípios-chave: não expansão dos campos de batalha, não escalada das hostilidades e não inflamar as chamas, além de [esforçar-se] por uma rápida desescalada da situação”.
O que há para a China?
Isso está longe de ser o fim da guerra idealizado por Trump. Um acordo mediado por Trump provavelmente suspenderia sanções e abriria a possibilidade de relações renovadas e mais cooperativas entre o Ocidente e a Rússia.
Isso fortaleceria significativamente a posição de Putin, contribuiria para a reabilitação internacional da Rússia, reduziria a dependência de seu país em relação à China e poderia reacender rivalidades históricas entre Rússia e China. A afirmação de Trump de que deseja “desunir” Rússia e China não passou despercebida em Pequim.
E mesmo que Trump não conseguisse criar um rompimento entre Rússia e China, um Kremlin mais forte significaria uma mudança na dinâmica de poder na parceria entre Moscou e Pequim, potencialmente elevando Putin de um parceiro secundário ao mesmo nível de Xi.
Do ponto de vista chinês, ajudar Trump a mediar um acordo entre Rússia e Ucrânia oferece poucos incentivos, exceto, potencialmente, amenizar a guerra comercial e tarifária dos EUA contra a China. O esgotamento dos recursos do Ocidente na defesa da Ucrânia mantém sua atenção longe da região do Indo-Pacífico, onde ocorre a maior parte da competição entre China e EUA.
Xi não tem interesse em ver Putin estrategicamente derrotado na Ucrânia, mas manter a Rússia atolada em sua guerra contra a Ucrânia garantirá que a parceria entre Pequim e Moscou permaneça nos termos atuais, com o equilíbrio de poder inclinado a favor da China.
Manter a guerra na Ucrânia em andamento, em vez de ajudar Trump a encerrá-la, é, portanto, a escolha mais provável que Pequim fará.
Texto traduzido do artigo Trump wants China’s help in making peace in Ukraine – he’s unlikely to get it, de Stefan Wolff e Tetyana Malyarenko, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.