A crise climática é o fenômeno definidor do século XXI. Mais do que uma questão ambiental, ela representa um desafio sistêmico à economia, à governança global, à soberania dos Estados e à própria sobrevivência das sociedades humanas. O aumento da temperatura média da Terra, o crescimento de eventos extremos — como secas prolongadas no Pantanal, enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul — e a perda acelerada da biodiversidade já não são previsões científicas distantes, mas realidades concretas que impactam milhões de pessoas em todas as regiões do planeta.
Sumário
Nesse cenário, a realização da COP30 em Belém do Pará, em 2025, adquire um peso simbólico e geopolítico considerável para o Brasília se consolidar como um centro de poder. Ao trazer o debate climático para o coração da Amazônia, o Brasil se coloca como protagonista da luta mundial contra as mudanças climáticas — mas também como epicentro de contradições políticas, econômicas e ambientais que desafiam os próprios fundamentos dessa governança internacional.
Ao mesmo tempo em que reafirma compromissos com a neutralidade de carbono e defende a proteção das florestas tropicais, o país autoriza a exploração de novas áreas para petróleo na Margem Equatorial e mantém incentivos a setores como o agronegócio e a mineração, muitas vezes em conflito com metas ambientais. A proposta de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas — uma área sensível e estratégica — tem gerado intensos debates dentro e fora do Brasil, suscitando dúvidas sobre a coerência entre o discurso climático e a prática econômica do Estado brasileiro.
Ao mesmo tempo, no plano internacional, cresce a disputa entre países industrializados e emergentes sobre os custos da transição energética. O chamado protecionismo verde, por meio de novas barreiras tarifárias e exigências ambientais em acordos comerciais, ameaça penalizar economias em desenvolvimento, aprofundando desigualdades históricas sob o pretexto de um ambientalismo globalizado.
Diante desse contexto, este artigo tem como objetivo problematizar as dimensões múltiplas da crise climática contemporânea a partir do caso brasileiro. Ao analisar os preparativos e contradições da COP30, os interesses em torno da exploração de petróleo na Amazônia e a ascensão da guerra comercial verde, busca-se compreender os paradoxos de um modelo de desenvolvimento ainda dependente de combustíveis fósseis e de estruturas extrativistas, mesmo sob o manto de compromissos ambientais.
Nos tópicos seguintes, exploraremos essas tensões à luz dos desafios de governança ambiental, da disputa por narrativas entre países do Norte e do Sul e da urgência de pactos internacionais mais justos, eficazes e politicamente viáveis.

A Crise Climática na Era da Multipolaridade
A emergência climática não ocorre em um vácuo geopolítico. Ao contrário, ela se desenrola em um mundo profundamente marcado pela multipolaridade, pela fragmentação da ordem internacional e pelo ressurgimento de disputas entre grandes potências — e recentemente novos conflitos regionais com impacto mundial, como Israel-Irã e Rússia-Ucrânia. A transição de uma hegemonia ocidental para uma ordem mais distribuída, com o fortalecimento de potências como China, Índia e Brasil, afeta diretamente a capacidade de alcançar consensos sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
Enquanto o Acordo de Paris (2015) simbolizou um momento de convergência internacional em torno da limitação do aquecimento global, os últimos anos evidenciaram o enfraquecimento do multilateralismo ambiental. Crises internas nos países centrais, como o negacionismo climático institucionalizado durante o primeiro governo Trump (2017–2021), o fortalecimento de governos populistas e o foco em agendas nacionalistas, dificultaram a cooperação e o financiamento climático internacional — especialmente aquele voltado para países do Sul Global.
Nesse contexto, as Conferências das Partes da ONU (COPs) se tornaram arenas de disputa por protagonismo político, financiamento e poder de influência sobre a transição energética. A entrada em cena de novos atores — como cidades, empresas transnacionais, ONGs e comunidades indígenas — ampliou o escopo das negociações, mas também expôs as contradições entre discursos de sustentabilidade e práticas econômicas.
No plano comercial, a transição ecológica tem servido de base para o surgimento de um novo tipo de conflito: a guerra comercial verde. Medidas como o Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM), aprovado pela União Europeia, impõem custos ambientais às importações de países em desenvolvimento, em nome da neutralidade climática. Embora apresentadas como instrumentos de proteção ambiental, essas ações são vistas por muitos analistas como estratégias de neo-protecionismo, que perpetuam assimetrias históricas no comércio internacional.
Para o Brasil — e outros países da América Latina — isso significa enfrentar o dilema de equilibrar desenvolvimento econômico com responsabilidade ambiental em um cenário internacional onde as regras do jogo são, frequentemente, definidas por potências que já se beneficiaram do extrativismo e da industrialização intensiva em carbono.
Assim, a crise climática não é apenas uma crise de emissões ou de aquecimento, mas de governança, justiça e soberania. O papel das potências emergentes — especialmente na América Latina, na África e no Sudeste Asiático — será fundamental para construir uma agenda climática mais equitativa, que reconheça as dívidas históricas do Norte Global e permita um novo pacto de cooperação internacional.

COP30 e o Brasil: as Expectativas e as Contradições
A Conferência do Clima da ONU de 2025, será realizada em Belém do Pará, no coração da Amazônia brasileira — uma escolha carregada de simbolismo e desafios. Ao sediar o evento, o Brasil se coloca no centro do debate climático internacional, buscando reconstruir sua imagem após anos de retrocessos ambientais durante a gestão Bolsonaro (2019–2022). A escolha de Belém também responde a uma demanda por descentralizar o debate ambiental e dar protagonismo às vozes amazônicas, incluindo povos indígenas, comunidades ribeirinhas e movimentos sociais locais (Fearnside & Leal Filho, 2025).
O Brasil apresenta-se com um discurso de liderança climática, apostando na diplomacia ambiental como uma ferramenta de projeção internacional. O governo federal tem investido em planos de transição ecológica, como o Plano de Transformação Ecológica e estratégias para atrair financiamento verde, prometendo zerar o desmatamento ilegal até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050. No entanto, essa retórica convive com uma realidade marcada por contradições estruturais.
Entre os pontos críticos estão:
- A expansão da fronteira petroleira na Foz do Amazonas, com planos da Petrobras de explorar petróleo em áreas sensíveis, o que gerou resistência de especialistas e ONGs ambientais. Essa proposta ameaça a credibilidade internacional do Brasil na COP e coloca em xeque a coerência da política ambiental do governo.
- A morosidade na implementação de mecanismos de financiamento climático inclusivos, que priorizem comunidades vulneráveis e projetos descentralizados.
- A dificuldade de articulação federativa, já que políticas estaduais e municipais frequentemente seguem rumos divergentes das metas climáticas nacionais.
Apesar dessas limitações, a COP30 representa uma janela de oportunidade histórica para o Brasil:
- Reforçar seu papel de liderança em negociações ambientais multilaterais, retomando o protagonismo perdido nos fóruns internacionais.
- Posicionar a Amazônia como um bem público mundial, sem ceder à narrativa de internacionalização, mas reafirmando a soberania brasileira com base em compromissos reais de preservação.
- Engajar a sociedade civil, universidades, setor privado e governos subnacionais na construção de uma nova governança ambiental.
Para que a COP30 seja um divisor de águas, o Brasil precisará superar a lógica da retórica e alinhar discurso e prática, mostrando ao mundo que é possível combinar desenvolvimento com preservação, justiça social com justiça climática, e soberania com cooperação internacional.

Amazônia no Epicentro das Contradições e das Possibilidades
A Amazônia é, ao mesmo tempo, símbolo da biodiversidade planetária e zona de intensos conflitos socioambientais. Como região estratégica para o equilíbrio climático mundial, ela abriga cerca de 60% da floresta tropical remanescente do planeta, além de ser lar de centenas de povos indígenas e comunidades tradicionais. Ao sediar a COP30 em Belém, o Brasil projeta a Amazônia como centro das soluções climáticas, mas também expõe suas próprias contradições internas.
De um lado, destaca-se o compromisso internacional do país com a redução do desmatamento, fortalecimento de áreas protegidas e criação de mecanismos como o Fundo Amazônia. De outro, persistem pressões de interesses econômicos ligados à mineração, agronegócio e — mais recentemente — à exploração de petróleo na Margem Equatorial.
A Amazônia tornou-se também um território de disputa geopolítica e diplomática. A ideia da internacionalização da Amazônia, rejeitada pelo governo brasileiro, reaparece de forma indireta por meio de demandas externas sobre soberania climática, financiamento externo e controle internacional de emissões oriundas do desmatamento. O desafio do Brasil, portanto, é construir uma narrativa soberana, mas cooperativa, demonstrando sua capacidade de governança ambiental.
O futuro da floresta não pode ser pensado apenas como uma questão nacional. A Amazônia:
- Regula o regime de chuvas de todo o continente sul-americano, afetando desde a agricultura até o abastecimento urbano.
- Atua como sumidouro de carbono, sendo peça-chave no controle da temperatura global.
- É um espaço de inovação sociopolítica, com experiências de governança local, manejo comunitário e resistência indígena que precisam ser valorizadas e escaladas.
Além disso, a região representa uma encruzilhada histórica entre dois projetos de país: um baseado na exploração intensiva de recursos naturais, e outro voltado à transição ecológica justa, que reconheça os direitos dos povos originários e promova um novo modelo de desenvolvimento.
O sucesso do Brasil na COP30 dependerá de como irá posicionar a Amazônia dentro de sua política climática, evitando usá-la apenas como ativo simbólico e assumindo um papel real de liderança nas soluções concretas para a crise ambiental.
Crise Climática e o Fracasso Anunciado?
A crise ambiental e climática é uma realidade urgente e inescapável. Ela não se trata de uma projeção futura, mas de um processo em curso que redefine fronteiras ecológicas, aprofunda desigualdades e expõe as contradições do sistema internacional. Seus impactos já são sentidos de forma desproporcional nos países do Sul Global, nos territórios indígenas e nas populações mais vulneráveis — justamente aquelas que menos contribuíram para o aquecimento global, mas que mais sofrem suas consequências (Fearnside & Leal Filho, 2025).
O Brasil, detentor da maior parte da Floresta Amazônica, um dos países mais biodiversos, com uma sociedade que se moderniza e se transforma, ocupa uma posição estratégica nesse cenário, podendo liderar em novos produtos, e promover uma nova cultura de sustentabilidade e de negócios para o mundo. Entretanto, a realização da COP30 em Belém é simbólica, mas será histórica apenas se vier acompanhada de ações concretas e compromissos coerentes. Não há mais espaço para promessas vazias nem para pactos climáticos que desconsiderem as realidades locais, os conflitos fundiários e os interesses econômicos que sustentam o extrativismo predatório.
A persistência em uma lógica que privilegia o lucro imediato sobre a sustentabilidade coletiva coloca em risco não apenas o sucesso da conferência, mas a própria viabilidade de um futuro ambientalmente habitável e socialmente justo. Como advertiu Mehling (2025), a governança climática internacional continua fragmentada e ineficiente, presa a rivalidades comerciais e políticas protecionistas disfarçadas de ação verde.
A crise climática, portanto, não é apenas ambiental — é profundamente política, econômica e civilizacional. Seu enfrentamento exige:
- A ruptura com a lógica da financeirização da natureza e da economia extrativa;
- A valorização dos saberes tradicionais, das práticas sustentáveis e da justiça socioambiental;
- A construção de uma nova ética internacional de corresponsabilidade e solidariedade climática;
- E, acima de tudo, a coerência entre discurso e prática por parte dos Estados, incluindo o Brasil.
Como destacam Teixeira e Toni (2022), o tempo dos diagnósticos já passou. O momento exige decisões corajosas, investimentos em transições reais e a capacidade de imaginar outro modelo de desenvolvimento — um que não coloque a sobrevivência humana e planetária em xeque.A COP30 pode ser o ponto de inflexão. Ou pode ser lembrada como mais uma oportunidade perdida no fracasso anunciado da ação climática global. A escolha está diante de nós — e o tempo, cada vez mais curto.
Referências Bibliográficas
1. FEARNSIDE, Philip M.; LEAL FILHO, Walter. COP 30: políticas brasileiras precisam mudar para justificar a escolha de Belém. 2025.
2. TEIXEIRA, Mariana; TONI, Fabiano. Oportunidades e desafios para o Brasil na agenda climática internacional. Revista CEBRI, n. 41, p. 70–79, jan.–mar. 2022.
Disponível em: https://www.cebri.org/media/documentos/arquivos/RevistaCEBRI41_Web.pdf. Acesso em: 16 jun. 2025.
3. MEHLING, Michael. Trade and Climate: Reconciling Norms, Institutions, and Policy Goals. Revised April 2025.
Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4697554. Acesso em: 16 jun. 2025.
DOI: https://doi.org/10.2139/ssrn.4697554
4. VERTICALL. Plano de Atividades COP 30 – Vertical Reduzido. Belém: Prefeitura de Belém, 2025.
5. VERTICALL. Final Vision COP30: Documento de visão estratégica. Belém: Prefeitura de Belém, 2025.
6. PREFEITURA DE BELÉM. COP30 – Caderno Institucional de Apresentação. Belém, 2025.
7. RPPC – Revista de Políticas Públicas e Cidadania. Edição Especial n. 176, 2025.
Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor. Contato profissional: guilherme.bueno(a)esri.net.br