Os povos indígenas estão na vanguarda da ação climática. Suas relações de longa data com a terra significam que eles sofrem as consequências diretas das mudanças climáticas. E seu conhecimento único oferece soluções eficazes para os problemas climáticos.
Mas, apesar disso, as políticas climáticas internacionais não conseguiram incentivar a liderança indígena. Com a cúpula do clima da ONU sediada na Amazônia pela primeira vez, a COP30 marca um esforço sem precedentes para elevar as vozes indígenas.
Voltando ao Brasil novamente após as conferências do Rio de 1992 e 2012, a COP30 tem a maior delegação indígena da história da cúpula. Mais de 3.000 representantes indígenas de todo o mundo estão na cidade amazônica de Belém.
Dentro e fora das salas de negociação, organizações e coalizões indígenas trouxeram uma agenda sem precedentes para a cúpula: pressão por justiça climática centrada no reconhecimento de direitos à terra e mecanismos de financiamento justos.
Vozes indígenas na diplomacia
Uma nova forma de diplomacia climática está emergindo. Essa mudança marca a criação de espaço para delegados indígenas participarem de discussões formais que antes eram exclusivas para funcionários do governo.
Desde 2019, a Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da ONU expandiu o papel indígena nas negociações oficiais. Na cúpula deste ano, mais de 900 delegados indígenas – um número recorde – estão participando de debates oficiais.
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Liderada pela Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, a presidência da COP30 incentivou a liderança indígena na tomada de decisões. Isso inclui dar aos delegados indígenas assentos nas salas de negociação e incorporar suas demandas em promessas climáticas e mecanismos de financiamento.
“Os Povos Indígenas querem participar, não apenas comparecer”, disse Guajajara. “Queremos liderar e ser parte da solução. Até agora, os investimentos impulsionados pelas decisões da COP não conseguiram entregar resultados – a meta de 1,5°C está escapando”.
Mas transformar a participação da comunidade em influência política requer mais do que participação. Iniciativas como o Kuntari Katu no Brasil auxiliam líderes indígenas a conectarem suas prioridades com políticas climáticas mais amplas. Esse treinamento fornece módulos sobre tópicos como mecanismos de mercado de carbono e equipa representantes indígenas com ferramentas para comunicar suas prioridades nos debates climáticos.
A influência indígena na COP30 não se limita à diplomacia formal. Protestos dentro e fora do local da COP amplificaram demandas há muito marginalizadas. Sob o grito de guerra “Nossa terra não está à venda”, uma das manifestações ocupou áreas do local da COP30 com confronto direto com a equipe de segurança.
Milhares de ativistas também se juntaram a uma marcha de quatro quilômetros na cidade-sede, Belém, para pedir ação dos líderes para deter a destruição ambiental. Esses protestos trouxeram atenção global para injustiças que a política climática há muito tenta conter. Eles destacam conflitos fundiários não resolvidos e a crescente violência enfrentada por comunidades indígenas na linha de frente dos impactos climáticos.
Direitos à terra como soluções climáticas
Os territórios indígenas oferecem algumas das respostas mais eficazes do mundo à crise climática, desde frear o desmatamento até armazenar vastas quantidades de carbono. No entanto, grande parte da terra indígena permanece sem reconhecimento formal, ficando exposta a invasões de mineração ilegal, expansão do agronegócio e grilagem de terras, inclusive para projetos de energia renovável.
A COP30 trouxe compromissos para reconhecer territórios indígenas como soluções climáticas. Durante a cerimônia de abertura, o Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, enfatizou a centralidade dos territórios indígenas para promover uma ação climática eficaz. Líderes mundiais prometeram assegurar 160 milhões de hectares de terras indígenas e comunitárias até 2030.
Organizações indígenas afirmam que as promessas permanecem longe de ser suficientes, dadas as ameaças a suas terras. A comunidade indígena Munduruku, um povo indígena que vive na bacia do rio Amazonas, deixou isso claro com um grande bloqueio na COP30. Sua ação criou longas filas na entrada da cúpula, atrasando milhares de delegados. A interrupção compeliu a presidência da COP a se reunir com líderes Munduruku, que pressionaram pela demarcação de seus territórios e pelo direito de serem consultados sobre projetos de desenvolvimento em seu território.
Financiamento climático justo
Um dos principais desafios de negociação da COP30 é finalizar o Roteiro Baku-Belém, que visa desbloquear US$ 1,5 trilhão em financiamento climático. No entanto, os mecanismos de financiamento climático têm um longo histórico de subvalorizar o conhecimento e a governança indígenas. Organizações indígenas dizem que a justiça deve ser central para essas promessas.
Na Cúpula de Líderes, uma coalizão multilateral lançou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forests Forever Fund). Ele compromete US$ 7,6 bilhões para proteger mais de um bilhão de hectares de florestas. Com apoio de 53 nações e 19 investidores soberanos, o fundo destina 20% de seu financiamento para projetos indígenas. O Forest Tenure Funders Group também renovou sua promessa, com um compromisso de US$ 2,7 bilhões para garantir os direitos à terra indígenas.
Ainda assim, defensores indígenas alertam que o financiamento climático deve ir além dos valores em dólar. Eles querem uma mudança em quem controla o financiamento e como os projetos são governados. Colocar a liderança indígena no centro do financiamento significa garantir que comunidades indígenas possam receber financiamento diretamente e ter acordos justos que as protejam de riscos financeiros.
Liderança transformadora
As conferências climáticas da ONU há muito são criticadas por entregar progressos incrementais, mas pouca mudança sistêmica. No entanto, sinais de transformação política estão emergindo.
Para além dos debates climáticos, uma liderança indígena significativa está ganhando impulso em outras políticas ambientais internacionais. Em 2024, a reunião da ONU para combater a desertificação formalizou um novo caucus para Povos Indígenas, enquanto a Convenção sobre Diversidade Biológica estabeleceu um órgão subsidiário indígena permanente.
Essas mudanças políticas crescentes revelam que ações ambientais eficazes dependem do desmantelamento das desigualdades de poder nas decisões. A liderança inclusiva na formulação de políticas pode não abordar completamente a crise ambiental, mas marca um ponto de virada, já que vozes historicamente silenciadas começam a liderar a partir do centro.
Este artigo, intitulado “Finally, Indigenous peoples have an influential voice at COP30. They’re speaking loud and clear”, de autoria de Danilo Urzedo (Research Fellow, University of Western Australia), Oliver Tester (Indigenous Liaison Manager, Curtin University) e Stephen van Leeuwen (Adjunct Associate Professor, School of Plant Biology, University of Western Australia), foi publicado originalmente em The Conversation. Está licenciado sob Creative Commons – Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-ND 4.0).
Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor. Contato profissional: guilherme.bueno(a)esri.net.br
