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Civilização Africana

Foto: Eva Blue no Unsplash

Este artigo faz alusões ao meu artigo “As Civilizações de Samuel Huntington – um exercício de ajustes e quantificação”, publicado na Revista Relações Exteriores em maio de 2020.

Quando Huntington escreveu seu artigo O Conflito das Civilizações? em 1993 ele comentou sobre a possível existência de uma civilização africana. Em 1996, no seu mais detalhado livro sobre o assunto, traça a civilização africana em um mapa (Huntington 1996, pp. 26-27), ocupando a maior parte do continente africano exceto seu norte e parte do leste, islâmicos. É válido pontuar que a parte que cabe à civilização islâmica é considerável, apesar do seu contingente populacional ser menor. Darei especial importância e referência neste artigo a um primoroso e aprofundado trabalho que conta a história da África, o livro “O Destino da África – Cinco Mil Anos de Riquezas, Ganância e Desafios”, de Martin Meredith, traduzido para o português em 2017. A África é um mundo muito diverso e amplo por si só. Meredith pontua que ao final da corrida da partilha da África, as potências europeias tinham fundido cerca de 10 mil sistemas políticos africanos em apenas quarenta colônias” (Meredith 2017, p. 13). A chegada das civilizações ocidental e islâmica à África se deu de forma gradual, e a chegada ao seu interior foi muito demorada, se é que nem chegou ainda em partes deste. Meredith pontua que por volta dos séculos 17 e 18, um grande reinado africano (Songai), que havia sido submetido ao Islã, “observava o ramadã e dava presentes abundantes às mesquitas, mas também adorava ídolos, sacrificava animais para árvores e pedras e procurava o conselho e a ajuda de adivinhos tradicionais e feiticeiros” (Meredith 2017, p. 177). Apesar de ser uma referência antiga, demonstra bem as diferenças culturais entre traços islâmicos e africanos.

Este artigo se concentra na civilização africana traçada por Huntington, com alguns ajustes. E mostra o quão jovem é esta civilização, em vários aspectos. De acordo com dados etários disponibilizados pelo Projeto Our World in Data da University of Oxford e da organização Global Change Data Lab, dos vinte países mais jovens do mundo, dezoito encontram-se no continente africano e catorze são mais claramente da civilização africana, de acordo com meu exercício de quantificação. Todos estes países têm idades medianas entre 15,1 (Níger) e 18,7 (Senegal) anos, ou seja, a chance de você chegar ao continente africano e encontrar aleatoriamente com um adolescente na rua é considerável. De acordo com a mesma fonte de informação, a idade mediana do mundo é de 30,9 anos (Our World in Data 2020). Apesar de ainda ser cedo para afirmar, a baixa idade dos africanos é uma das possíveis razões para o continente ter apresentado menos mortes por coronavírus, uma vez que a população de maior risco, a mais velha, é mais diminuta ali.

Apesar do tema premente que é a pandemia de 2020, este artigo focará em outro “dado de juventude africana”, a independência de seus países. A independência da grande maioria deles, e aqui volto a concentrar-me no conceito de civilização africana em oposição à civilização islâmica, ocorreu somente a partir da metade do século passado. Ou seja, estamos falando de nações muito jovens. Curiosamente, como coloca Martin Meredith, “a unificação do Egito, há cerca de 5 mil anos, marcou o surgimento do primeiro Estado-nação do mundo; seus governantes – uma sucessão de dinastias de faraós que durou 3 mil anos – adquiriram o status de deuses e presidiram umas das civilizações mais deslumbrantes da história humana” (Meredith 2017, p. 20). De forma similar, antes do auge do império romano, este teve de derrotar uma civilização de histórica importância, a de Cartago na atual Tunísia. Portanto, ambos os casos ocorreram em território africano. Mas a influência islâmica foi definitiva para classificar Egito e Tunísia, além de seus vizinhos, como países islâmicos. A civilização africana, de acordo com o conceito de Huntington, estabeleceu suas nações, como conhecemos a partir do conceito de soberania westfaliano, mais tarde no tempo.

É fato que o desenvolvimento econômico da África é o pior do mundo. Os dados de produto interno bruto, absolutos e per capita, da maioria dos seus países estão de longe entre os mais baixos do mundo. Conforme Meredith fecha sua obra de análise de cerca de cinco mil anos de história do continente, referindo-se mais notadamente a um momento africano mais atual, ele assinala que este é marcado por “desigualdade e sofrimento humano, com oceanos de pobreza contendo ilhas de riqueza” (Meredith 2017, p. 678). Porém este artigo busca trazer uma visão mais otimista. Através de uma abordagem quantitativa, comparativa e qualitativa, proponho mostrar que a África começou a sua cruzada por desenvolvimento econômico muito mais tarde que outras civilizações de países em desenvolvimento, e que poderá seguir em uma evolução positiva. Será necessário tempo, e fatores específicos, mas não exaustivos por si só, como mais urbanização.

Um caso de comparação do desenvolvimento econômico de países africanos, versus outros países em desenvolvimento, mais notadamente os latino-americanos

Nesta seção, traço um gráfico que compara dois dados para uma amostra de 72 países do mundo, a grande maioria taxada de emergente ou subdesenvolvida, que são: (i) anos de independência e (ii) GDP (Gross Domestic Product) ou PIB (Produto Interno Bruto) per capita de acordo com o Banco Mundial, dados de 2018.

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Fonte: GDP: Banco Mundial, 2018, Idades de independência: fontes diversas, principalmente Keylor 2006. Seleção e análise próprias.
Nota 1: os países pertencentes à “civilização africana” são mostrados em letras maiúsculas.
Nota 2: países pequenos, com populações inferiores a 2,5 milhões de habitantes, não foram considerados.

Graficamente, observa-se de uma forma geral que quanto mais velho o país em termos de sua independência, mais PIB per capita ele apresenta. Não é obviamente uma regra, uma vez que casos como o Haiti, país mais velho da amostra, e o da Malásia, país jovem porém “rico”, comprovam que a idade não garante necessariamente o desenvolvimento econômico. Porém, o que se vê na distribuição dos países é que os africanos em geral são jovens e mais pobres que os latino-americanos, que são mais velhos e apresentam maiores PIBs per capita.

A iniciativa Our World in Data traz uma comparação interessante de PIBs per capita em dólares de quase todos os países e regiões do globo, que são colocados em uma mesma base comparativa histórica, que parte do final do século 19. Conforme assinala a fonte, o estudo possibilita comparar níveis de renda de países ao longo do tempo. A partir das informações deste base, resolvi traçar um racional de comparação mais específico entre países africanos e latino-americanos. Os países latino-americanos obtiveram, na maioria dos casos, suas independências na primeira metade do século 19, enquanto os países africanos as obtiveram durante o século 20. Portanto, há pelo menos uma diferença de 100 anos entre eles. Buscando dados de PIBs per capita regionais da América Latina e da África, a fonte não nos possibilita extrair dados tão antigos e contínuos, como os do século 19. O ano de 1900 é o primeiro de uma série contínua que vai até 2016. Confrontando os dados da América Latina a partir de 1900, com os da África a partir de 1950, curiosamente se observa que ambos apresentam patamares similares. Ao menos os pontos de partida e de chegada, de PIB per capita em dólares, das duas regiões são bem parecidos. Apesar de ambos possuírem trajetórias um pouco diferentes, ambos apresentam uma evolução parecida, que sai de cerca de US$ 1.500 e chega a cerca de US$ 4.500. O ponto que esta observação me traz à mente é a hipótese que as duas regiões podem seguir caminhos evolutivos similares, porém em tempos diferentes. A África é mais jovem e portanto está mais atrasada neste aspecto. O patamar mais atual de PIB per capita da América Latina foi estimado pela mesma fonte em cerca de US$ 13.500 (2016). Quanto tempo levará a África para chegar a este patamar? Ninguém tem esta resposta mas é plausível imaginar que a tendência de evolução seja similar.

Civilização Africana 2

Qualitativamente, a obra de Meredith traz várias datas que demonstram quão tarde boa parte do mundo africano foi submetido ao “mundo exterior”. A seguir eu as apresento e as comparo a datas do mundo latino-americano. Por exemplo, Meredith comenta que “até o século 19, os principais reinos da região dos Grandes Lagos na África Central – entre eles Buganda (posterior Uganda), Ruanda e Burundi haviam se mantido praticamente isolados do mundo exterior; ao longo dos três séculos anteriores, se amalgamaram em monarquias sofisticadas, sem auxílio de dinheiro ou escrita” (Meredith 2017, p. 304).  Em 1733, enquanto importantes partes fora do eixo sul brasileiro já haviam sido disputadas por portugueses, franceses e holandeses, em contrapartida a visão europeia do mapa da África era tão limitada, que nele precisava-se incluir diversos elefantes para compensar a falta de cidades (Meredith 2017, p. 194). Meredith traz outros exemplos ilustrativos. A ilha de Zanzibar, hoje Tanzânia, foi sede do governo de Omã em 1840, e base para buscar o desconhecido coração da África (Meredith 2017, p. 286). Em 1840, praticamente todos os países latino-americanos já eram independentes. Ainda no século 19, muitos “geógrafos de sofá” de Londres descartavam a ideia de que poderiam existir montanhas cobertas de neve tão perto da linha do Equador- como foram os casos dos montes Kilimanjaro e Quênia (Meredith 2017, p. 288). Em 1875, um importante jornalista e desbravador britânico, Henry Stanley, visitou o lago Tanganica e diz que foi recebido por um “completo gentleman africano, cuja estrada para chegar até ele era formada por crânios que iam até sua porta” (Meredith 2017, p. 297). Em 1875 o Brasil já se afirmava como uma nação após a Guerra do Paraguai. E de acordo com o historiador Norberto Galasso, alguns poucos anos depois, a república da Argentina já respeitava suas regras democráticas de proibição de reeleição de presidentes (Galasso 2011, p. 7).

1884 marcou um ano em que as potências europeias se reuniram pela primeira vez de uma forma mais próxima para tratar do território africano de uma forma mais coordenada, e o tom de superioridade do chanceler alemão Bismarck transparece no discurso abaixo:

“O governo imperial foi guiado pela convicção de que todos os governos convidados aqui compartilham o desejo de associar nativos da África com a civilização, por intermédio da abertura do interior para o comércio, fornecendo aos nativos meios de instrução, incentivando missões e companhias, de modo que o conhecimento útil possa ser divulgado, e abrindo caminho para a supressão da escravidão” (Meredith 2017, p. 403).

Somente em 1900 a Inglaterra chamou de Nigéria seus protetorados da região (Meredith 2017, p. 423) e em relação à outra potência imperial europeia, Meredith relata que “os baoulés, da Costa do Marfim lutaram contra os franceses, aldeia por aldeia, até 1911; e os diolas de Senegal não foram totalmente derrotados até a década de 1920” (2017, p. 425). O mesmo império francês, acuado durante a Segunda Guerra Mundial, “com os alemães ainda ocupando Paris, organizou através de De Gaulle uma conferência de Brazzaville, Congo em 1944; ao contrário dos ingleses, os franceses consideravam suas colônias não como entidades separadas, mas partes integrantes da França” (Meredith 2017, pp. 534-35). Como último registro histórico, foi apenas em 1920 que um cidadão da Abissínia (atual Etiópia), Rás Tafari, que virou o imperador Hailê Selassiê, deu fim ao tráfico escravo na sua região (Meredith 2017, p. 505). Todas estas referências acima comprovam quão recente é a história de liberdade de diversas partes da África.

Voltando à juventude africana nos aspectos soberania política e desenvolvimento econômico, testei estatisticamente a amostra de 72 países demonstrada anteriormente e incluí uma variável, que é a taxa de urbanização. A taxa de urbanização africana é comparativamente muito baixa. De acordo com o The World Almanac and Book of Facts 2019, este indicador por média simples de países da dita civilização africana é de cerca de 39%, enquanto o mesmo indicador latino-americano é quase o dobro, 74% (The World Almanac and Book of Facts 2019). Como referência, a taxa de urbanização latino-americana (inclui Caribe) variou entre 41% e 49% na década de 1950 (Our World in Data 2020).

Plotando para a amostra de 72 países os dados mais atuais de renda per capita e taxa de urbanização, observa-se de forma geral uma reta que relaciona as duas variáveis.

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Fonte: PIB per capita: Banco Mundial, 2018, Taxas de urbanização:The World Almanac and Book of Facts 2019. Análise própria.

Por fim, os dados deste pequeno modelo de 72 países e 3 variáveis (PIB per capita, idade de independência e taxa de urbanização) comprovam certa significância estatística: o R2 ajustado é de 0,59 e os índices de correlação entre PIB per capita e idade de soberania política e urbanização são de 0,60 e 0,75, respectivamente. Os dados utilizados para este modelo encontram-se no Anexo deste artigo.

A democracia na África ainda é tímida, mas é uma das poucas regiões do mundo onde ganhou força nos últimos 20 anos

A democracia africana ainda é muito jovem, e suscetível a revezes. Conforme assinala Meredith sobre as primeiras décadas independentes da África, o “histórico político do continente foi gritante: em três décadas, nem um único chefe de Estado havia concordado em sair do cargo por votação; dos cerca de 150 chefes de Estado que haviam passado pelo cenário africano, apenas seis tinham voluntariamente abandonado o poder” (Meredith 2017, p. 626). Não que ao longo deste período a situação latino-americana fosse mais positiva. De acordo com os autores Diego Achard e Manuel Flores, especialistas em governabilidade da América Latina, “nos anos 70 havia na região somente três democracias indiscutíveis: Costa Rica, Venezuela e Colômbia; três mais restritas quanto a sua competitividade: República Dominicana, Panamá e México; e catorze ditaduras de direita e uma de esquerda” (Achard e Flores 1997, p. 32). Mas a América Latina entrou em democracias mais firmes desde então. A África, por sua vez, sofreu com seus Big Men, caracterizados por Meredith como “ditadores militares e presidentes de partido único que ocupavam o cargo reforçando seu controle pessoal, reprimindo qualquer oposição ou dissidência, autorizando polícias secretas a silenciar seus críticos, intimidando a imprensa, limitando os tribunais de justiça e tornando-se extremamente ricos; uma vez no poder, sua única preocupação era permanecer no poder, empregando todos os meios necessários para tal” (Meredith 2017, p. 619).

Entretanto, o quadro africano começou a mudar nos últimos 20 anos. Para corroborar esta afirmação, compilo abaixo informações de notas de liberdade política levantadas do Projeto Polity IV-V do Institute for the Systemic Peace, para cinco pontos do tempo entre 1998 e 2018. Esta fonte considera aspectos como a existência de eleições livres e transparentes, possibilidade de estabelecer partidos e exercer expressão política, estabilidade política e existência de freios e contrapesos entre os poderes executivos, legislativo e judiciário. A fonte considera a nota +10 para democracias plenas e -10 para autocracias plenas. Aplico o conjunto de países das civilizações que havia proposto no meu artigo anterior para a Revista Relações Exteriores, ponderando pelas populações.

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Fonte: Projeto Polity IV-V (Institute for the Systemic Peace). Análise própria. As notas foram ponderadas pelo tamanho das populações dos países de cada civilização.

É possível observar que os níveis de democracia na África ainda são “tímidos”, mas é a única civilização que melhorou este índice ao longo dos intervalos de 5 anos por mim estabelecidos entre 1998 e 2018. Os autores Judd Devermont e Jon Temin comentaram em 2019 que uma nova onda de democracia estabelecia-se na África, ressaltando os casos de líderes na África do Sul (Cyril Ramaphosa), Nigéria (Muhammadu Buhari), Etiópia (Abiy Ahmed), República Democrática do Congo (Felix Tshisekedi) e Angola (João Lourenço), todos aparentemente imbuídos e que sinalizam que querem mantê-la forte. Devermont e Temin pontuam que “tais líderes presidem países que representam quase a metade da África sub-saariana, incluindo quatro das cinco maiores economias da região, além de poderosos exércitos (Devermont e Temin 2019, p. 131). A fonte comenta que é preciso cautela porque outras ondas de otimismo ocorreram nos anos 90 mas tiveram resultados frustrantes, porém a conjuntura mais atual traz bons prospectos (Devermont e Temin 2019). Segundo estatísticas, em muitos países da África gasta-se mais com segurança, incluindo exército, do que com educação. Isto é algo que terá que mudar.

Uma radiografia da real influência chinesa na África

Muito se fala sobre a crescente influência chinesa na África. Nesta seção, apresento uma fotografia atual da real influência da China na África. Esta fotografia está baseada na atual situação de dívidas que o continente, novamente concentrando-se mais na sua parte sub-saariana, tem com a China e outras fontes de recursos mundiais. A fonte de informação é um briefing paper recém publicado em 2020, chamado Risky Business: New Data on Chinese Loans and Africa´s Debt Problem, escrito por Deborah Brautigan, Yufan Huang e Kevin Acker, da Johns Hopkins School of Advanced International Studies.

O estudo busca responder, entre outras perguntas, qual é a real influência atual da China no que tange a concessão de empréstimos ao continente. Através da compilação de dados de diversas fontes, o estudo demonstra que a participação estatal chinesa na dívida externa (publicamente firmada e garantida) dos países africanos, excluindo alguns poucos casos, é de cerca de 22%. A maior fonte de recursos ainda é a dívida privada de diversos bancos e credores mundiais, com 32%. Mas a China já passou a principal fonte multilateral (Banco Mundial, que possui 18%), e o também bilateral Clube de Paris, que tem 5% (Brautigan, Huang e Acker 2020).

A China propagandeia seu programa Road and Belt que promete massivos investimentos em países da Ásia Central e África. Porém para a África, a influência não é super dominante, pelo menos ainda, como pontua o paper. O mesmo estudo mostra dados mais detalhados de dívida de 40 países africanos. Algo que chama a atenção é que a China é o principal credor bilateral de 32 destes casos. Depois vêm Arábia Saudita com 4 casos, Portugal com 2 casos e França e Estados Unidos com somente um caso cada. Entendo que isto demonstra um interesse chinês substantivo na região e ao mesmo tempo um desinteresse do mundo mais ocidental, e algum interesse por parte da Arábia Saudita. A estratégia chinesa parece ser a de estar no maior número possível de países, porém com alguma cautela sem se expor muito ao risco deles. O estudo ressalta a presença chinesa em Angola, onde possui empréstimos acumulados de cerca de US$ 43 bilhões. De acordo com o mesmo paper, a representatividade da dívida de Angola com a China representa quase 20% de seu Produto Nacional Bruto, o que é relevante, porém é o único caso assim com montantes emprestados mais relevantes (Brautigan, Huang e Acker 2020). Voltando a um paralelo com a América Latina e à minha proposta de possível defasagem de tempo de evolução econômica das duas regiões, esta atual configuração geoeconômica de investimentos chineses na África possui algumas semelhanças com a que os Estados Unidos executavam na América Latina em meados do século passado. Se a China aumentará sua já importante exposição financeira na África, só os próximos capítulos deste relacionamento é que dirão. Existem alguns analistas de geopolítica que comentam que a China possui um plano de dominação mais hegemônica do mundo que deverá se materializar perto do centenário da sua revolução, ou seja, por volta de 2049. Portanto, o avanço chinês na África parece ser constante, mas calculado. Os países africanos são os que possuem maior risco de não-cumprimento (default) de suas dívidas externa no mundo. Dos mesmos 40 países africanos mencionados acima, oito são classificados por agências internacionais de crédito como em situação de distress (República do Congo, Eritréia, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Somália, Sudão do Sul, Sudão e Zimbábue) e treze com alto risco de chegar a esta modalidade em pouco tempo (Brautigan, Huang e Acker 2020). Portanto, em mais da metade dos casos, o risco de não-cumprimento é bem considerável, quando não certo. Busquei informações de expectativas de default para países latino-americanos nas décadas de 1950 e 1960 mas não foi possível encontrar informações robustas e comparáveis.

Projeto de uma África mais unida

Em uma região tão extensa e diversa como é a África, existem projetos de regionalização, como o African Continental Free Trade Area (AfCTA). Esta iniciativa que foi intermediada ao longo de boa parte do continente a partir de 2018, deverá ser o bloco de livre comércio com maior número de países do mundo, quando estiver operacional. Até a data e segundo informações públicas, 28 países já completaram o processo de ratificação de protocolos de livre comércio, serviços, investimentos, procedimentos de disputas de conflitos, direitos de propriedade intelectual e competição, o que dará mais dinamismo e união à região. Esta iniciativa, se levarmos em consideração a hipotética curva de defasagem ante a América Latina mencionada anteriormente, e se bem-sucedida, poderá ser um acelerador de desenvolvimento africano. Apesar de não ser necessariamente uma comparação totalmente válida porque as ideias de cooperação regional avançaram muito mais recentemente na história, o fato é que acordos regionais como o Mercosul só nasceram a partir dos anos 1990, e não tiveram eficácia mais comprovada de sinergia e desenvolvimento.

Impressões Finais

Este artigo buscou mostrar, através de análises estatísticas, que o atrasado desenvolvimento econômico africano está relacionado com sua juventude de soberania política e baixa taxa de urbanização. Dados históricos qualitativos que demonstram a tardança do contato africano com o mundo exterior também podem ajudar a explicar a hipótese acima. O artigo também traçou um paralelo entre a evolução dos desenvolvimentos econômicos da África e da América Latina, o que sugere que a primeira região pode estar cerca de 50 anos defasada em relação à segunda. A possibilidade de que esta defasagem se cubra em cerca de 50 anos é plausível.

Em nosso século atual em que a democracia vem perdendo força globalmente, os dados de liberdade política africanos são ascendentes e alvissareiros. Os enormes problemas africanos de pobreza e desigualdade econômica poderão ser atenuados com mais democracia e espelhando-se na melhoria latino-americana, que obviamente não é exemplo de vanguarda mundial, mas seria um degrau natural de evolução aspirada. A China tem se mostrado uma patrocinadora de investimentos na África, de uma forma muito ampla no alcance a muitos países, porém sem uma exposição mais acentuada na maioria deles. Por fim, iniciativas de regionalização como a African Continental Free Trade Area (AfCTA) são válidas para maior união e sinergia para o número tão grande de países que compõem o diverso continente e podem ajudar a suprir o atual desinteresse ocidental e o interesse chinês que existe, porém parece limitado a cálculos que evitam uma maior exposição.

ANEXO – Amostra de 72 países em desenvolvimento

PaísPIB per capita US$IndependênciaIdade Urbanização  População 
Iêmen               944.4119903037%             28,498,687
ZIMBÁBUE            2,147.0019804032%             14,439,018
ANGOLA            3,432.3919754566%             30,809,762
MOÇAMBIQUE               498.9619754536%             29,495,962
Papua Nova Guiné            2,730.2719754513%               8,606,316
Bangladesh            1,698.2619714937%           161,356,039
MALAWI               389.4019645617%             18,143,315
ZÂMBIA            1,539.9019645644%             17,351,822
QUÊNIA            1,710.5119635727%             51,393,010
UGANDA               642.7819625824%             42,723,139
Argélia            4,114.7219625873%             42,228,429
RUANDA               772.9419625817%             12,301,939
BURUNDI               271.7519625813%             11,175,378
TANZÂNIA            1,050.6819615934%             56,318,348
SIERRA LEONE               533.9919615942%               7,650,154
NIGÉRIA            2,028.1819606050%           195,874,740
CONGO, REP. DEM.               561.7819606045%             84,068,091
MADAGASCAR               527.5019606037%             26,262,368
CAMARÕES            1,533.7419606056%             25,216,237
COSTA DO MARFIM            1,715.5319606051%             25,069,229
NÍGER               413.9819606016%             22,442,948
BURKINA FASO               715.1219606029%             19,751,535
MALI               899.6619606042%             19,077,690
SENEGAL            1,521.9519606047%             15,854,360
CHADE               728.3419606023%             15,477,751
SOMÁLIA               314.5419606045%             15,008,154
GUINÉ               878.6019606036%             12,414,318
BENIN               901.5419606047%             11,485,048
TOGO               679.2619606042%               7,889,094
CONGO, REP.            2,147.7719606067%               5,244,363
REP. CENTRO AFRICANA               475.7219606041%               4,666,377
Mauritânia            1,188.8319606054%               4,403,319
Malásia         11,373.2319576376%             31,528,585
GANA            2,202.3119576356%             29,767,108
SUDÃO               977.2719566435%             41,801,533
Marrocos            3,237.8819566463%             36,029,138
Tunísia            3,447.5119566469%             11,565,204
Cambodia            1,510.3219536723%             16,249,798
Laos            2,542.4919536735%               7,061,507
Líbia            7,241.7019516980%               6,678,567
Myanmar            1,325.9519487231%             53,708,395
Sri Lanka            4,102.4819487219%             21,670,000
Índia            2,009.9819477334%       1,352,617,328
Paquistão            1,482.4019477337%           212,215,030
Jordânia            4,241.7919467491%               9,956,011
Líbano            8,269.7919467489%               6,848,925
Vietnã            2,566.6019457536%             95,540,395
Indonésia            3,893.6019457555%           267,663,435
Iraque            5,834.1719249671%             38,433,600
Egito            2,549.1319229843%             98,423,595
Mongólia            4,121.73191110968%               3,170,208
ÁFRICA DO SUL            6,374.03191011066%             57,779,622
Panamá         15,575.07190311768%               4,176,873
Filipinas            3,102.71189812247%           106,651,922
Cuba            8,821.82189812277%             11,338,138
República Dominicana            8,050.63184417681%             10,627,165
Bolívia            3,548.59182519569%             11,353,142
Uruguai         17,277.97182519595%               3,449,299
Brasil            8,920.76182219887%           209,469,333
Equador            6,344.87182219864%             17,084,357
Peru            6,941.24182119978%             31,989,256
Guatemala            4,549.01182119951%             17,247,807
Honduras            2,500.11182119957%               9,587,522
Nicarágua            2,028.89182119959%               6,465,513
El Salvador            4,058.25182119972%               6,420,744
Costa Rica         12,027.37182119979%               4,999,441
Chile         15,923.36181820288%             18,729,160
Argentina         11,683.95181620492%             44,494,502
Paraguai            5,821.81181120962%               6,956,071
México            9,673.44181021080%           126,190,788
Colômbia            6,667.79181021081%             49,648,685
Haiti               868.34180421655%             11,123,176
Fonte: PIB per capita (Banco Mundial, 2018), Idades de independência: fontes diversas, principalmente Keylor 2006. Taxas de urbanização: The World Almanac and Book of Facts 2019. Seleção e análise próprias.
Nota: os países pertencentes à “civilização africana” são mostrados em letras maiúsculas.

Referências Bibliográficas

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Banco Mundial. (2020). Obtido de www.worldbank.org

Brautigan, D., Huang, Y., & Acker, K. (2020). Risky Business: New Data on Chinese Loans and Africa’s Debt Problem. Johns Hopkins School of Advanced International Studies.

Devermont, J., & Temin, J. (2019). Africa’s Democratic Moment? Five Leaders Who Could Transform the Region. Foreign Affairs, 98:4, 131-43.

Galasso, N. (2011). Historia de la Argentina: Desde los pueblos originarios hasta el tiempo de los Kirchner, Tomo II. Buenos Aires: Colihue.

Huntington, S. P. (1993). The Clash of Civilizations? Foreign Affairs, 72:3, 1-17.

Huntington, S. P. (1996). The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. New York: Simon&Schuster.

Keylor, W. R. (2006). The Twentieth Century World: An International History. New York: Oxford University Press.

Meredith, M. (2017). O Destino da África: cinco mil anos de riquezas, ganância e desafios. Rio de Janeiro: Zahar.

Systemic Peace. (2020). Systemic Peace – Polity IV Project. Obtido de https://www.systemicpeace.org/polity/polity4.htm

The World Almanac and Book of Facts. (2019). New York: Newgen North America.

University of Oxford / Global Change Data Lab. (2020). Our World in Data. Obtido de https://ourworldindata.org

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