Este artigo analisa a forma como a expansão geopolítica do BRICS afeta a sua abordagem às estratégias energéticas sob pressões globais de descarbonização. Com base na análise da rede de governança e na análise do discurso, exploramos três hipóteses centrais: a heterogeneidade estrutural entre os Estados membros dificulta a convergência climática; mecanismos seletivos de cooperação tecnológica que emergem apesar das assimetrias; e como o BRICS funciona mais como um instrumento geopolítico do que como uma plataforma coesa para uma transição energética eficaz. Através do exame comparativo de documentos oficiais do BRICS e dos acordos sobre o clima, particularmente no âmbito do Acordo de Paris, o texto indica tanto pontos de fricção como alinhamentos pragmáticos. O artigo argumenta como os países do BRICS alavancam a cooperação Sul-Sul para preencher parcialmente o vazio deixado pelas promessas de financiamento climático não cumpridas, ao mesmo tempo que avançam as suas próprias agendas geopolíticas.
Sumário
Introdução
Com a virada do século XX para o XXI, o sistema internacional passou a ser marcado por grandes expectativas quanto à consolidação da globalização econômica, impulsionada pelo avanço das tecnologias da informação, pelo aumento das interconexões comerciais e pela crença na hegemonia neoliberal. No entanto, o cenário de otimismo foi rapidamente confrontado por eventos disruptivos, como os atentados de 11 de setembro de 2001, que reconfiguraram as prioridades internacionais em torno da segurança e do combate ao terrorismo e pela crise financeira global de 2008.
Conjuntamente com as alterações de cenário, as mudanças climáticas ganharam centralidade nas agendas internacionais como um dos principais desafios globais. Embora já houvesse diversos alertas sobre o impacto da elevação da temperatura média global, especialmente após os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a primeira iniciativa política importante foi realizada através do Protocolo de Kyoto em 1997, simbolizando um esforço de parceria direcionado à mitigação das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE). Nesse contexto, a globalização ao mesmo tempo em que acelerou a degradação ambiental através de cadeias produtivas intensivas em carbono também criou espaços de cooperação internacional para a sustentabilidade.
Nesse cenário de reconfiguração de prioridades marcado tanto pelas crises econômica e de segurança quanto pelo surgimento da emergência climática, os países em desenvolvimento começaram a ganhar destaque dentro do cenário internacional por conta do seu crescimento socioeconômico e volume de exportação em commodities. Em 2001 foi destacado o agrupamento de quatro países que poderiam tomar a frente desse novo crescimento, apresentada pela sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), descrevendo um conjunto de economias em rápido crescimento que, à época, simbolizava o deslocamento gradual do eixo do poder econômico global em direção ao Sul Global.
Este artigo busca analisar como os acordos climáticos globais e a ascensão do BRICS têm influenciado a transição energética, com foco nas ações já implementadas pelo bloco no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para isso, examinam-se os documentos conjuntos publicados no âmbito das cúpulas do BRICS e das Conferências das Partes (COPs), mapeando tanto as divergências estruturais entre os países-membros quanto os espaços de convergência funcional. Além disso, exploram-se hipóteses de instrumentalização geopolítica que possam alinhar-se às metas de neutralidade de carbono e à redução gradual do uso de combustíveis fósseis.
A metodologia adotada combina análise qualitativa comparativa entre os acordos climáticos das COPs e os investimentos e entendimentos do BRICS sobre transição energética. Realiza-se ainda uma pesquisa bibliográfica e documental, utilizando-se do método comparativo para contrastar as posições e ações do BRICS com os compromissos climáticos internacionais. Complementarmente, foi aplicada uma análise de redes de governança e uma análise crítica qualitativa para identificar padrões de cooperação, conflitos e estratégias geopolíticas no processo de transição energética. Essa abordagem busca avaliar o alinhamento ou dissonância entre as agendas climáticas do BRICS e os acordos globais, mas também discutir em que medida o bloco pode servir como um ator-chave na promoção de uma economia de baixo carbono, frente às suas particularidades políticas e econômicas.
A Transição Energética e o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 7
Segundo Hafner (2017), toda grande transição energética implica, simultaneamente, em transformações geopolíticas. A transição atual, voltada para fontes de energia com zero emissões de carbono, ocorre em um contexto de múltiplas crises globais – climática, de biodiversidade e de desigualdade – que intensificam seus impactos estruturais e demandam novos arranjos de governança. A desigualdade entre países e a discrepância de tratamento entre países do Sul Global em detrimento aos do Norte Global, especialmente no que diz respeito ao acesso a tecnologias e financiamento, torna essencial que os Estados mais vulneráveis recebam apoio concreto em termos de transferência tecnológica e recursos financeiros.
A transição energética exige ações coordenadas em múltiplos níveis, sustentadas por investimentos robustos em energias renováveis, eficiência energética, infraestrutura e práticas sustentáveis de consumo e produção. Nesse sentido, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS 7) estabelece a meta de assegurar, até 2030, “acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos” (ONU, 2015). A realização dessa meta depende de políticas públicas inclusivas e de soluções tecnológicas adaptadas às realidades socioeconômicas locais, evitando o aprofundamento de desigualdades históricas.
Entretanto, o progresso rumo ao ODS 7 tem sido limitado. O IPCC (2023) aponta que a adoção de tecnologias de baixa emissão nos países em desenvolvimento permanece atrasada, devido a restrições de financiamento, capacidades técnicas e fluxos limitados de tecnologia. Embora o Acordo de Paris tenha estabelecido a meta de mobilizar USD 100 bilhões anuais até 2020 para apoiar tais países, esse compromisso não foi cumprido. Em resposta, a proposta em discussão na COP29 previa um Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG) de USD 300 bilhões anuais até 2035, porém os países em desenvolvimento demandaram um valor significativamente mais elevado, cerca de US$ 1,3 trilhão por ano, incluindo contribuições do setor privado (WRI, 2024).
Ainda segundo a IRENA (2024), seria necessário cerca de USD 47 trilhões (2024–2030) para manter o mundo em um caminho compatível com a meta de 1.5°C, com um investimento anual médio necessário de USD 6,7 trilhões por ano, o que representa 2,5 vezes mais o nível de investimentos energéticos representados em 2023, de cerca de USD 2,6 trilhões. Embora o NCQG tenha sido considerado um dos pontos centrais da COP29, o novo objetivo não foi definido devido a suas contradições e sua negociação acabou por ser adiada para a COP30.
Além disso, a COP 28 estabeleceu um compromisso de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030, necessitando atingir o equivalente a 11,2 terawatts (TW) de capacidade global renovável e acréscimos médios anuais de 1.044 GW (entre 2024 e 2030), incluindo investimentos em redes elétricas e flexibilidade como armazenamento, correspondendo a cerca de USD 10,7 trilhões e USD 5,0 trilhões em investimento, respectivamente (IRENA, 2024).
Nesse cenário, emergem iniciativas lideradas pelo BRICS que buscam preencher lacunas deixadas pelo financiamento climático tradicional. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), por exemplo, já alocou cerca de USD 5,4 bilhões em projetos de energia limpa e renovável na África do Sul, e comprometeu-se a direcionar 40% de suas aprovações totais a ações de mitigação e adaptação climática. Da mesma forma, a Belt and Road Initiative (BRI), promovida pela China, tem reorientado seus investimentos no setor energético, direcionando aproximadamente 42% dos aportes internacionais em energia para projetos limpos no primeiro semestre de 2023, após o compromisso do país em cessar o financiamento de usinas a carvão (Baxter, 2023).
Apesar da possibilidade de representar uma alternativa à falta de confiança no financiamento climático, essas iniciativas levantam questionamentos sobre até que ponto o BRICS realmente incorpora os princípios centrais do ODS 7 para além de compromissos retóricos. Embora representem avanços no financiamento alternativo à transição energética, ainda são necessárias avaliações mais sistemáticas sobre sua eficácia, alinhamento com as metas climáticas globais e fornecimento de dados que demonstrem métricas claras.

O Surgimento do BRICS e o Papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB)
O agrupamento entre Brasil, Rússia, Índia e China, o BRIC, foi primeiro apresentado pelo economista Jim O’Neill, em 2001, onde os países eram indicados como atores chave do crescimento econômico mundial na primeira década do século XXI. De acordo com O’Neill, as previsões do ano de 2001 e 2002 apontavam que esses países poderiam crescer mais do que os membros do G7, enfatizando que a China teria o maior destaque. Inicialmente, como descreve Stuenkel (2017), os apontamentos para o grupo eram puramente econômicos e a primeira reunião entre os países aconteceu em 2006, em São Petersburgo, na Rússia, durante a Cúpula do G8. Em 2011, a África do Sul foi oficialmente convidada a participar do grupo, formando o acrônimo como o conhecemos.
O grupo tem se consolidado como um espaço político-diplomático alternativo à ordem internacional dominada pelo G7. Nos anos seguintes, as cúpulas do agrupamento passaram a abordar temas além da economia, como segurança energética, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. Somente em 2023, durante a Cúpula de Joanesburgo, o grupo deu um novo passo a sua expansão ao convidar seis países para se somarem ao arranjo: Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Argentina.
Tendo a Argentina recusado o convite e a Arábia Saudita ainda não sinalizado sua entrada, os demais passaram a compor o chamado BRICS+, ampliando ainda mais a representatividade do bloco no Sul Global (Brasil, 2023). Em 2025, sob a presidência brasileira, o grupo passou também a contar com países parceiros como Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã, estes sem poder de voto nas decisões do bloco. Ainda em 2025, a Indonésia passou a compor o grupo como membro pleno, podendo este participar das decisões.
Embora apresente um grande passo para um rearranjo multilateral das decisões internacionais, essa ampliação traz desafios significativos quando se observa a transição energética. Todos os membros do BRICS+ declaram compromisso com a Agenda 2030 e o Acordo de Paris, mas as capacidades e prioridades estão posicionadas em níveis diferenciados. A Índia e a China, por exemplo, são os maiores consumidores de energia do grupo e estão entre os maiores emissores globais, sendo também os que mais investem em renováveis e tecnologias de descarbonização. A China lidera em capacidade instalada de energia solar e eólica e concentra o maior volume de financiamento climático dentro do NDB.
Por outro lado, países como África do Sul e Brasil apresentam desafios estruturais distintos. O Brasil já possui uma matriz relativamente limpa, com forte presença de hidrelétricas e biocombustíveis, mas sofre com a expansão do uso de combustíveis fósseis no setor de transportes e com entraves regulatórios na modernização da rede elétrica. A África do Sul ainda depende fortemente do carvão, e a transição encontra barreiras sociais e econômicas devido à importância do setor carbonífero no emprego e na segurança energética nacional (GEM, 2024).
A adesão de seus novos membros ampliaram ainda mais a heterogeneidade energética do grupo. Irã e Emirados Árabes Unidos são grandes exportadores de petróleo e gás, sendo estes membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), e possuem estratégias que misturam renováveis com tecnologias de captura e uso de carbono. Em contrapartida, países como a Etiópia apresentam emissões muito baixas e graves déficits de acesso à energia.
Segundo Garcia (2025), o BRICS passou a se posicionar como um contraponto à ordem internacional dominada pelas potências ocidentais, defendendo reformas nas instituições de Bretton Woods e uma abordagem mais inclusiva às questões do desenvolvimento sustentável. Embora heterogêneo em termos políticos e estratégicos, o grupo compartilha um projeto comum de contestação à hegemonia unipolar e de construção de uma ordem multipolar mais equilibrada. De acordo com o BRICS Policy Center (2024), para que as metas estabelecidas pelo BRICS+ sejam alcançadas, deve-se formular políticas energéticas coordenadas e ambiciosas, especialmente diante da necessidade de triplicar a capacidade global de renováveis até 2030, meta defendida por muitos de seus membros nas COPs.
A exigência de um financiamento robusto, cooperação tecnológica e alinhamento político tem aberto espaço para que o NDB desempenhe um papel relevante nesse esforço, com mais de 40% de seus financiamentos voltados para projetos de transição energética, especialmente na China e na Índia (Rodriguez et al, 2024). O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), fundado em 2015 com o objetivo de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países membros e em outras economias emergentes e em desenvolvimento (EMDCs), não se restringiu apenas aos seus países membros (BRICS, 2023). O capital inicial autorizado, em 2015, era de USD 100 bilhões, com seu capital subscrito totalizado em USD 52,7 bilhões em 2023 (NDB, 2023). Os cinco membros fundadores do grupo possuem voto equivalente a 18,98% da decisão, tendo os novos membros porcentagem menores.
Os investimentos estão alinhados com a Agenda 2030 da ONU e o Acordo de Paris e a maioria dos projetos aprovados visa infraestrutura verde, eficiência hídrica, transporte sustentável e energias renováveis, divididos em seis eixos principais: energia limpa e eficiência energética, infraestrutura de transporte, água e saneamento, proteção ambiental, infraestrutura social e infraestrutura digital, tendo o primeiro eixo recebido mais de USD 5,6 bilhões (36,6%) dos recursos acumulados (NDB, 2023). Com seus objetivos propostos, a instituição foi formalizada como observadora durante a COP28, nos Emirados Árabes Unidos, onde reafirmou seu compromisso com o financiamento climático e reconheceu o papel desempenhado pelo banco frente aos desafios ambientais globais (NDB, 2024).
Os objetivos do bloco em promover um novo balanço de poder por meio da reforma de instituições governamentais, como o Conselho de Segurança da ONU, e financeiras, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, são desenvolvidos através de reuniões anuais nas quais um país membro é designado a representar a presidência dessas sessões. As políticas energéticas deverão ser elaboradas com base na diversidade de alternativas de energia renovável sem um trancamento tecnológico. Para que isso seja possível, os países do grupo deverão trabalhar na intensificação do respeito à soberania nacional ao mesmo tempo que aumentam sua cooperação internacional.
Para garantir a coesão social e uma distribuição justa dos custos e benefícios dessa transição, será necessário contar com um amplo consenso e uma ação conjunta do setor, dos cidadãos e do governo. Uma das condições desafiadoras encontradas por essas nações é a crescente demanda de energia renovável paralela ao novo ritmo de desenvolvimento econômico das partes, pois países como os do Golfo Pérsico ainda tem sua economia intrinsecamente ligada à produção de petróleo.
Em 2025, com o Brasil assumindo a presidência rotativa do bloco sob o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável” (Brasil, 2025) e tendo seus dois eixos centrais a reforma da governança global e a cooperação entre os países do Sul Global, o bloco publicou o Roadmap for BRICS Energy Cooperation 2025-2030 com quatro objetivos principais: fortalecer a cooperação e a coordenação energética do BRICS na agenda internacional de energia; expandir o escopo da cooperação com segurança energética e transições energéticas justas e inclusivas como pano de fundo essencial; melhorar a governança, a tomada de decisões e os processos de implementação para iniciativas de cooperação; e expandir o comércio de bens relacionados à energia e criar condições favoráveis para investimentos mútuos (BRICS Committee of Senior Energy Officials, 2025).
O BRICS como um Instrumento Geopolítico e os Mecanismos Seletivos de Cooperação Tecnológica
Apesar da capacidade de energia movida a combustíveis fósseis estar perdendo espaço no mix de energia do BRICS, praticamente todos os membros estão construindo usinas adicionais de carvão, petróleo ou gás. Representando 46% da população mundial, 38% do PIB e 48% das emissões de dióxido de carbono (CO₂), o bloco vem consolidando sua participação crescente dentro da diplomacia energética e climática dentro e fora de sua esfera (GEM, 2024). Esse papel se destaca, também, devido à presidência do Brasil nas Cúpulas do G20, BRICS e COP 30 durante os anos de 2024 e 2025 uma vez que o país é um dos grandes atores de cooperação para a paz e diplomacia do clima no cenário internacional.
Ao mesmo tempo, as novas adesões ao bloco apresentam a possibilidade de o BRICS fundir os interesses de seus principais produtores de petróleo e gás (Emirados Árabes Unidos, Rússia, Irã) com os dos principais produtores de carvão (China, Índia, Rússia, África do Sul), criando uma nova força no cenário diplomático internacional com interesses profundamente investidos na produção contínua de combustíveis fósseis.
O crescimento da demanda de energia no BRICS teve uma média de 5% ao ano na última década, aproximadamente o dobro da média global (GEM, 2024). Isso pode indicar que, apesar do crescimento significativo de fontes de energia limpas e renováveis, é necessário um esforço ainda maior para que a produção consiga alcançar a demanda. O roadmap para a cooperação energética do bloco salienta que a transição justa deve ser considerada como pano de fundo de suas ações de cooperação mas que não se pode ignorar o fato de que os países membros continuam a depender do uso de combustíveis fósseis devido a geração de emprego e a segurança energética que essa indústria proporciona e, por isso, deve-se levar em conta não apenas a capacidade tecnológica de cada membro para reduzir suas emissões de GEE mas também as prioridades e capacidades nacionais de cada país (BRICS Committee of Senior Energy Officials, 2025).
Com isso, o BRICS deve aumentar seu compromisso no investimento dessas novas fontes ao mesmo tempo que deve contar com 40% das reservas de petróleo e 53% das reservas de gás natural no mundo, solidificando o bloco como uma potência na produção de petróleo (GEM, 2024). Essa expansão contínua do acumulado de combustíveis fósseis entra em dissonância direta com os compromissos climáticos internacionais, como o Acordo de Paris e, mais recentemente, a meta de triplicação da capacidade renovável até 2030 estabelecida na COP 28.
Em 2022, o NBD lançou sua estratégia geral para 2022-2026 intitulada “Scaling Up Development Finance for a Sustainable Future” e teve como base as tendências que moldam o padrão de investimento do banco, tendo como meta se tornar um provedor de soluções inovadoras em infraestrutura e desenvolvimento sustentável tanto para os países membros quanto para economias emergentes. A partir dessa nova estratégia e sabendo que a maior parte do crescimento da demanda de energia virá de países em desenvolvimento, o bloco, a partir do NDB, poderá aproveitar as prioridades estabelecidas no ciclo estratégico de cinco anos, divididas em três dimensões – mobilização de recursos, financiamento para impacto e desenvolvimento institucional – para tomar a frente a corrida energética, aproveitando ainda que seus membros possuem significante parte dos recursos minerais estratégicos para a transição (NDB, 2023).
O NDB busca favorecer projetos que possam ser replicáveis entre os países do bloco, como, por exemplo, os modelos de usinas solares chinesas em países africanos, e aplicar a complementaridade tecnológica entre os países que permitem o intercâmbio produtivo dentro de suas capacidades, como o Brasil em relação aos biocombustíveis e smart grids, a China em solar e eólica e a Índia em microgeração e armazenamento, ao mesmo tempo que respeita a soberania energética dos Estados (NDB, 2024).
Em contrapartida às negociações feitas dentro do âmbito do BRICS, as COPs oferecem uma plataforma para que os países negociem acordos e metas, no entanto, é importante que seja alcançado consenso para implementação de ações efetivas, especialmente dada a diversidade de interesses, prioridades e poder econômico das nações envolvidas. Entre os diversos acordos instituídos pelas partes nessas negociações é o de que os países com maior renda e maior desenvolvimento devem ser responsabilizados a apoiar um caminho para uma descarbonização profunda e acelerada, partindo do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada nos tratados relativos à mudança climática, enquanto os países do BRICS partem de uma dinâmica onde as decisões são tomadas por consenso e baseadas na voluntariedade, o que limita a ambição coletiva.
Considerações Finais
A análise das estratégias energéticas e climáticas do BRICS evidencia as dinâmicas centrais que moldam o papel do bloco na governança internacional da transição energética. A heterogeneidade estrutural entre os Estados membros constitui um dos principais obstáculos à formulação de compromissos climáticos robustos e convergentes, especialmente após a entrada de novos membros com forte dependência de combustíveis fósseis, porém quando levamos em consideração a configuração de negociação entre as partes das Conferências do Clima também há de contar com grandes diferenças estruturais. O princípio do respeito à soberania nacional, embora fundamental para a coesão diplomática do grupo, acaba por relativizar a urgência de metas vinculantes e abre margem para a manutenção do uso de fontes de energia não renováveis e limpas.
Os mecanismos seletivos de cooperação tecnológica, que, embora limitados em escopo e coordenação, têm emergido como instrumentos pragmáticos para a circulação de soluções energéticas entre os membros. Apesar dessa cooperação se dar de forma fragmentada e a ausência de metas comuns ou mecanismos de monitoramento comprometem o impacto sistêmico dos esforços para a transição, o bloco tem contado com o aceleramento da criação dos mecanismos de financiamento para mudanças do clima através do Novo Banco de Desenvolvimento, que contribui não apenas com os países membros mas com outras economias emergentes .
Por fim, ao observar a atuação externa e a retórica institucional do grupo, torna-se evidente que o BRICS funciona menos como uma plataforma coesa para uma transição energética eficaz e mais como um instrumento geopolítico para reequilibrar o poder global. A inserção do BRICS nas negociações internacionais, sobretudo no contexto da COP 30 e das cúpulas do G20, aponta para um reposicionamento diplomático que visa garantir espaço de manobra estratégica, sem necessariamente promover uma governança climática transformadora.
Em síntese, embora o BRICS possua potencial para desempenhar um papel relevante na transição energética global, esse papel permanece condicionado por seus dilemas internos: a pluralidade de interesses, a assimetria de capacidades e a prevalência de uma lógica de cooperação intergovernamental baseada em consensos mínimos. Para que o bloco transcenda sua função geopolítica e avance em direção a uma atuação climática efetiva e solidária, será necessário construir mecanismos de coordenação mais integrados, metas compartilhadas e instrumentos que priorizem a justiça climática e a segurança energética das populações mais vulneráveis.
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Bacharel em Relações Internacionais e Profissional Junior em Relações Institucionais e Governamentais. Membro do BRICS Youth Energy Agency, do Observatório Latino Americano de Geopolítica Energética (OLAGE) e do Young Experts in Energy Systems da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa UNECE. Coordenadora de Relações Internacionais na Coalizão Nacional de Juventudes pela Ação Climática e Meio Ambiente (CONJUCLIMA), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.