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Como o governo do Irã transformou a violência sexual em arma contra mulheres que ousam resistir. Como o governo do Irã transformou a violência sexual em arma contra mulheres que ousam resistir.

Como o governo do Irã transformou a violência sexual em arma contra mulheres que ousam resistir.

Foto por Matt Hrkac. Via Wikicommons. (CC BY 2.0)

Na revolta “Mulher, Vida, Liberdade” de 2022–2023 no Irã, os corpos das mulheres se tornaram, literalmente, campos de batalha.

O movimento de protesto eclodiu após a morte sob custódia de Mahsa (Jina) Amini, de 22 anos, presa pela polícia da moralidade do Irã por usar incorretamente o hijab.

Sua morte tornou-se um símbolo poderoso do controle patriarcal do governo sobre os corpos das mulheres e incendiou protestos que expuseram o uso da violência sexual como arma de repressão pelo regime.

Testemunhos de sobreviventes, compartilhados apesar do estigma e do medo, revelaram abusos aterrorizantes: mulheres manifestantes foram espancadas, agredidas sexualmente, estupradas (inclusive em grupo e com objetos), despidas e torturadas durante as prisões, transferências e detenções em locais oficiais e não oficiais, e durante interrogatórios.

Esses não foram atos isolados, mas técnicas calculadas para punir a dissidência e instaurar o terror.

Marcar, punir, controlar mulheres

Um dos testemunhos mais assustadores é de uma jovem detida durante os protestos:

“Minhas amigas e eu tiramos o véu em público e estávamos gritando palavras de ordem. Nunca me passou pela cabeça que as forças de segurança nos prenderiam… Desde o momento em que fomos presas, eles nos espancaram violentamente… Disseram: ‘Aqui não há Deus. Nós somos o seu Deus.’”

Ela foi posteriormente submetida a um violento estupro coletivo.

O governo iraniano aparentemente vê os corpos das mulheres como territórios a serem marcados, disciplinados e punidos. Sua ideologia patriarcal reduz as mulheres a portadoras da honra familiar e da pureza religiosa, legitimando o controle estatal sobre sua aparência, comportamento e movimentação.

Como teorizou a feminista materialista francesa Colette Guillaumin com o conceito de “sexagem”, sistemas patriarcais reduzem as mulheres a “objetos naturais” — seres cujos corpos, tempo e sexualidade são apropriados e controlados. Nicole-Claude Mathieu também destacou como essa apropriação opera em diversos contextos de dominação.

No Irã, essas análises ajudam a explicar como o Estado instrumentaliza os corpos das mulheres como símbolos de dominação ideológica e como recursos a serem regulados e explorados. Cobrir ou descobrir as mulheres à força, como argumentou Guillaumin, simboliza a posse pública de seus corpos, transformando sua visibilidade e autonomia em objetos de controle estatal.

A política da violência sexual

O Estado iraniano parece perceber as mulheres sem véu não apenas como cidadãs desobedientes, mas como corpos que escaparam do controle e recusaram o status designado de posse.

Por essa transgressão, a punição visa aniquilá-las: por meio da humilhação, da tortura e do estupro. Relatos da mídia indicam que as forças de segurança têm como alvo deliberado os olhos e genitais das manifestantes, o que exemplifica ainda mais como as mulheres são reduzidas a meros objetos sexuais e reprodutivos.

Essa violência direcionada expõe como, aos olhos das autoridades, a identidade das mulheres é brutalmente reduzida a seus rostos e genitais — símbolos de sua visibilidade e sexualidade.

Longe de serem atos isolados, os estupros e a violência sexual cometidos por forças do Estado iraniano durante a revolta “Mulher, Vida, Liberdade” encarnam o que a teórica feminista Catharine MacKinnon define como um “sistema de terrorismo sexual”, no qual a violência sexual não é nem privada nem acidental, mas um instrumento metódico de dominação política.

O estupro permite às autoridades disciplinar as mulheres que se opuseram, humilhá-las e reafirmar o controle sobre aquelas que ousaram reivindicar seus corpos e vozes.

Estigma, silêncio e abandono jurídico

Mas a violência sexual não termina com o ato em si. Suas consequências deixam cicatrizes profundas e duradouras na vida das sobreviventes.

No Irã, sobreviventes de estupro enfrentam não apenas trauma, mas também exclusão social, estigma e abandono judicial. O sistema jurídico iraniano, que define estupro de maneira restrita sob o conceito de “zina” (fornicação), frequentemente pune a vítima caso ela não consiga apresentar quatro testemunhas masculinas. Isso costuma silenciar as sobreviventes.

Como declarou outra sobrevivente, entrevistada pela Anistia Internacional:

“Eu nunca mais serei a mesma pessoa… Mas espero que meu testemunho traga justiça, e não só para mim… talvez possamos evitar que eventos tão amargos se repitam no futuro.”

A obsessão do governo iraniano com o controle das mulheres vai além de seus corpos e chega aos sistemas de vigilância. Em 2025, autoridades de Teerã implantaram 15 mil novas câmeras de vigilância com tecnologia de IA, além de drones e sistemas de reconhecimento facial, explicitamente para fazer cumprir as leis do hijab obrigatório.

No Irã, o uso do véu não é apenas religioso, mas profundamente político — um sinal público de submissão ao domínio patriarcal.

Enquanto isso, as execuções no Irã dispararam para níveis alarmantes, com pelo menos 972 pessoas executadas em 2024, o maior número em oito anos. Entre os alvos estão mulheres ativistas, especialmente de minorias étnicas, enfrentando sentenças de morte por sua resistência.

O relatório de 2025 da Missão de Apuração de Fatos da ONU destaca os casos em andamento de Pakhshan Azizi, Sharifeh Mohammadi e Varisheh Moradi, todas condenadas à morte.

Seus casos, junto com o crescimento vertiginoso das execuções no Irã, revelam um padrão aterrorizante de feminicídio de Estado: a execução de mulheres que ousam lutar por justiça de gênero e direitos humanos.

Responsabilidade internacional

Esses não são assuntos internos do Irã — são crimes contra a humanidade.

Como nos lembra MacKinnon, a violência sexual não é privada: é uma arma política e uma violação dos direitos civis. O mundo deve agir impondo sanções direcionadas aos perpetradores, oferecendo asilo às sobreviventes e apoiando os movimentos feministas iranianos que exigem justiça.

Permitir que esses crimes fiquem impunes é entregar os corpos das mulheres à impunidade. As mulheres iranianas demonstraram uma coragem extraordinária. A resposta internacional deve corresponder à sua bravura com ações concretas.

Texto traduzido do artigo How Iran’s government has weaponized sexual violence against women who dare to resist, de Mina Fakhravar publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.

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