Nascido na Itália, em 1469, Nicolau Maquiavel foi um pensador, filósofo, historiador e um dos cientistas políticos mais famosos da História, sendo considerado o pai da filosofia política moderna. Entre seus escritos, o mais famoso foi “O Príncipe” (1513), que o imortalizou uma vez que descreveu detalhadamente o modus operandi da política e dos governantes de sua época. Sua obra é estudada e reverenciada até hoje.
BREVE BIOGRAFIA
Nascido em Florença, na Itália, em 3 de maio de 1469, Nicolau Maquiavel era o terceiro de quatro filhos do casal Bernardo Maquiavel e Bartolomea Nelli, família de origem toscana. Foi um dos principais pensadores renascentistas, de formação humanista. Interessou-se pelo latim e fundamentos da língua grega antiga. Foi fortemente influenciado pelos conceitos da Antiguidade Clássica, principalmente os conceitos de virtù e fortuna.
Nicolau se destacou como historiador, diplomata, músico, filósofo e político italiano. Aos 29 anos de idadenase, entrou para a política como Secretário da Segunda Chancelaria da Senhoria de Florença, instituição responsável pela administração da guerra e das políticas internas do reino. Chegou também a presidir o Conselho dos Dez, órgão de caráter conselheiro para a Chancelaria. Manteve-se na função por aproximadamente quatorze anos, onde pode observar o comportamento de importantes figuras da época, o que serviu de conhecimento para seus escritos.
Em 1501, casou-se com Marietta di Luigi Corsim, com quem teve seis filhos. Com o fim da república, em 1512, acabou por perder seu cargo sendo, no ano seguinte, preso e torturado sob a acusação de conspirar pela eliminação do cardeal Giovanni de Médici. Posteriormente, foi exilado e aproveitou o período para escrever suas principais obras.
Após ser anistiado pelo papa Leão X tempos depois, Maquiavel voltou a Florença. Em seu retorno, exerceu alguns cargos importantes, mas não mais com a relevância de seu cargo na Segunda Chancelaria. Em 1527, ainda em Florença, veio a falecer em função de uma apendicite. O filósofo morreu afastado do poder e na total pobreza.
Contexto histórico
Nicolau Maquiavel viveu na transição do século XV para o XVI, o limiar da Era Moderna, período marcado por profundas transformações nas estruturas sociais, grandes mudanças econômicas, e total falta de estabilidade política. Um contexto de inquietação intelectual, marcado pelo desenvolvimento do Humanismo e do Renascimento, pelos progressos científicos, pelo confronto entre a Reforma e a Contrarreforma e a separação entre Igreja e Estado.
A Itália não existia tal como a conhecemos política e geograficamente. Encontrava-se fragmentada em principados e repúblicas, as quais mantinham milícias próprias que permaneciam em constantes confrontos internos e hostilidades. Também tinha parte seus territórios dominados por outras nações, gerando forte necessidade de unificação, pois as cidades-nações viviam sob ameaça e intrigas, o que atrapalhava também o desenvolvimento econômico.
Inserido nesse cenário, a partir de seu cargo, adquiriu grande experiência política ao observar as práticas de seus contemporâneos, pois sua função exigia inúmeras missões diplomáticas pela Alemanha, França, bem como nos diversos Estados italianos. Teve a oportunidade de conviver com nobres, papas e reis, e também com aquele que, segundo os historiadores, seria sua inspiração e modelo de príncipe ideal para a Itália conquistar a unificação, César Bórgia, o temido duque Valentino. A vivência e o conhecimento originados dessa experiência proporcionaram o surgimento de seu opus magnun “O Príncipe”, e também de seus “Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio”.
É importante destacar que esse limiar da Era Moderna trazia em seu bojo a ascensão da burguesia, fundamental para as mudanças que se seguiriam, pois tinha interesse em unificar os territórios com o objetivo de ampliar seus mercados e lucros. Com as cruzadas em curso, surgiam rotas comerciais e feiras, estimulando o desenvolvimento do comércio e possibilitando o crescimento dessa classe média rústica, mas com crescente poder político e financeiro, muito hábil em articular a formação de Estados Nacionais e estabelecer uma nova economia mercantil.
Em virtude dos dogmas da Igreja Católica, que entre outros, condenava os lucros, e para tornar possível uma mudança nos rumos da mentalidade que ainda mantinha sombras da Idade Média, fez-se necessário o rompimento com a Igreja. Para tal, a reforma protestante teve papel fundamental nesse processo. Ela mostrou que surgia uma nova ética, onde era possível a libertação do jugo católico, tendo na Inglaterra o exemplo, onde o líder religioso era o próprio rei.
Reforçando esse processo de enfraquecimento do poder religioso, vê-se, intramuros, o florescer de outro movimento, de grande força popular: o renascimento. Foi na mudança cultural que a burguesia encontrou a afirmação necessária, voltando às fontes gregas antigas de inspiração, retomando ideais abandonados tais como a razão e o antropocentrismo. Essa retomada dos valores clássicos promoveu um esplendido desenvolvimento intelectual e artístico, e entrou em rota de colisão com os valores medievais de até então, relegando o poder da Igreja a um segundo plano.
O Pensamento Político de Maquiavel e a influência de suas ideias na contemporaneidade
Algumas ideias de Maquiavel o levaram a ser eternizado e considerado o grande pensador da política da era moderna. Seus pensamentos influenciaram monarcas, cardeais e também papas, que mesmo não admitindo, souberam tirar proveito dos seus conselhos políticos. Todavia, para se ter uma adequada compreensão da obra do filósofo, é conditio sine qua non considerar o contexto em que ele estava inserido. Sua visão de mundo e crenças estavam diretamente atreladas à realidade política e social pela qual passava a península itálica daquela época, como já dito, ainda não unificada e repleta de conflitos.
Concentrando nossa análise em sua principal obra, O Príncipe ganhou destaque postumamente por ter a qualidade do realismo na análise. A mesma é a principal referência em manuais para governantes saberem como exercer seu poder e se manter. Pela sagaz observação dos fatos que ocorriam ao seu redor, Nicolau foi capaz de identificar e tratar de grandes temas na transição de uma importante época e promover a disruptura de paradigmas de interpretação, lançando um novo olhar sobre a política e sua relação com a ética.
Suas concepções partiam do que ele identificava como inerente ao ser humano. Não aquele ideal grego de vocação para o exercício do bem, mas impulsos com motivações bastante egoístas. Essa visão pessimista de Maquiavel sobre a motivação humana era oriunda da sua análise da vida política tal como ela se apresentava, e não como deveria ser, ou seja, uma realidade idealizada. Sua preocupação tinha foco não nas regras morais, mas no comportamento em si.
Ele percebia que as normas morais que guiavam a ação humana em outras instâncias da vida cotidiana não coadunavam com a prática da política, pois esta possuía peculiaridades, uma lógica própria. Com isso, o filósofo identifica o pressuposto da independência da política em relação às normas vigentes, apontando na direção de uma moral própria e necessária a esta.
Em fato, o que Maquiavel revelou em sua obra acerca do comportamento humano em relação ao exercício do poder nada mais era do que os métodos políticos utilizados rotineiramente pelos governantes, independente da hierarquia do cargo. Tais métodos envolviam intrigas, envenenamentos, prisões arbitrárias, calúnias e penas perversas, entre outros. É necessário destacar também, que essa era uma época em que reinavam crenças como o direito divino dos reis e a infalibilidade do papa, dando a estes poderes absolutos.
A pretensão de Maquiavel não era abrir mão da moral. Entretanto, seu pragmatismo e realismo buscaram demonstrar que, para além de uma moral de foro íntimo, privada, existia uma moral pública, onde se encontram as relações políticas. Dessa forma, ele defendia a autonomia da esfera política, sobretudo em relação à moral e a religião, estabelecendo a distinção entre a moral pública e a moral particular. Maquiavel sustentava que a vida política tem exigências próprias, particulares, que não podem subordinar aos imperativos, pretensamente universais, tanto da moralidade cristã quanto do humanismo estoico ( KRITSCH, 2001).
Para o filósofo, o fazer político envolvia, inevitavelmente, aspectos como a instabilidade, as mudanças constantes e as incertezas, que são características dos acontecimentos sociais. Nesse sentido, seus representantes não poderiam ter por base regras fixas, invariáveis e a priori definidas. Deveriam antes, para o melhor agir, considerar como guia a observação do que se impõe, a necessidade, pois é esta que orientará suas ações e justificará os meios escolhidos para alcançar seus fins.
Segundo Maquiavel, a arte da política deve ter como base organizar a cidade e a sociedade a fim de evitar que se sobreponham os instintos destrutivos da própria natureza humana. Para tanto, a dominação é justificada e se torna um bem, pois tem o caráter de ordenar. Sem esta, o que se vê é o conflito e a anarquia. Ademais, o fato do governante exercer o poder e se manter no comando, é algo grandioso e digno apenas dos fortes. Esse é o papel e habilidade dos príncipes, cuja ausência pode levar ao conflito sem regras e ao desastre.
Diante de cidades-nações em constantes conflitos internos e a mercê de invasões, Maquiavel igualmente constatava como eram inevitáveis os confrontos na esfera política. Mesmo considerando o ideal de paz e harmonia interna – frutos da filosofia grega antiga – para a manutenção de toda ordem e estrutura das cidades, reconhecia os confrontos como inerentes a esse campo. Sua percepção tinha como base a evidência de que nas sociedades políticas havia desejos opostos, palcos da busca pelo poder.
Como um realista, percebia na história dos acontecimentos que os homens, por essa busca de poder, sempre agiram usando da violência, deslealdade e corrupção. Nessa seara, coloca o conflito existente entre os superiores, de mandar e oprimir, e do povo, de ser livre. Entretanto, mesmo acreditando na nobreza do direito à liberdade, entende que para alcançar determinados objetivos, como por exemplo o sonho de ver a unificação da nação, acredita que os governantes precisam agir com firmeza e ousadia, utilizando-se de todos os métodos necessários para esse fim maior. Para o filósofo, no campo da política não há espaço para as utopias.
Essa visão ousada e inovadora de Maquiavel revolucionou a relação da sociedade com o Estado. Sua forma prática e estratégica de ver a política levou muitos à desconfiança, mas também inspirou a muitos outros. Seu conhecimento da política foi inconteste. Sua principal obra, “O Príncipe”, foi – segue sendo? – a indubitável referência do fazer político para os governantes, fazendo de Maquiavel uma leitura obrigatória para todos os interessados em política e guerra, e na arte de governar.
Ainda que muitos tenham distorcido suas ideias, o que chegou a render o adjetivo “maquiavélico” ao descrever uma pessoa astuciosa, capaz de atos imorais, desleais ou violentos no afã de conquistar seus objetivos – se vê aí o ditado “os fins justificam os meios”, que nunca esteve escrito na obra do filósofo –, uma leitura mais atenta mostra que, em suma, Nicolau não desacreditava da ética na política ou pregava a opressão, apenas descrevia a realidade em que vivia. E foi corajoso o suficiente para romper paradigmas.
Considerações finais
Não obstante as opiniões divergentes, Maquiavel revolucionou ao romper a ligação entre política e ética. O preço foi ter seu nome definitivamente associado à percepção de uma política astuta, dissimulada, de enganação, onde não importam os meios para alcançar os fins desejados. Visto como pensador maldito à sua época, segue até hoje como um autor polêmico, cujo nome derivou o negativo e amplamente utilizado adjetivo “maquiavélico”.
Entretanto, um olhar mais detalhado revela o brilhantismo de sua obra. Dotado de grande perspicácia e sólida formação intelectual, aliados ao poder político do qual dispôs por certo tempo, pode colocar a nu a verdade efetiva da realidade que vivenciava. Maquiavel rompeu com uma poderosa tradição milenar, discordando de conceitos da Antiguidade e de dogmas da Igreja Católica.
Para a sobrevivência do governante, era necessário utilizar de quaisquer meios necessários para manter o poder. A moral da vida cotidiana não poderia comandar ou servir de guia para os afazeres políticos, dados como instâncias diferentes, cada qual com suas peculiaridades e objetivos. Mesmo inserido em controvérsias, a importância de sua obra foi tanta, que segue influenciando e inspirando a maneira de pensar e fazer política até os dias atuais.
Referências bibliográficas
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução de Roberto Grassi. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.