A União Africana (UA) adotou como tema para 2025 “Justiça para Africanos e Pessoas de Ascendência Africana por Meio das Reparações”, um compromisso com a reparação das injustiças históricas causadas pela escravidão, colonialismo e discriminação sistêmica. Esta iniciativa busca reconhecer e corrigir os impactos duradouros dessas injustiças nas comunidades africanas ao redor do mundo.
No centro desse movimento está a recuperação das narrativas africanas
Por séculos, as perspectivas coloniais e externas obscureceram e distorceram a representação do continente, retratando-o sob uma ótica de primitivismo e inferioridade. Essas narrativas foram usadas para justificar a subjugação e exploração colonial.
Escritores e contadores de histórias africanos
Diversos escritores e contadores de histórias africanos têm se dedicado a criar uma literatura que represente as experiências autênticas de seus povos. Eles desafiaram diretamente os mitos coloniais e afirmaram o rico patrimônio cultural do continente.
Entre eles, destaca-se Ngũgĩ wa Thiong’o, do Quênia, uma voz ativa na descolonização da literatura africana. Ele enfatiza o uso das línguas africanas como um pilar fundamental para a preservação e promoção das narrativas indígenas.
Outra escritora notável é Bessie Head, nascida na África do Sul e internacionalmente aclamada. Sua obra “When Rain Clouds Gather“ apresenta um retrato sensível da vida rural em Botsuana, abordando temas como exílio, identidade e sobrevivência. Através de suas narrativas, Head ilumina as lutas das comunidades africanas, explorando profundamente questões de justiça social e os desafios das transições pós-coloniais. Seu trabalho permanece um poderoso testemunho das realidades vividas pelas sociedades africanas.
Por que os africanos devem contar suas próprias histórias?
A importância da contação de histórias ganha ainda mais relevância em 2025, à medida que a União Africana coloca ênfase nas reparações — um processo que destaca a necessidade urgente de recuperar o poder de narrar as histórias africanas a partir de uma perspectiva própria. A reparação das injustiças históricas envolve não apenas restituições materiais, mas também a restauração da dignidade e da identidade. Contar suas próprias histórias permite que africanos e seus descendentes enfrentem e desfaçam os danos duradouros deixados pelo colonialismo e pela escravidão.
Além disso, essas narrativas são essenciais para a preservação do patrimônio cultural. Durante séculos, as culturas africanas se basearam em tradições orais para transmitir conhecimento, valores e história de geração em geração. Registrar essas histórias em formatos impressos e digitais ajuda a protegê-las contra a homogeneização cultural e a perda de identidade causada pela globalização. Manter vivas essas narrativas fortalece a identidade e a resiliência das comunidades africanas.
O impacto de grandes escritores africanos
O reconhecimento global da literatura africana amplifica ainda mais esse movimento. Escritores como Chinua Achebe e Chimamanda Ngozi Adichie conquistaram destaque internacional, levando as histórias africanas a círculos literários globais. Suas obras desafiam estereótipos e oferecem uma visão autêntica das sociedades africanas, permitindo que leitores de todo o mundo se engajem com o continente de forma mais profunda e significativa.
Chinua Achebe, considerado o “pai da literatura africana”, combateu diretamente os discursos coloniais com sua influente obra “Things Fall Apart“. Ao retratar a sociedade Igbo pré-colonial com toda a sua complexidade, Achebe recuperou a história e a cultura africanas das representações reducionistas do Ocidente. Suas obras exaltam a dignidade e a riqueza das tradições africanas, ao mesmo tempo em que expõem os impactos destrutivos da colonização.
Chimamanda Ngozi Adichie continua esse legado, trazendo as histórias africanas para o presente. Seu romance “Half of a Yellow Sun“ oferece uma visão profunda da Guerra de Biafra, na Nigéria. Adichie celebra a resiliência das comunidades africanas, retratando personagens comuns enfrentando desafios extraordinários. Seu trabalho combate estereótipos e reforça uma identidade africana dinâmica e em constante evolução.
No contexto da reparação histórica, a contação de histórias se torna um meio de restituição cultural e intelectual. Se a compensação financeira pode ajudar a reduzir desigualdades econômicas, recuperar narrativas perdidas combate as injustiças epistemológicas impostas aos povos africanos. A correção dos registros históricos, a celebração das conquistas africanas e o reconhecimento das contribuições do continente para a civilização mundial são partes fundamentais desse processo.
Essas narrativas também inspiram as novas gerações. Para um jovem africano ou descendente de africanos, ver sua história e cultura representadas de forma digna fortalece a autoestima e a identidade. Esse empoderamento é essencial para formar líderes que valorizam seu patrimônio e que contribuirão para a transformação de suas comunidades.
Além disso, o tema da União Africana para 2025 enfatiza a unidade entre africanos e a diáspora. Histórias compartilhadas podem transcender barreiras geográficas e culturais, unindo pessoas de ascendência africana em torno de uma identidade comum. Essa coesão é essencial para fortalecer o movimento de justiça reparatória, garantindo que todas as vozes africanas sejam ouvidas e valorizadas.
Com a declaração de 2025 como o ano da “Justiça para Africanos e Pessoas de Ascendência Africana por Meio das Reparações”, o papel dos escritores e contadores de histórias africanos se torna ainda mais crucial. Ao desenvolver essa arte, esses narradores desafiam distorções históricas, preservam a cultura e capacitam as futuras gerações. Suas contribuições são fundamentais para o movimento mais amplo de justiça reparatória, assegurando que africanos e seus descendentes reivindiquem suas próprias histórias e ocupem seu lugar de direito na história mundial.
Texto traduzido do artigo Reclaiming narratives: African storytelling as a path to justice and reparations, de Mohamed Mohamud, publicado por Global Voices sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: Global Voices.