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A utilização chinesa do Smart Power na Nova Rota da Seda

Arte: Camila Benzaquen - Imagens: Daboost e naruedom de Getty Images, ambas via Canva Pro

O objetivo mor deste artigo é demonstrar e analisar as iniciativas chinesas na construção da Belt and Road Initiative sob a ótica do smart power, teoria de Relações Internacionais desenvolvida por Joseph Nye. Dessa forma, o presente trabalho se dividirá em três seções; na primeira seção será exposto as teorias desenvolvidas por Joseph Nye, como soft power, smart power e hard power. Conseguinte, no capitulo dois, será retratado o projeto faraônico de infraestrutura liderado pela Republica Popular da China (RPC), que abarca uma gama de relações com diversos países, e na terceira seção será demonstrado como a China está utilizando o smart power para obtenção de êxito em suas relações com os mais diversos Estados. Nesse sentido, a metodologia utilizada na análise foi a abordagem qualitativa e pesquisa bibliográfica com amparo da teoria smart power.

O estudo sobre poder e seus desdobramentos sempre será o cerne das relações internacionais, visto que as relações entre os Estados soberanos são pautadas em interesses que podem sofrer modificações ao decorrer do tempo. Diante da ascensão de poder da RPC (China), uma teoria desenvolvida por Joseph Nye se enquadra no projeto gigantesco de infraestrutura e de poder, visto a gama de Estados envolvidos neste projeto e as interconexões que estão envolvidas com a China em tal objetivo como é a Belt and Road Initiative (BRI), também conhecida como Nova Rota da Seda. Destarte, a utilização do smart power será de extrema valia para o Estado chinês obter êxito nesta obra de arquitetura faraônica, na qual envolve diversos atores estatais e não estatais.

A construção da Nova Rota da Seda faz parte de um plano ambicioso e, ao que tudo indica, bem possível de ser concretizado da China se tornar a principal potência geopolítica até 2050. A utilização do smart power pela China na construção da Nova Rota da Seda será exposta como uma forma de projeto de poder para a conjuntura internacional embasada mais agudamente por Joseph Nye (2011). Neste trabalho será exposto que todos os recursos de poder são relevantes, porém a desenvoltura de aplicação do poder pelo Estado chinês deve ser modificada conforme seus interesses para ter influencia e poder decisório no cenário internacional.

Smart Power

Joseph Nye, um dos maiores pensadores de relações internacionais, autor de diversos livros sobre o significado de poder no mundo, desenvolveu o conceito de smart power (poder inteligente) como sendo uma forma de poder dentro do tabuleiro geopolítico. Mas antes de descrever o smart power, esse trabalho precisa esclarecer duas formas de poder também tipificadas por Nye e que frequentemente estão em voga nas relações internacionais, que são: o soft power (poder brando) e o hard power (poder duro). Na obra “Soft Power: The Means to Success in World Politics”, Nye explana e apresenta o conceito e sua utilização.

Nye apresenta o soft power como sendo “a capacidade de atingir os resultados desejados através de atracção e persuasão, em vez de coerção ou pagamento”. A utilização do soft power não fica restrita apenas aos Estados, sendo essa forma de poder podendo ser empregada aos atores não-estatais. Conforme ressalta Nye, o poder é “a capacidade de influenciar outros para obter resultados desejados” sendo no caso do soft power, o poder provém da atratividade da cultura, dos ideais políticos e das politicas de um país.

O conceito de soft power é uma das inovações mais notáveis na disciplina das relações internacionais desde o final da guerra fria. É uma das poucas ideias desenvolvidas na academia que foi adotada com sucesso por formuladores de politica em todo mundo (STUENKEL, 2018).

Divergindo do soft power, o hard power é a capacidade de usar recompensa e punição mediante a utilização de força econômica e militar para forjar que outros sigam a sua vontade. Sendo assim, o hard power se caracteriza por sua junção de utilização de meios militares e econômicos divergindo do soft power. De acordo com Nye, soft power e hard power devem se complementar para que um Estado seja capaz de preservar sua posição hegemônica, ou vir a ser um ator hegemônico, não conseguindo se focar em apenas uma dessas duas fontes de poder, e sim nas duas, para que sejam complementares e efetivas (NYE, 2002).

Tendo conhecimento do significado dessas duas formas de poder, soft power e hard power, Nye aborda uma terceira forma de utilização de pujança, conhecida como smart Power. De acordo com Nye: “Utilizei o termo smart power em 2004 para fazer ver às pessoas que o meu argumento não era o de que o soft power estava a substituir o hard power, mas sim que era necessário descobrir a melhor forma de combinar recursos de soft e hard power em estratégias eficazes – e essas estratégias constituiriam smart power. Portanto, utilizei o termo não com o intuito de substituir soft power, mas apenas para recordar que o objetivo do poder é atingir os resultados desejados. Por vezes fazemo-lo com recursos duros e outras com recursos suaves; por vezes os dois reforçam-se um ao outro, e outras vezes podem atrapalhar-se um ao outro (NYE, 2011).

Pegando essa explicação como conceito de smart power e usando o embasamento de Nye, essa forma de poder utiliza uma junção de argumentos tanto do soft power quanto do hard power. Na seção seguinte, o trabalho apresenta a proposta do governo chinês de investir um trilhão de dólares no exterior para amplificar novas rotas de comércio terrestres “cinturão’’ e marítimas “rotas’’ em torno do mundo. Observaremos como a China utiliza elementos dessa forma de influência para obter sucesso na sua obra gigantesca que irá interligar diversas partes do mundo.

Belt and Road Initiative

Xi Jinping utilizou o termo One Belt One Road pela primeira vez em uma palestra na Universidade Nazarbayev do Cazasquistão em 2013. Desde então, virou prioridade do governo, alterou de nome para Belt and Road Initiative e tem sido promovida pelo premier chinês Li keqiang e pelas embaixadas chinesas, quando lidam com países ao redor do mundo (GEROMEL, 2019).

A Rota da Seda, como ensinada nas escolas, sendo uma das poucas referências à China antiga, era uma série de rotas que permitiam o comércio da seda chinesa entre o Oriente e a Europa, daí o seu nome e importância como maior rede comercial do passado. Caravanas atravessavam o continente asiático com carregamentos de diversos produtos, em especial a porcelana e a seda, perdendo relevância com a descoberta do caminho marítimo ligando pelos oceanos a Europa e a Ásia. A rota tinha como escopo, a implantação de rede comercial entre os mercadores e de uma rede multiétnica-cultura entre os países associados. Nessa rede, como faz alusão ao nome, a seda era o primacial produto comercializado.

A Rota da Seda foi suprimida em 1453, quando o Império Otomano sabotou o comércio entre Oriente e Ocidente ao fechar as rotas de comércio. Com o fechamento da Rota da Seda, comerciantes necessitavam descobrir novos meios de acessar o Oriente. Desapontava a Era dos Descobrimentos (1453-1660 d.c.), o que seria caracterizada por exploradores europeus se desbravando nos navios em busca de novas rotas marítimas para substituir o comércio terrestre.A BRI traz à tona o anseio da China de retomar o protagonismo e a potencia econômica, cultural e comercial, que por séculos o país desfrutou. Ainda de acordo com o presidente Xi Jinping em seu discurso na abertura do fórum Belt and Road em 2017:

As antigas rotas da Seda incorporam o espirito de paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizado mutuo e beneficio mutuo. O espírito da Rota da Seda se tornou uma grande herança da civilização humana. A glória das antigas rotas da seda mostra que a distância geográfica não é intransponível. Se dermos o primeiro passo corajoso um para o outro, podemos seguir um caminho que leva á amizade, desenvolvimento compartilhado, paz, harmonia e um futuro melhor. (tradução autor).

A dissonância da antiga Rota da Seda que contemplava principalmente o comércio, a BRI abrange também incluir o fluxo de serviços financeiros, de informação, de tecnologia e de indivíduos. De acordo com a Gavekal Research, os órgãos financeiros do governo chinês asseguraram emprestar 345 bilhões de dólares, os bancos comerciais estatais, 233 bilhões de dólares; além disso 40 bilhões de dólares do “fundo da estrada da seda da China”, 100 bilhões de dólares do Banco Asiático de investimento em infraestrutura coordenado pela China e 59 bilhões de dólares do Banco Mundial.

A utilização chinesa do Smart Power na Nova Rota da Seda 3
Fonte: MERICS

Apontada por alguns especialistas como “PLANO MARSHALL deste século”, utilizando dados quantitativos, a BRI já correspondeu mais que o Plano Marshall, que teve como finalidade principal reconstruir a Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. De acordo com Xi Jinping, o Estado chinês criou uma plataforma para auxiliar a si mesmo e a outras nações simultaneamente.

Sendo assim, Xi considera a BRI como o “projeto do Século”. A RPC utiliza a retórica do win-win global, ou seja, todos envolvidos na nova rota da seda ganham fazendo parte do projeto. Contudo, envolvendo um projeto tamanha envergadura, é conjecturado que algumas situações não vigorem como planejado. Na seção três deste trabalho, será descrito a utilização da teoria do smart power como uma das formas de poder que o Estado chinês terá que desenvolver para ter um maior êxito em negociações de médio e longo prazo.

A utilização do smart power na Nova Rota da Seda

Uma das premissas advogada por Nye em seus estudos sobre smart power é a ideia do poder na contemporaneidade buscar de mais predicados do que somente a capacidade coercitiva “hard power” e a concepção de que as relações sociais no espaço internacional são desenvolvidas pela relação agente e estrutura. Como o próprio Nye afirma em seu livro “O Futuro do Poder”, apesar de ter nascido e pensado sobre a realidade dos EUA, as axiomas e práticas deste tipo de poder não são exclusivamente de uma ótica estratégica dos americanos, mas sim, uma vertente que pode servir como baluarte para uma análise de qualquer Estado dentro do sistema internacional no século XXI.

O autor ainda descreve que o smart power não é simplesmente o soft power 2.0, mas sim, uma forma de habilidade de poder combinando hard power e soft power em estratagemas concretas em vários contextos (NYE, 2011, P.15). Diante da iniciativa de infraestrutura envolvendo uma gama enorme de atores estatais e não estatais, de condições assimétricas no contexto geopolítico, será condição sine qua non na visão deste trabalho o Estado chinês utilizar o smart power como uma forma de lograr sucesso. Quanto mais germinam investimentos chineses em nações instáveis, mais a resolução de Pequim de não se embaraçar em assuntos internacionais será afrontada.

A estratégia inteligente chinesa deve ser preparada para lidar com estruturas de poder muito assimétricas em diferentes esferas e compreender os compromissos entre eles. Assim como os investimentos econômicos, que foram descritos anteriormente na seção II, serão importantes para o Estado chinês na RBI, a iniciativa pode aumentar aos poucos a presença militar da China em sua vizinhança, como é o caso da construção de portos que podem ser usados como fins militares em Myammar, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh, avocada como uma estratégia comumente referida como “cólar de pérolas”.

Conforme Stuekel descreve em sua obra “a presença crescente da China na Eurásia pode aumentar as tensões com Moscou, uma vez que interpretam os planos de Pequim como uma intrusão em seu quintal tradicional”. Existe também as complicadas relações entre China e Índia, pela chamada LAC (Linha de Controle Real) considerada a fronteira factual entre o território controlado pela China e pela Índia na inexistência de um acordo sobre uma fronteira real. A demarcação é embasada na linha de cessar-fogo estabelecida informalmente posteriori a efêmera, mas sangrenta batalha que os dois países travaram em 1962. A derrota acachapante da Índia outorgou a Pequim solidificar seu controle sobre a área de Aksai Chin, no lado oeste da fronteira e localizada na escusa região da Caxemira.

Atualmente China e Índia mantem a discordância sobre onde precisamente essa linha se encontra em pontos diferentes, e as premissas de tais discordâncias sucede da demarcação tipificada pelos administradores coloniais britânicos da Índia. Ambos os países reforçam suas reivindicações por meio da construção de infraestrutura para obter uma superioridade tática nesta área remota do mundo.

Existe também a questão do Baluchistão, uma região que fica dividida entre Paquistão e Irã com também uma parte ao norte do território do Afeganistão na qual possui um movimento pró-independência e que tomou destaque devido a região do Baluchistão paquistanês ser uma região muito importante devido a sua localização do ponto de vista logístico recebendo maciço investimento chinês. O novo porto chinês no Paquistão será localizado no Baluchistão, uma região que está recebendo atividade de extração de gás natural e que exigirá da China habilidades não só de cunho econômico, mas também possivelmente de meios coercitivos.

Apesar de os EUA a priori não estarem envolvidos na iniciativa chinesa BRI, o tamanho e a dimensão de tal iniciativa trarão consequências para relacionamento entre Pequim e Washington, basta observar a guerra já declarada pelo presidente americano Donald Trump com relação a questões comerciais ou sobre a implementação da tecnologia 5G pela empresa chinesa HUAWEI em alguns países do cenário internacional. Existem embaraços entre os dois países no tocante ao Mar do Sul da China, também conhecido como Mar Meridional, área que a China defende na totalidade como sendo sua, e que embora os EUA não possuam nem reivindique direito jurídico sobre partes do Mar do Sul da China, os americanos configuram-se como um importante ator nas dinâmicas marítimas, possuindo diversos aliados na região abrangendo o Mar Meridional.


As atividades correntes chinesas no Mar Meridional apontam que Pequim não vai acatar ser uma superpotência econômica por muito tempo sem um peso militar significativo. O Estado chinês terá que possuir habilidades para combinar hard power e soft power em estratégias efetivas em vários contextos como foi descrito no presente trabalho para conseguir obtenção de sucesso na iniciativa BRI. Conforme descreve Nye:

Uma narrativa para o smart power no século XXI, não é somente sobre maximização do poder e manutenção da hegemonia. É principalmente, sobre encontrar caminhos para combinar recursos dentro de uma estratégia de sucesso em um novo contexto de difusão de poder e ascensão dos outros atores. (NYE, 2011, P. 208).

Considerações Finais

A presente pesquisa buscou realizar uma análise descritiva sobre a utilização do smart power na construção na belt road iniciative através de conceitos desenvolvidos por Joseph Nye. Está solidificado que a Nova Rota da Seda vai ser imperativa e está exigindo de a China utilizar-se de partes do conceito de Smart Power para entender o cenário e estabelecer a melhor estratégia de conduta tendo em consideração uma convergência de hard e soft power.

Referências bibliográficas:

ARAÚJO, Jaiara; REIS, Danilo; SCHERER, Lucas. Protagonismo Chinês no Mar Meridional. Revista de Análise Internacional, Curitiba, Vol.4, n.2, jul/dez. 2019, pp.37-57

BBC NEWS. CHINA X ÍNDIA: o que é a Linha de Controle Real, pela qual as duas potências asiáticas brigam há décadas.

GEROMEL, Ricardo. O PODER DA CHINA: o que você deve saber sobre o país que mais cresce em bilionários e unicórnios – São Paulo: Editora Gente, 2019.

NYE, Joseph S. Paradoxo do Poder Americano. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

NYE (Jr). J.S. The future of Power. Nova Iorque: PublicAffairs, 2011.

REIS, Bruno Cardoso. O poder e as relações internacionais: Entrevista com Joseph Nye. Relações Internacionais, Lisboa, n. 31, p. 181-190, set. 2011.

STUENKEL, Oliver. O mundo pós- ocidental: potências emergentes e a nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

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