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Trump quer que os EUA “assumam o controle” de Gaza e realoquem a população. Isso é legal?

Imagem por CHUTTERSNAP. Via Unsplash.

Em uma surpreendente coletiva de imprensa em Washington, o presidente dos EUA, Donald Trump, propôs que os Estados Unidos “assumissem o controle” da Faixa de Gaza e realocassem permanentemente os quase dois milhões de palestinos que vivem lá para países vizinhos.

Trump já havia solicitado anteriormente que Egito e Jordânia reassentassem os palestinos de Gaza, algo que ambos os países rejeitaram firmemente.

Seus novos comentários – e a possibilidade de uma tomada dos EUA sobre um território soberano – foram imediatamente recebidos com críticas e questionamentos sobre a legalidade dessa ação.

Quando questionado com que autoridade os EUA poderiam fazer isso, Trump não soube responder. Ele apenas mencionou que seria uma “posição de propriedade de longo prazo”. Trump também não descartou o uso de tropas americanas.

Mas, afinal, o que diz o direito internacional sobre essa ideia?

Os EUA podem assumir o controle de um território soberano?

A resposta rápida é nãoTrump não pode simplesmente tomar o território de outra nação.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, o uso da força é proibido pelo direito internacional. Essa é uma das bases do direito internacional desde a criação das Nações Unidas.

Os EUA só poderiam assumir o controle de Gaza com o consentimento da autoridade soberana do território. Israel não pode ceder Gaza aos EUA. A Corte Internacional de Justiça determinou que Gaza é um território ocupado – e que essa ocupação é ilegal segundo o direito internacional.

Portanto, para que isso acontecesse de forma legal, Trump precisaria do consentimento da Palestina e do povo palestino para assumir o controle de Gaza.

após o acordo de cezar fogo entre Israel e Hamas, famílias puderam voltar as suas casas em Gaza
Foto por hosnysalah. Via Pixabay

E quanto à remoção de uma população?

Uma das maiores obrigações de uma potência ocupante está no Artigo 49 das Convenções de Genebra. Esse artigo proíbe que uma potência ocupante transfira ou remova forçadamente pessoas de um território.

Além disso, todos os outros Estados têm a obrigação de não ajudar uma potência ocupante a violar o direito humanitário internacional. Isso significa que, se os EUA quisessem remover a população de Gaza à força, Israel não poderia auxiliar nessa ação. Da mesma forma, os EUA não podem ajudar Israel a violar essas regras.

Potências ocupantes só podem remover uma população por razões de segurança.

Trump e seu enviado ao Oriente Médio, que visitou Gaza na semana passada, mencionaram repetidamente o perigo na região. Trump questionou como as pessoas poderiam “querer ficar” lá, dizendo que elas “não têm alternativa” a não ser partir.

No entanto, a remoção de pessoas por essa razão deve ser apenas temporária. Assim que for seguro para alguém retornar, essa pessoa deve ser autorizada a voltar.

E se as pessoas saírem voluntariamente?

A transferência de uma população deve ser consensual. Mas, neste caso específico, isso significaria o consentimento de todos os palestinos em Gaza. Os EUA não poderiam forçar ninguém a se mudar contra sua vontade.

Além disso, um governo, como a Autoridade Palestina, não pode dar esse consentimento em nome de todo um povo. As pessoas têm o direito à autodeterminação – o direito de decidir seu próprio futuro.

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Um exemplo claro é a migração – se uma pessoa migra de um Estado para outro, isso é um direito. Não é deslocamento forçado. Mas deslocá-las à força não é permitido.

Além disso, usar algo que pareça uma ameaça também não seria considerado consensual. Isso incluiria declarações como: “Se você ficar, vai morrer porque haverá mais guerra. Mas se sair, terá paz.”

Essa é uma ameaça implícita de uso da força.

Forçar pessoas a sair seria limpeza étnica?

A limpeza étnica não foi definida em nenhum tratado ou convenção.

No entanto, a maioria dos especialistas em direito internacional utiliza a definição do relatório da Comissão de Especialistas sobre a ex-Iugoslávia, apresentado ao Conselho de Segurança da ONU em 1994. Esse relatório definiu limpeza étnica como: “Tornar uma área etnicamente homogênea utilizando força ou intimidação para remover pessoas de determinados grupos da região.”

Portanto, de acordo com essa definição, a proposta de Trump poderia ser classificada como limpeza étnica – já que sugere remover o povo palestino de uma determinada área geográfica por meio de força ou intimidação.

cenas de destroços da guerra deixados em Gaza
Foto United Nations Photo. Via Openverse.

O que pode ser feito se Trump seguir adiante?

Se Trump levar esse plano adiante, isso seria uma violação do jus cogens – ou seja, das regras fundamentais que sustentam o direito internacional.

O direito internacional determina que nenhum país pode cooperar com outro na violação dessas regras e que todos os países devem tentar impedir ou prevenir possíveis violações. Isso pode incluir impor sanções a um país ou negar apoio, como não vender armas.

Um exemplo claro foi quando a Rússia anexou ilegalmente a Crimeia em 2014poucos países reconheceram esse ato. Após a invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, a Rússia foi alvo de sanções e congelamento de ativos, entre outras medidas.

Se Trump seguisse esse caminho, ele poderia ser pessoalmente responsabilizado pelo direito penal internacional, caso fosse o responsável por instigar a transferência forçada de uma população.

A Corte Penal Internacional já emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o ex-ministro da Defesa de Israel e um comandante do Hamas em relação ao conflito.

O risco desse tipo de linguagem

Um dos perigos desse tipo de retórica é o potencial de desumanizar o inimigo ou o outro lado.

Trump faz isso com declarações como: “Se você olhar ao longo das décadas, é só morte em Gaza”, e que realocar as pessoas para “casas bonitas onde possam ser felizes” seria melhor do que permanecer e ser esfaqueado até a morte. Essa linguagem sugere que a situação em Gaza ocorre devido à ‘natureza incivilizada’ da população.

O risco no momento é que, mesmo que Trump não leve adiante o que propõe, apenas vocalizar essa ideia já desumaniza o povo palestino. Isso, por sua vez, pode levar a mais violações das regras de guerra e do direito humanitário internacional.

A maneira indiferente com que Trump fala sobre tomar um território e mover uma população cria a impressão de que essas regras podem ser facilmente violadas, mesmo que ele próprio não as quebre.

Texto traduzido do artigo Trump wants the US to ‘take over’ Gaza and relocate the people. Is this legal?, de Tamer Morris, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.

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