Conjuntura do Médio Oriente na década de 1970
Durante a década de 1970, a conjuntura instaurada no Oriente Médio esteve marcada principalmente pela regulação do escoamento da produção de petróleo, a qual desencadeou a Crise de 1973; e também, pela Guerra do Yom Kippur no mesmo ano. Tudo isto, em meio à Guerra Fria e a disputa bipolar de poder entre o bloco capitalista e o bloco socialista. No Irã, objetivo desta análise, a situação era ainda mais complicada considerando as reformas adotadas pelo Xá Mohammad Reza Pahlevi, após a Crise do Petróleo.
A revolução Branca e os antecedentes da Sexta-Feira Negra do Irã*
Tais reformas fizeram parte da chamada Revolução Branca e consistiram na tentativa de suprimir o islamismo e fortalecer a monarquia iraniana, além de consequentemente, fortalecer a autocracia de Pahlevi. Entre as mudanças promovidas pelo Xá, segundo Traumann (2010), ocorreram privatizações, foi cedido o direito ao voto às mulheres e questões ligadas à reforma agrária.
O discurso do Xá era repleto de promessas de modernização e laicização do Irã. Porém, Foucault (2010) presente no país à época, colocava em xeque justamente esses ideais os quais ele julgava retrógrados e que serviriam apenas para afastar o Irã do tradicionalismo e, obviamente, do Islamismo.
Os fatos supracitados somados à crescente desigualdade que imperava no país e a atuação cada vez mais violenta e repressiva da Savak – polícia secreta iraniana diretamente ligada ao Xá – começavam a estabelecer a insatisfação popular e de líderes religiosos, formando o cenário pré-revolução. Apesar da grande oposição popular e religiosa, Pahlevi se fortaleceu.
Todavia, a tradição religiosa detinha um certo poder de influência. Traumann (2010) ressalta que a Savak raramente entrava em mesquitas. Portanto, foram nestes locais que a oposição ganhava força, em especial através do líder religioso Ruhollah Khomeini. A força de Khomeini era tanta que em 1978, “o aiatolá assumiu a liderança do movimento clerical. Seu carisma e enorme popularidade possibilitaram a adesão dos diferentes grupos e correntes em torno do ideal único do fim da monarquia e posterior instauração de um governo islâmico” (BRUNO, 2014, p. 54).
Relação Estados Unidos e Irã
É de conhecimento geral dos estudiosos de Relações Internacionais e teorias geopolíticas e importante ressaltar que durante a década de 1970, a relação entre Estados Unidos e Irã era de bastante proximidade. Bruno (2014) afirma, inclusive, que ocorreram nomeações de estrangeiros – britânicos e estadunidenses – a postos estratégicos no Irã.
Todavia, esta proximidade viria a mudar com as eleições de 1976 e a vitória de Jimmy Carter à presidência dos EUA, pressionado pelos Direitos Humanos. Além disso, é sabido também que, neste período, através da Doutrina Carter impulsionada pelos pensamentos de Brzezinski, o Oriente Médio integrava a projeção estratégica norte-americana, na qual o Irã era peça-chave. A perda deste apoio internacional trouxe a percepção do enfraquecimento de Pahlevi e, consequentemente, fortaleceu a oposição.
1978 e o massacre de 8 de setembro: a Sexta-Feira Negra
Ao longo de 1978, as manifestações aumentaram consideravelmente no Irã. Em agosto, após o polêmico incidente no Cinema Rex, onde centenas de pessoas morreram em um incêndio criminoso atribuído por algumas pessoas à Savak e por outras à militantes islâmicos pró Khomeini, a relação entre a população iraniana e o Xá tornou-se insustentável. Em 7 de setembro do mesmo ano, Reza Pahlevi decreta a lei marcial no país no intuito de coibir as ações populares. Todavia, no dia seguinte houve novo protesto reunindo milhares de pessoas na Praça Jaleh, localizada no Teerã.
A reunião de cunho religioso não foi tolerada pelo Xá o qual ordenou que a Savak fosse de encontro aos manifestantes. O chefe militar Gholam Ali Oleisi e os militares tinham permissão de atirar para matar, caso a manifestação não fosse dispensada. O confronto acabou com inúmeras mortes e centenas de feridos. Pahlevi e seus comandantes alegaram que o número de mortos era de 168 pessoas, porém líderes da oposição afirmam que este número era algo em torno de 4 mil pessoas.
O massacre da Praça Jaleh, em 8 de setembro de 1978, ficou conhecido como a Sexta-Feira Negra do Irã, gerando grande comoção na população. A partir daquele momento, protestos eram organizados periodicamente para relembrar o ocorrido e homenagear os mortos. Entretanto, apesar da gravidade do massacre, o Xá ainda permaneceu no poder.
As consequências do massacre para a política e a legislação iraniana: a República Islâmica do Irã
De qualquer maneira, a Sexta-Feira Negra de 1978 é considerada o estopim para a deposição do Xá Reza Pahlevi e da posterior Revolução Iraniana de 1979 responsável pelo início de uma nova era no país à qual possibilitou o retorno de Khomeini após 13 anos exilado do Irã, levando a população rumo a um governo islâmico. Segundo Foucault (2010), é importante ressaltar que na realidade a intenção do povo não era propriamente uma revolução, mas sim garantir a governança islâmica para o Irã.
Vale ressaltar que, ainda hoje, o Irã é uma República Islâmica, ou seja, um Estado confessional, onde a religião interfere na constituição e administração pública de maneira geral. Nenhuma lei civil se sobrepõe ao Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. As bases do atual sistema político iraniano são norteadas pela constituição estabelecida em 1979 e a legislação responde à Lei Sharia.
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* As expressões “Sexta-feira Negra” (do persa جمعه سیاه) e “Revolução Branca” (do persa انقلاب سفید), utilizadas neste texto, são traduções literais das mesmas expressões na língua nativa iraniana. Modificar sua tradução em português poderia alterar o sentido histórico e político dos eventos ocorridos no Irã. Entendemos a importância de rever linguagens, expressões e conceitos, uma vez que vivemos em um país estruturalmente racista, que utiliza, até mesmo inconscientemente, expressões racializadas relegando a população negra a um lugar de inferioridade e ligando ao que é abjeto e ruim. Neste caso, ignorando a conotação histórica, o mais apropriado seria: “Sexta-feira sangrenta” e “Revolução branda e/ou moderada”.
Referências
BRUNO, B. M. Espiritualidade política no governo de Khomeini: O sistema político do Irã após a Revolução de 1979, Repositório Institucional UFSC, 2014.
FOUCAULT, M. Ditos e escritos VI: Repensar a política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
TRAUMANN, A. P. A Fúria de Ajax: 27 anos de relações EUA-IRÃ (1953-1980). Revista Litteris, n. 4, 2010.