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A ausência do multilateralismo na pandemia

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A cooperação internacional em época de crise é o que impede o mundo de entrar em colapso. Um exemplo similar a situação atual é a pandemia que a SARS causou em 2003. O vírus também atingiu escalas globais, porém a sua capacidade de alastramento e mortalidade foram menores graças às medidas eficazes tomadas pelos países e a ágil troca de informação entre eles.

Outras ações também marcam a importância do multilateralismo, saindo do mundo pandêmico e utilizando o Brasil como referência, o país tem projetos feitos pela ABC (Agência Brasileira de Cooperação) que auxiliam países subdesenvolvidos principalmente no setor alimentar como o Banco de Leite Humano e o Cotton-4 + Togo, enquanto que o primeiro busca reduzir a mortalidade infantil, o segundo procura estimular o setor agrícola afim de desenvolver os países e sociedades auxiliadas.

Esta análise tem o intuito de apontar os efeitos negativos no Sistema Internacional causados por atitudes protecionistas e anti-humanitárias por nações centrais e como a cooperação internacional pode ser a saída para esta pandemia.

Protecionismo das grandes nações

Enquanto a doença ainda estava saindo aos poucos da China, alguns chefes de Estado decretaram o “lockdown” em suas soberanias, voos para dentro ou fora do país foram cancelados, regras para o comércio e locomoção de pessoas foram impostas no intuito de impedir que os sistemas de saúde ficassem sobrecarregados para que o número de mortos não atingisse níveis alarmantes (RITCHIE et al., 2020).

Porém, não foram só essas ideias que foram postas adiante, barreiras tarifárias, confiscos de materiais médicos e empresas proibidas de exportar suprimentos para outros Estados, também foram práticas adotadas por países para impedir que sucumbissem ainda mais ao vírus.

Três países reportaram desvios de cargas hospitalares feitos pelos Estados Unidos: Alemanha, Brasil e França. O caso da Alemanha aponta que o país importou 200 mil máscaras, porém estas nunca chegaram ao seu destino e segundo Andreas Geisel, Ministro da Alemanha, a carga teria sido desviada na Tailândia quando os americanos fizeram uma proposta mais alta que os alemães.

Os franceses e brasileiros reportaram situações similares ao importarem máscaras e respiradores, quando de forma inesperada os acordos foram cancelados e os produtos redirecionados para os EUA, fontes dos países indicam que compradores americanos ofereceram valores três vezes maiores que o acordado anteriormente pelos antigos clientes (BBC, 2020).

Além disso, o país tem pedido que a empresa 3M, fabricante das máscaras N95, pare de fazer negócios com o Canadá e América Latina para impedir a escassez de produtos devido à alta demanda, além de coagir a agência a fazer negócios exclusivos com os estadunidenses por meio da “Lei de Produção de Defesa” que prioriza o país como comprador de materiais importantes para a segurança nacional.

Os europeus também têm realizado manobras similares, a França foi acusada de apreender 680 mil máscaras que estavam em direção à República Tcheca, e em março foi reportado que o mesmo país realizou o confisco de máscaras que estavam indo para Espanha e Itália. A Turquia reteve ventiladores que estavam destinados à Espanha com a justificativa de priorizar seus pacientes graves.

A União Europeia é marcada pela sua cooperação e integração regional, entretanto não é o que se tem visto quando a pauta é como o bloco tem reagido no auxílio a membros mais devastados pela doença como a Itália que foi esquecida pela coalizão, mesmo fazendo pedidos por equipamentos para os membros, o país não obteve resposta e em seguida, estes começaram o plano de banir a exportação de insumos essenciais para o combate ao vírus. Coube a China, Rússia e Cuba ajudarem a nação com o envio de suprimentos e médicos para conter o caos instaurado.

 Situação dos países emergentes

Os países desenvolvidos têm apresentado resultados positivos quanto a forma de lidar com o Covid-19, têm seguido as normas da OMS, aumentando seu número de testagem e construindo leitos e hospitais.

Porém, em países subdesenvolvidos a situação é o oposto justamente pelas ações praticadas pelos países mais ricos. O excesso de demanda por suprimentos hospitalares fez com que o controle do alastramento da doença não fosse feito, faltam testes e até mesmo materiais para produzi-los nacionalmente.

Tomando novamente o Brasil como exemplo, tem-se o estado do Rio de Janeiro que conta com 8.869 casos confirmados, não obstante o secretário de saúde, Edmar Santos, fez uma estimativa que indicaria um número 15 vezes maior, atingindo 140 mil pessoas infectadas, apontando a dificuldade de rastrear os focos principais da doença e identificar a curva da pandemia na região.

Apesar do país estar tentando produzir os próprios testes, é preciso importar reagentes de outros lugares, porém estes já estão sendo comprados ou desviados para países centrais.

Os países do continente africano também estão sendo afetados diretamente no combate ao Sars-Cov-2. A África do Sul compartilha do mesmo empecilho que o Brasil, mesmo constituindo de um bom sistema de saúde e rede de laboratórios e um eficiente plano de contenção, a nação sofre com a importação de reagentes continuando reféns de exportadores que já estão com produtos esgotados devido à grande procura, e mesmo quando há oferta o preço está elevado a ponto de não ser economicamente viável para o país.

A cooperação internacional como resposta à crise sanitária

A cooperação internacional recebeu um grande enfoque depois da segunda guerra mundial coma reconstrução dos países destruídos pela guerra a partir de auxílios propostos por países como URSS e os EUA, além da criação da ONU e de outras instituições que visavam a reconstrução do mundo como FMI e Banco Mundial.

A pandemia que estamos vivenciando fez com que os países se fechassem e tomassem atitudes extremamente agressivas frente ao Sistema Internacional conforme visto. A escassez de suprimentos, a sobrecarga do sistema de saúde, a dúvida quanto a letalidade da doença e a dificuldade de se aplicar um isolamento social eficaz, fez com que estas nações adotassem fielmente a sua “raison d’état” (razão de Estado) agindo conforme seu próprio interesse. Embora estejam adotando características do Realismo em suas ações, as nações estão esquecendo a base dessa teoria: A racionalidade.

Em 2003, com a crise da SARS, os países do bloco econômico ASEAN-China se agruparam e ingressaram nas pesquisas da Organização Mundial da Saúde com o intuito de conter o avanço da doença

Em sua reunião especial, os países aceitaram pautas como:

  1. Criação de uma linha de comunicação de emergência para a atualização sobre a situação do vírus;
  2. Controle de imigração rigoroso para impedir que o vírus entre ou saia do país contaminado;
  3. Assessoria política, econômica e sanitária entre os integrantes;
  4. Cooperação entre instituições de pesquisas e treinamento para a contenção e tratamento da doença.

A UNASUL também é usada como referência no combate a doenças que atingem múltiplos países, foi responsável por criar uma Rede Estruturante do Conselho de Saúde Sul-Americano que visava a troca de informações para boas práticas médicas como o aprimoramento na formação de médicos e desenvolvimento da rede sanitárias dos países (BUENO; FARIA; BERMUDEZ, 2013).

A União foi responsável por criar protocolos contra doenças que atingiam a região como a dengue e H1N1, e até mesmo normas foram preparadas para países membros lidarem contra uma possível crise do Ebola (BUSS; TOBAR, 2020).

Além de regulamentos, o bloco criou o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS) que se baseava na interdependência dos Estados e permitia que os ministérios de saúde de cada Estado-membro recebessem elementos sobre novas práticas de medicina, gestão sanitária e intercâmbio de conhecimento (BUENO; FARIA; BERMUDEZ, 2013).

Como visto, a cooperação permite uma rapidez na busca de soluções para obstáculos internacionais devido a integração de redes de pesquisa especializadas no assunto.

Mesmo com provas de que o multilateralismo é a melhor saída para esta pandemia, ou para qualquer outra crise transfronteiriça, por que os países insistem em adotar uma prática isolacionista?

De acordo Blondin e Boin (2020) existem algumas hipóteses que impedem a colaboração (BLONDIN; BOIN, 2020):

  • A politização da calamidade;
  • A forma que cada país é afetado negativamente;
  • A diferença de gestão e cultura;
  • Disputa para assumir a liderança na administração do conjunto;
  • Número de países envolvidos na operação.

Considerações finais

O novo coronavírus mudou as prioridades do mundo, a busca pelo aumento da produtividade passou a ser a procura do bem-estar social e este passou a ser justificativa para os países agirem por interesse próprio diante da pandemia.

Mesmo com atitudes radicais desempenhadas pelos países centrais como o confisco de equipamentos, a situação do Covid-19 não está estabilizada, os números de casos continuam elevados e estratégias de mitigação são necessárias.

Até mesmo em países que haviam controlado o vírus e estavam flexibilizando a quarentena contabilizaram novos casos como a Alemanha que ao adotar novas medidas observou em 24h quase mil pessoas serem diagnosticada com a doença.

O controle da SARS veio a partir do esforço global em impedir que a doença se espalhasse para outros países, houve um controle de imigração, transparência e intercâmbio entre os envolvidos.

A disparidade entre 2003 e 2020 não é tão intensa quanto a diferença entre as integrações econômicas dentre os anos citados, cadeias de produção, sedes e filiais foram abertas em outras regiões do mundo, tornando a economia mundial interdependente.

Logo, com a limitação da circulação de pessoas e fechamento de serviços não essenciais, poderá ocorrer uma grande recessão e consequentemente uma série de aumentos em níveis de criminalidade, fome doença. Especialmente em países mais frágeis como os da América Latina, Caribe e África que possuem grande parte dos seus trabalhadores em setores informais, uma infraestrutura precária, redes hospitalares que não suportam a demanda atual e inviabilização de auxílio governamental devido a situação fiscal (OCDE, 2020).

Embora reação mundial seja a mesma de isolamento e fechamento de serviços, o impacto da pandemia atual poderá ser mais longo e abrangente que o previsto, lidar com o caos instaurado de maneira autônoma não é a decisão mais inteligente a se fazer visto que você depende de outras nações para desenvolver testes, procurar por tratamentos ou vacinas.

O multilateralismo reconstruiu o mundo no pós segunda guerra e mesmo com crises cíclicas ou extraordinárias, foi permitido uma evolução quanto as estatísticas mundiais, a redução da pobreza e igualdade entre os gêneros são exemplos disso.

A cooperação internacional em 2020 tem como aliados a quantidade de blocos econômicos e acordos multilaterais que podem servir de base financeira para impedir uma grande redução do PIB mundial (Produto Interno Bruto) assim como a complexidade e modernização de redes de compartilhamento de dados podem servir como principal plataforma para pesquisar por uma cura.

Referências

BLONDIN, Donald; BOIN, Arjen. Cooperation in the Face of Transboundary Crisis: A Framework for Analysis. [S. l.], 21 jan. 2020. Disponível em: https://academic.oup.com/ppmg/article/doi/10.1093/ppmgov/gvz031/5712132. Acesso em: 10 maio 2020.

BUENO, Flávia Thedim Costa; FARIA, Mariana; BERMUDEZ, Luana. A Cooperação Sul-Sul e as Redes Estruturantes do Conselho de Saúde da Unasul como instrumentos de desenvolvimento regional. CADERNOS do DESENVOLVIMENTO, Rio de Janeiro, v. 8, ed. 12, p. 83-100, 30 jul. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020000400503&lng=en&nrm=iso&tlng=en. Acesso em: 10 maio 2020.

BUSS, Paulo; TOBAR, Sebastián. COVID-19 and opportunities for international cooperation in health. [S. l.], 3 abr. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020000400503&lng=en&nrm=iso&tlng=en. Acesso em: 10 maio 2020.

OCDE. COVID-19 in Latin America and the Caribbean: Regional socio-economic implications and policy priorities. [S. l.], 29 abr. 2020. Disponível em: http://www.oecd.org/coronavirus/policy-responses/covid-19-in-latin-america-and-the-caribbean-regional-socio-economic-implications-and-policy-priorities-93a64fde/. Acesso em: 13 maio 2020.

RITCHIE, Hannah; ROSER, Max; ORTIZ-OSPINA, Esteban; HASSEL, Joe. Policy Responses to the Coronavirus Pandemic. [S. l.], 2020. Disponível em: https://ourworldindata.org/policy-responses-covid. Acesso em: 13 maio 2020.

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