Introdução
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre drogas e crimes (UNODC), a corrupção é um complexo fenômeno social, político e econômico que afeta todos os países do mundo. Em diferentes contextos, a corrupção prejudica as instituições democráticas, freia o desenvolvimento econômico e contribui para a instabilidade política.
Tal ação pode ser compreendida facilmente através de três exemplos, o primeiro é o suborno, que é o uso da recompensa escondida para conquistar um ato, ou omiti-lo, de um funcionário público a seu favor. O segundo é o nepotismo, que é a concessão de empregos ou favores por vínculo, e não por mérito. O terceiro é o peculato, que é o desvio ou apropriação de fundos públicos para uso privado (MIRANDA, 2018, p.240).
Nas últimas décadas a corrupção começou a gerar uma preocupação global, logo que, afetava inúmeros Estados, causando danos na economia e no sistema político, sendo assim, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) foi adotada pela Assembleia Geral em outubro de 2003 e assinada por mais de 110 países, entre eles o Brasil, em 9 de dezembro do mesmo ano, apesar de ser bastante abrangente é o primeiro instrumento internacional anticorrupção juridicamente vinculante.
A convenção
A preocupação com a gravidade do problema e com as ameaças decorrentes da corrupção aumentava ano após ano, voltavam-se os olhos para a instabilidade e a segurança das sociedades, logo que, havia um vínculo com o crime organizado que resultava na penetração em várias esferas, ameaçando não somente a estabilidade política como a economia dos países.
Ademais, houve um convencimento de que a corrupção não se tratava apenas de um problema local, mas sim de um fenômeno transnacional, que afetava negativamente todas as sociedades sem exceção, firmando a necessidade da propositura de uma cooperação internacional para lutar contra ela.
Sendo assim, nasceu a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada em 31 de outubro de 2003 na cidade de Mérida, no México, entrando em vigor em 14 de dezembro de 2005, sendo o único tratado multilateral anticorrupção internacional juridicamente vinculativo.
A convenção é composta por 71 artigos, divididos em oito capítulos, sendo os mais importantes reunidos em quatro, que tratam dos principais temas, sendo eles: a prevenção, a criminalização dos atos de corrupção, a cooperação internacional e a recuperação de ativos.
Destaca-se que o objetivo central permeia sobre o que cada Estado-parte deveria adotar como medidas necessárias para combater e prevenir de maneira mais eficaz e eficiente a corrupção, devendo os mesmos fazerem alterações legislativas além de aplicar as ações necessárias.
Como meio de intensificar o combate, a cada dois anos os países signatários se reúnem para uma conferência a fim de analisar a implementação da Convenção nos respectivos Estados e trocar experiências sobre a prevenção e o combate à corrupção, buscando maneiras mais eficazes de enfrentar a problemática.
Como resultado dessas conferências, em sua terceira realização, houve a criação do mecanismo do Grupo de Revisão de Implementação da UNCAC, cujo objetivo principal era a avaliação do cumprimento dos Estados perante as obrigações estabelecidas pela Convenção, o grupo é composto por especialistas do mundo inteiro.
A revisão é exercida em dois ciclos de avaliação, cada um com 5 anos de duração e realizada através da avaliação de dois Estados, onde as escolhas são feitas por sorteio, embora um deles deva ser da mesma região geográfica do Estado a ser avaliado e se possível com um sistema jurídico no mínimo similar.
O Brasil como Estado signatário
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou seu texto da Convenção por meio do Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005 e pelo Decreto 5687, de 31 de janeiro de 2006, passando a vigorar no país com força de lei.
Como forma de luta contra a corrupção, a legislação adota diversos artigos que condenam tal delito e ao longo dos anos coordenou diversas operações, a que ganhou mais destaque na mídia foi a Operação Lava Jato, que teve início em 2014.
Na última conferência dos países membros da UNCAC, que ocorreu no ano de 2019 em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, o Brasil assinou a carta de adesão para participação na Rede Internacional de Autoridades de Prevenção à Corrupção.
Também no ano de 2019, instituído pelo Decreto nº 9.755 de abril, houve a criação do Comitê Interministerial de Combate à Corrupção (CICC), com a finalidade de assessorar a Presidência na elaboração, implementação e avaliação de políticas de combate à corrupção.
O Governo Federal também chegou a elaborar o Plano Anticorrupção, para o período entre 2020 a 2025, seu objetivo seria aprimorar no âmbito do Poder Executivo Federal, mecanismos de prevenção, detecção e responsabilização por atos de corrupção, avançando no cumprimento e no aperfeiçoamento da legislação anticorrupção, sempre em conformidade com as recomendações internacionais.
Ademais, a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União realizaram em maio de 2021, o lançamento do Programa Nacional de Prevenção à Corrupção, o PNPC, uma proposta voltada aos gestores de organizações públicas com o objetivo de reduzir os níveis de fraude e corrupção no Brasil.
Infelizmente mesmo com a criação de diversos mecanismos de combate a corrupção, o Brasil ainda tem muito pela frente, segundo o ranking de Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC), foi o país que mais caiu no ranking latino-americano que mede a capacidade de cada nação no combate aos crimes corruptos, o país vinha em queda desde o ano de 2019 e piorou com a chegada da pandemia do Covid-19.
18 anos após a promulgação da Convenção
A necessidade da criação da convenção é incontestável, a corrupção foi e ainda é motivo de diversos problemas que encontramos na sociedade, e infelizmente está muito longe de ser erradicada totalmente. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a quantia de fundos desviados pela corrupção nos países em desenvolvimento é 10 vezes superior ao destinado à assistência oficial para o desenvolvimento.
Segundo o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), o principal indicador de corrupção do mundo, mesmo com a promulgação da convenção, a maioria dos países progrediu pouco ou quase nada durante a última década.
Como forma de visualizarmos com clareza os impactos que atos corruptos possuem sobre o mundo, podemos levar em consideração o cenário pandêmico que estamos vivendo recentemente. O último relatório do IPC, realizado em 2020, demonstrou que a corrupção afetou drasticamente a resposta dos Estados contra o Covid-19, inúmeros relatos ao redor do mundo foram constatados nesse último ano, variando entre o superfaturamento e o favoritismo.
A análise do IPC mostra que a corrupção desvia fundos de investimentos essenciais em saúde, deixando comunidades desprovidas de médicos, equipamentos, remédios e, em alguns casos, clínicas e hospitais, o que contribui drasticamente para a piora da situação e retarda a recuperação dos Estados (IPC, 2020, p.8).
A UNODC, escritório das Nações Unidas sobre crime e drogas, lançou recentemente o Projeto Anticorrupção sobre Resposta e Recuperação da COVID-19, com o objetivo de apoiar nove países da África do Sul, América do Sul e Sudeste Asiático, para assim promover respostas eficazes e a recuperação do covid-19 e futuras crises. O projeto se baseia em programas transnacionais sobre transparência e integridade em compras públicas, proteção de denunciantes e mecanismos de supervisão.
Sendo assim, conclui-se que os 18 anos da promulgação da Convenção da ONU ainda não foram suficientes para colocar um ponto final na corrupção, entretanto isso não significa que sua criação não foi necessária, logo que, a partir dela sucederam-se inúmeras campanhas e projetos acerca da temática, e mesmo que o crime não tenha sido erradicado por completo, podemos afirmar que a visibilidade do assunto ganhou um tamanho imensurável.
Referências
BRASIL. Decreto nº5.687 de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção: adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União. Seção 1. 01/02/2006. p. 1
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