A Cruz Vermelha é fruto do empenho único e louvável do suíço Henry Dunant, e resultado do que ele testemunhou, quando de uma viagem pela Itália em 1859, após o desfecho da chamada Batalha de Solferino, travada entre tropas franco-piemontesas e austríacas. Impactado com a condição dos feridos, os quais não contavam com o socorro devido, Dunant decidiu ajudar no tratamento e cuidado dos soldados. Três anos mais tarde, o suíço publicou um livro intitulado “Uma Lembrança de Solferino” (do original, Un Souvenir de Solférino), no qual, além de narrar a sua experiência, fez um verdadeiro apelo para que fossem formadas sociedades voluntárias, a fim de prestar auxílio e socorro aos feridos de guerra.
Não tardou para que a proposta ganhasse apoiadores. Contando com o auxílio de mais quatro cidadãos de Genebra (também chamado de Comitê dos Cinco), realizou-se, em 23 de outubro de 1863, a 1ª Conferência de Genebra, da qual participaram representantes de 16 países europeus. Surge, então, oficialmente, a Cruz Vermelha (ou Comitê Internacional da Cruz Vermelha – CICV).
Dos debates realizados, foi estipulado que não só a organização seria neutra, como também os médicos e seus assistentes. Além disso, foi adotada, como símbolo de proteção, uma cruz vermelha em fundo branco (evidente referência à neutralidade suíça), para facilitar a identificação dos seus integrantes, já que muitos dos que estavam a prestar socorro no campo de batalha acabavam sendo atingidos.
Como consequência de uma posterior conferência diplomática, foi em 1864 que surgiu a Convenção de Genebra, tratado internacional considerado um verdadeiro marco inaugural do Direito Humanitário, o qual, por sua vez, tem como pedra angular a proteção da pessoa. Contando com apenas dez artigos, o documento estipulava, em geral, regras a serem observadas mesmo em tempos de guerra.
De acordo com Castello Branco Fantinato, “Naquele mesmo ano, 10 países participantes da 1ª Convenção de Genebra a ratificaram: em 1867, já eram 21 e, em 1910, quando faleceu Dunant, já eram mais de 40, sendo hoje 186” (FANTINATO, 2017, p. 269).
Em 1901, como reconhecimento de todos os seus esforços, é atribuído a Dunant o primeiro Prêmio Nobel da Paz. O idealizador da Cruz Vermelha veio a falecer apenas em 1910, aos 82 anos de idade, tendo sido o seu prêmio destinado, por meio de testamento, a causas humanitárias e ao pagamento de parte das suas dívidas.
As Convenções de Genebra
No ano seguinte à fundação da Cruz Vermelha, em agosto de 1864, o Comitê se reuniu com representantes de nações europeias para estabelecer a Primeira Convenção de Genebra, a qual introduz normas presentes até hoje no que diz respeito ao tratamento de pessoas em tempos de guerra. Ao todo, são quatro Convenções e três Protocolos Adicionais.
A Primeira Convenção, baseada nas discussões da 1ª Conferência de Genebra, determina a neutralidade do símbolo de socorro, a cruz vermelha em fundo branco, que passou a padronizar não só os símbolos antes usados pelas equipes de saúde e apoio, mas também hospitais e ambulâncias. Outro ponto importante dessa Convenção é a obrigatoriedade em prestar socorros aos feridos de guerra, independente do lado ao qual pertençam. A Segunda Convenção, datada de 1906, estende os mesmos preceitos da Primeira Convenção aos combates marítimos.
A atividade da Cruz Vermelha, do Comitê Internacional e das suas Sociedades Nacionais, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919) foi intensa e serviu como base para o estabelecimento da Terceira Convenção de Genebra, de 1929, que trata dos prisioneiros de guerra e determina as condições de cativeiro, além de prever a libertação e repatriação dos prisioneiros após o fim das hostilidades.
Em 1949, as Convenções foram revisadas e atualizadas, e uma Quarta Convenção foi instituída. Até então, apenas combatentes eram protegidos pelas Convenções, mas com as consequências da Segunda Guerra Mundial, viu-se a necessidade de estabelecer diretrizes para a proteção da população civil. A Quarta Convenção aborda a situação de estrangeiros em território hostil, as obrigações da Potência Ocupante em relação à população civil e o socorro humanitário em território ocupado.
As quatro convenções possuem em comum o Artigo 3º, o qual trata dos conflitos de natureza não internacional. Ele estipula que, caso o conflito aconteça no território de um Estado parte das Convenções, ou se esse Estado estiver envolvido em um conflito, deve-se atender ao menos ao artigo em questão.
O referido dispositivo determina que o tratamento humano seja dado a qualquer pessoa que não esteja ativamente envolvida no conflito, incluindo ex-combatentes que tenham se rendido, proibindo que essas pessoas sejam sujeitas a violências, tais como tortura, assassinato, mutilação, sequestros, humilhações e qualquer tratamento degradante. Dispõe também sobre os cuidados de saúde de todos os que estiverem doentes ou feridos. Visto que grande parte dos conflitos atuais são de caráter não-internacional, o Artigo 3º é de grande importância para garantir a integridade da vida humana.
Os Protocolos I e II, de 1977, surgiram como decorrência dos conflitos não-internacionais e das guerras de libertação nacionais ocorridas no pós-Segunda Guerra. Eles estipulam limites à guerra e fortalecem o tratamento às vítimas dos conflitos nacionais e internacionais. Quanto ao Protocolo II, importa ressaltar que foi o primeiro tratado internacional totalmente dedicado aos conflitos não-internacionais.
Organização e atividades
Para além do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho é também formado por outros dois componentes, as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, sendo todos guiados por sete princípios fundamentais, quais sejam: neutralidade, humanidade, imparcialidade, serviço voluntário, independência, unidade e universalidade (CICV, 2013).
A Federação, fundada em 1919, coordena as diferentes ações de assistência internacional da Cruz Vermelha, atuando como representante das Sociedades Nacionais no âmbito global e promovendo a cooperação entre elas. As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha, por sua vez, são auxiliares das autoridades públicas, no campo humanitário, em cada um dos países em que se encontram. Prestam diversos serviços, não apenas em tempos de guerra, como também assistência em desastres, programas sociais e ações na área de saúde. Também é importante dizer que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha conta, em sua estrutura, com uma Assembleia, com o Conselho da Assembleia, órgão com poder decisório sobre determinadas matérias, como também com um órgão executivo, a Diretoria.
Atualmente, Para além da assistência prestada aos feridos e afetados pelas guerras, o objetivo da Cruz Vermelha é, dentre outras coisas, “proteger a vida e a saúde, garantir o respeito pela dignidade humana (…), trabalhar pela prevenção de doenças e promoção da saúde e do bem-estar social, para favorecer o voluntariado” (CICV, 2013).
A Cruz Vermelha Brasileira
Em 05 de dezembro de 1908, foi fundada a Cruz Vermelha Brasileira (CVB), que teve como primeiro Presidente o sanitarista Oswaldo Cruz. A CVB foi constituída com base nas Convenções de Genebra, ratificadas pelo Brasil, e é uma associação civil, sem fins lucrativos, imparcial e independente de socorro voluntário. A Instituição faz um importante trabalho em conjunto com o poder público, forças militares e de saúde.
Presente em 21 estados, as filiais da Cruz Vermelha Brasileira fornecem diversos serviços à população, como os cursos da Escola de Enfermagem, fundada em 1916, no Rio de Janeiro, e o Hospital da Cruz Vermelha, fundado em 1966, na Capital de São Paulo. Através dos Departamentos Nacionais: Educação e Saúde, Voluntariado, Juventude e Socorros e Desastres, a atuação da Instituição se estende desde campanhas de prevenção contra doenças, como o Projeto Zika, até à participação em eventos internacionais, como a Jornada Mundial da Juventude.
Durante a Pandemia do COVID-19, a CVB tem atuado nacionalmente na prestação de socorro e ajuda humanitária. O Hospital da Cruz Vermelha, em São Paulo, foi convertido em unidade de tratamento exclusiva a pacientes do COVID-19, encaminhados pela rede pública de saúde do município. A Instituição está apoiando também a Campanha de Vacinação contra o Coronavírus através de suas unidades móveis, tendo vacinado mais de 30 mil pessoas distribuídas nos estados do Alagoas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Referências
CICV. Components and bodies of the International Movement of the Red Cross and Red Crescent. 24 de Agosto de 2013. Disponível em < https://www.icrc.org/en/doc/resources/documents/misc/components-movement.htm > Acesso em 19.09.21
FANTINATO, João Marcos de Castello Banco. O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 – 308, Maio/Agosto 2017