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Diplomacia digital: as estratégias adotadas pelos Estados Unidos nos governos Obama e Trump
Diplomacia digital: as estratégias adotadas pelos Estados Unidos nos governos Obama e Trump Diplomacia digital: as estratégias adotadas pelos Estados Unidos nos governos Obama e Trump

Diplomacia digital: as estratégias adotadas pelos Estados Unidos nos governos Obama e Trump

U.S. President Donald J. Trump and Former U.S. President Barack Obama wait to exit the east front steps for the departure ceremony during the 58th Presidential Inauguration in Washington, D.C., Jan. 20, 2017. More than 5,000 military members from across all branches of the armed forces of the United States, including reserve and National Guard components, provided ceremonial support and Defense Support of Civil Authorities during the inaugural period. (DoD photo by U.S. Air Force Staff Sgt. Marianique Santos)

O presente trabalho tem como proposta compreender o conceito de diplomacia digital e objetiva examinar o fenômeno enquanto ferramenta estratégica adotada pelo governo norte-americano nos períodos Barack Obama e Donald Trump, por meio de análises à nível técnico, político e ético. Buscou-se destacar as possibilidades, as influências e o papel das plataformas digitais na construção de uma imagem internacional, alianças estratégicas e relações multilaterais, levando em consideração os benefícios, oportunidades e tendências futuras, bem como a importância dessa abordagem com a recente extensão das iniciativas digitais no âmbito da política internacional. A metodologia adotada neste estudo baseou-se em uma revisão bibliográfica, a partir da qual foram estabelecidas as bases teóricas para a fundamentação do estudo, permitindo uma compreensão e uma análise abrangente de perspectivas no campo de pesquisa. 

Introdução

Com o advento da internet e das redes sociais, os Estados têm utilizado cada vez mais as ferramentas digitais para promover seus interesses e influenciar a opinião pública internacional. A diplomacia digital que é uma área em constante evolução no cenário internacional tem se tornado cada vez mais relevante nas relações entre países. Mesquita (2021) declara que devido a velocidade e amplitude em que as informações circulam graças aos meios fornecidos pela internet, a resolução de conflitos se torna mais fácil, sendo assim, opiniões, debates, provocações, crises e soluções de crises – nacionais e internacionais –, passam pelas redes sociais e outras plataformas digitais, com diferentes níveis de intensidade, de abrangência geográfica e importância. Nesse sentido, os Estados Unidos, objeto de estudo para esse artigo, têm sido um dos países mais ativos na adoção de estratégias de diplomacia digital, buscando se posicionar como líderes mundiais também nessa área.

Diante do exposto, o presente estudo propõe o seguinte questionamento: “quais as estratégias adotadas pelos governos Obama e Trump na prática da diplomacia digital?”, a fim de compreender como se desenvolveu ao longo do tempo, assimilar o seu papel no sistema internacional e comparar ambos os períodos, permitindo investigar a utilização de plataformas digitais, como redes sociais e comunicações on-line, analisando como essas abordagens diferiram, quais impactos tiveram nas políticas externas e como refletiram os objetivos e valores de cada presidência, oferecendo um panorama das transformações na era digital da diplomacia americana.

Objetiva-se neste artigo estudar as estratégias adotadas pelos Estados Unidos na área de diplomacia digital, uma vez que a superpotência tem sido uma das pioneiras nessa prática. Além disso, busca-se entender a evolução da lógica diplomática dos Estados Unidos, que pode fornecer importantes entendimentos para a compreensão da dinâmica das relações internacionais contemporâneas e os meios utilizados pelos Estados na busca de seus interesses.

A metodologia utilizada baseou-se em uma revisão bibliográfica, onde foram selecionadas e analisadas diversas fontes de literatura acadêmica, como artigos científicos e livros relevantes para o tema de pesquisa. De acordo com Marconi e Lakatos (1988), a finalidade da pesquisa bibliográfica consiste em colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, sendo um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados. 

Para Gil (1999), a pesquisa se baseia, principalmente, no desenvolvimento ou até mesmo a modificação de algum conceito, fazendo com que sejam geradas hipóteses a serem trabalhadas em estudo futuro. Os critérios de inclusão e exclusão se deram por meio da acessibilidade das obras e referenciação dos autores, aplicados para selecionar os estudos mais pertinentes e de alta qualidade. A partir dessa revisão bibliográfica, foram estabelecidas as bases teóricas para a fundamentação do estudo, dessa forma, a abordagem permitiu uma compreensão e proporcionou um embasamento teórico sólido para a condução do estudo.

O Poder da Diplomacia Digital

Nos últimos anos, os avanços científicos e tecnológicos têm norteado o rápido desenvolvimento de sistemas de informação, resultando na entrada da internet na esfera das relações internacionais (Sheraliev, 2023). De acordo com Hocking e Melissen (2015, p. 9), a diplomacia “está respondendo às mudanças no ambiente internacional e doméstico, nos principais centros de autoridade, particularmente nos Estados, e no caráter das sociedades nacionais e estrangeiras”, e apesar de atualmente muitos aspectos tradicionais ainda persistirem no campo da diplomacia, com o surgimento da internet a adesão às suas ferramentas se torna indispensável.

A ascensão das redes sociais tornou-se de grande interesse para os praticantes da diplomacia, refletindo a importância central da comunicação nesse campo. (Hocking; Melissen, 2015). Sendo assim, é notável a adoção das redes sociais por embaixadores e embaixadas como um meio de inovação em relação aos seus esforços voltados à diplomacia pública (Sandre, 2015).

É importante ressaltar que os métodos de comunicação utilizados para influenciar audiências não se limita apenas ao campo das redes sociais. Nesse sentido, a postagem de programas de rádio e TV na internet, a distribuição de revistas abertas em formato digital, o monitoramento de discussões no espaço on-line, a criação de páginas pessoais de membros do governo nas redes sociais (Sheraliev, 2023), dentre outros fatores, devem ser considerados na medida em que se debate a atividade digital na diplomacia pública.

Tendo isso em mente, por diplomacia digital entende-se como o crescimento do uso das redes sociais por um país no intuito de alcançar seus objetivos no que diz respeito à política exterior e de forma proativa administrar sua imagem e reputação (Manor; Segev, 2015). No entanto, este conceito tem sido bastante debatido entre os estudiosos, logo, é necessário explorar mais a fundo sua definição. Sheraliev (2023) declara que o conceito de diplomacia digital não possui uma definição clara, tendo em vista que o termo é bastante novo na literatura acadêmica, e ressalta que seu conteúdo pode sofrer mudanças dependendo do conceito emergente de digitalização no estágio atual do desenvolvimento tecnológico da sociedade. 

Todavia, apesar da colaboração dos estudiosos – o que acaba mantendo esse problema de especificação um assunto bastante discutido – e embora esteja se tornando um tópico importante, falta uma definição oficial para o termo que ainda é incerto (Verrekia, 2017). Uma das razões para a falta de precisão na definição está no uso de diferentes nomes para se referir à prática, como “cyber-diplomacy”, “net-diplomacy”, “e-diplomacy” e “twiplomacy” (Verrekia, 2017).

A discussão sobre os variados nomes usados para descrever o termo sugere que cada um enfatiza ou exclui certos aspectos contextuais. Apesar de parecerem inócuos, essas diferentes denominações contribuem parcialmente para a dificuldade em estabelecer uma definição precisa. Por exemplo, “cyber” é geralmente usado para falar de problemas de segurança, “e” para assuntos de negócios, e “twi” deveria ser usado apenas para se referir de forma específica ao Twitter (Verrekia, 2017).

Governo Barack Obama

De forma unânime, estudiosos concordam que as origens da diplomacia digital vêm dos Estados Unidos. Mais especificamente, eles reconhecem as maneiras em que a ex-Secretária de Estado, Hillary Clinton, foi capaz de moldar as estratégias de política externa do Departamento de Estado para explorar novas tecnologias. A dedicação de Clinton em priorizar a diplomacia digital é demonstrada pelo fato de o Departamento de Estado ter 25 setores diferentes em sua sede com foco em diplomacia digital, com mais de um mil funcionários utilizando-a em seu trabalho no país e no exterior (Verrekia, 2017). Logo, no que concerne a liderança de Clinton, o Departamento de Estado era visto como a principal força por trás da promoção de empresas, marcas e plataformas de mídia social, tanto internamente quanto internacionalmente (Sotiriu, 2015).

Contudo, segundo Hallams (2010), é na presidência de Barack Obama que a maior hegemonia do mundo renova o seu interesse pela diplomacia digital. Em 2007, Obama se tornava um dos primeiros líderes mundiais a criar a sua própria conta no Twitter, e atualmente, 193 Estados membros das Nações Unidas possuem uma presença estabelecida na rede social de poucos caracteres (Holmes, 2017). 

Em 20 de janeiro de 2009, Macon Phillips, Coordenador de Programas de Informação Internacional no Departamento de Estado dos Estados Unidos, após a posse do presidente Obama realizou uma postagem no site da Casa Branca informando sobre os princípios orientadores da presença digital da nova administração. A entrada no blog recém-criado tratava-se de uma estratégia que visava colocar os cidadãos em primeiro lugar, centrando-se em torno de três prioridades: comunicação, transparência e participação (Sandre, 2015).

A primeira, comunicação, traz a ideia de amplificação da mensagem que se deseja passar, uma vez que a tecnologia está causando mudanças a respeito de como e onde as pessoas obtêm informações (Phillips, 2015). A segunda prioridade, em termos de acessibilidade e transparência, decorreu do compromisso do presidente com um governo que preste contas às pessoas. Phillips (2015) explica que detalhar o contexto de temas/políticas complexas para pessoas comuns que não acompanhavam estas questões no dia a dia também significava acessibilidade.

Por último, o elemento que diz respeito à participação. Trata-se de observar como dar voz ao povo com a tecnologia, bem como ser um governo responsivo e estar em contato com aquilo que realmente importa para esses indivíduos (Phillips, 2015). Para que isso fosse implementado, ele destaca o desenvolvimento de alguns esforços como o sistema de petições “We The People”, e a participação em bate-papos on-line para identificar as preocupações do público (Phillips, 2015).

Um estudo de 2019 realizado por Sandra Kisakye Nantongo forneceu uma análise comparativa da diplomacia digital das administrações Obama e Trump e sua influência na efetividade da política externa do país. A partir do levantamento, ficou evidente que ambos os presidentes possuem estilos que divergem no que tange a política externa, já que no âmbito doméstico, o estilo de governo de Trump é ser anti-Obama, o que acaba agradando muitas pessoas (Nantongo, 2019).  

Ao serem questionados sobre a efetividade da diplomacia digital, os entrevistados concordaram com o fato de que Obama foi capaz de usá-la durante a sua posse. Houve a discordância de um entrevistado fazendo uma comparação a Trump em virtude de o político republicano ter sido capaz de usar constantemente plataformas digitais mais do que o político democrata (Nantongo, 2019).

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campaigning with a smile (Barack Obama in Austin #3)” de jmtimages está licenciado sob CC BY-NC-ND 2.0.

Para contextualizar a análise de Nantongo sobre os estilos e a efetividade da diplomacia digital sob Obama, é relevante notar o cenário em que esta prática se consolidou. Como aponta Manor (2016), a emergência da diplomacia digital foi impulsionada por fatores como a Primavera Árabe em 2010, que evidenciou a necessidade de monitorar ambientes online, e a tentativa de contrapor narrativas extremistas na internet. Nesse contexto, o Departamento de Estado dos EUA passou a utilizar a internet “a fim de travar uma guerra de ideias e conquistar os corações e mentes dos usuários muçulmanos da internet” (Manor, 2016, p. 3), buscando combater o recrutamento online.

O uso de plataformas de mídias sociais para o gerenciamento de crises externas também foi pauta durante a entrevista. Eles foram perguntados sobre como a diplomacia digital foi usada por Obama. Muitos disseram que ele foi eficaz ao usar o Twitter e outras formas de redes sociais na gestão de crises. Os dados obtidos evidenciaram que essa prática é bastante eficaz para manter uma atitude positiva em relação aos outros países na resolução de crises (Nantongo, 2019).

A administração Obama, nesse cenário, explorou ativamente ferramentas digitais para superar limitações da diplomacia tradicional e engajar diretamente com públicos estrangeiros, uma abordagem cuja efetividade Nantongo (2019) busca avaliar. Uma iniciativa notável, que ilustra essas novas formas de atuação, foi a criação de embaixadas virtuais como a “Virtual Embassy Teheran“, lançada pelo Departamento de Estado em dezembro de 2011. Esta plataforma visava permitir a comunicação online com cidadãos iranianos, contornando a ausência de relações diplomáticas formais (Manor, 2016), demonstrando uma tentativa de estabelecer canais de comunicação alternativos.

As plataformas de redes sociais foram centrais para essas estratégias de engajamento direto com audiências globais, um aspecto fundamental para a discussão de Nantongo sobre a criação de confiança. O Departamento de Estado dos EUA, por exemplo, como destacado por Manor & Segev (2015), utilizou sua página no Facebook para realizar sessões de perguntas e respostas ao vivo com funcionários dos EUA (Manor & Segev, 2015). Essa utilização das ferramentas digitais para gerenciar a imagem nacional, que se reflete nos diferentes estilos analisados por Nantongo, pode ser compreendida através do conceito de “Selfie Diplomacy“, definido por Manor & Segev (2015) como “o uso da diplomacia digital em atividades de nation branding” (Manor & Segev, 2015, p. 1), onde a nação busca ativamente construir e comunicar seu próprio retrato.

Nantongo salienta a importância em avaliar a efetividade desse modelo na criação de confiança entre diplomatas, e reflete se isso pode ser um meio efetivo de diálogo quando formas tradicionais de diplomacia são limitadas ou difíceis de se aplicar (Nantongo, 2019). Expandindo essa reflexão sobre os desafios e a efetividade, Manor (2016) detalha alguns obstáculos inerentes à prática da diplomacia digital sob Obama, que complementam a análise de Nantongo sobre as limitações do diálogo. Diplomatas e instituições tiveram que lidar com “um público online vocal e imprevisível”, incluindo “ataques verbais e discurso de ódio” (Manor, 2016, pp. 5-6). Além disso, as próprias ações de diplomacia digital podiam gerar controvérsias que impactavam a imagem projetada e a percepção de efetividade, como no caso da selfie da então Primeira-Dama Michelle Obama com a hashtag#BringBackOurGirls“. A intenção de chamar atenção para o sequestro gerou uma campanha contrária com a hashtag “#BringBackYourDrones”, que fazia referência ao uso de ataques de drones pela administração Obama contra suspeitos de terrorismo, reacendendo o debate sobre a moralidade das ações dos EUA (Manor, 2016). Esses episódios ilustram a complexidade e os riscos associados ao engajamento digital direto.

Governo Donald Trump

A influência da diplomacia digital na eleição presidencial dos Estados Unidos em 2016 se revelou por meio de sua eficácia, praticidade e baixo custo. De acordo com os dados fornecidos pela Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos, Hillary Clinton destinou $897,7 milhões à sua campanha, em contrapartida aos $429,5 milhões investidos por Donald Trump (Sheraliev, 2023).

A presença ativa de Trump nas plataformas de mídia social representou uma vantagem incontestável durante o período eleitoral. Ele contava com aproximadamente 10,6 milhões de seguidores no Twitter, enquanto Clinton possuía 8,1 milhões (Sheraliev, 2023). No Facebook, a página oficial de Trump acumulou cerca de 10 milhões de curtidas, em comparação às aproximadamente 5,2 milhões de curtidas na página de Hillary Clinton. Adicionalmente, Trump conquistou mais de 2,2 milhões de seguidores no Instagram, ultrapassando os 1,8 milhões de seguidores de Hillary Clinton (Sheraliev, 2023).

Esses dados ressaltam de forma incontestável a significativa influência da tecnologia digital na expressiva vitória de Donald Trump na eleição presidencial de 2016, destacando a importância proeminente das ferramentas de mídia social na diplomacia digital (Sheraliev, 2023).

Essa influência digital se estendeu para além da campanha eleitoral, transformando-se em um elemento central da comunicação diplomática durante o governo Trump. Como destaca Bjola (2019), o uso estratégico de tecnologias digitais como ferramentas de desinformação e propaganda por governos e atores não-estatais expandiu-se nos últimos anos a ponto de gerar sérias implicações para a ordem global. Um exemplo significativo foi a exposição de mais de 150 milhões de americanos à campanha de desinformação russa antes da eleição presidencial de 2016, número quase oito vezes maior que a audiência dos noticiários noturnos das emissoras ABC, CBS, NBC e Fox em 2016 (Bjola, 2019).

A pesquisa feita por Nantongo em 2019 também abordou questões acerca da gestão de Trump. Para entender qual plataforma digital social os entrevistados mais tinham acesso ao político ou até mesmo à sua administração, Nantongo pede para que os entrevistados as classifiquem. Com as respostas, ficou evidente que o Twitter é o mais dominante, tendo em vista que eles concordaram em terem visto pelo menos um tweet de Trump diariamente. A rede social de poucos caracteres empatou com o Facebook com a mesma porcentagem de 92%, enquanto blogs e o Instagram ficaram com 5% e 6%, respectivamente (Nantongo, 2019).

Observa-se, a partir dos entrevistados, que Trump foi o primeiro presidente dos EUA a usar ativamente seu perfil pessoal na internet, influenciando diretamente as políticas públicas, independentemente da estratégia diplomática vigente (Nantongo, 2019). A autora destaca ainda a imprevisibilidade do perfil @realDonaldTrump, ressaltando seu estilo pessoal, direto e frequente, que rompe com os padrões tradicionais da comunicação política (Nantongo, 2019, p. 57-58).

Esse estilo comunicacional único de Trump, identificado por Nantongo, é caracterizado por Babbitt (2019) como problemático para a diplomacia internacional. Segundo a autora, “a retórica de Trump é problemática devido ao sinal que envia de que a exclusão não é apenas aceitável, mas necessária” (Babbitt, 2019, p. 117). Essa abordagem divisiva de negociação, do tipo “nós contra eles”, sinaliza para outros líderes nacionais que os Estados Unidos não defenderão mais os direitos humanos ou os interesses de grupos minoritários, o que acaba por conceder uma espécie de “passe livre” para discursos e ações discriminatórias, inclusive contra refugiados (Babbitt, 2019, p. 117).

Mas afinal, o objetivo principal da estratégia de Trump se volta ao que exatamente? Para sanar essa dúvida, a pesquisadora procurou analisar os seguintes elementos: ganhos políticos, personal branding e a promoção diplomática de forma não convencional, mas eficaz. Dos tweets publicados contabilizados, 64% foram associados com branding, ou seja, adotar estratégias em plataformas digitais e redes sociais para construir uma imagem positiva e influente para si (Nantongo, 2019). Os temas relacionados às relações internacionais e às políticas representaram menos de 38% do material geral de seu perfil no Twitter.

Ambas as dimensões (personal branding e política) são amplamente comparadas, contudo, os slogans e opiniões dominaram a atividade política (Nantongo, 2019). A pesquisa revela que o ponto alto da marca pessoal é de novembro de 2016 a janeiro de 2017, período referente às eleições nos Estados Unidos, e de setembro a outubro de 2017, devido ao “Obamacare” (Lei de Proteção e Cuidados Acessíveis assinada por Barack Obama em 2010), à reforma tributária e ao discurso da Organização das Nações Unidas (Nantongo, 2019).

Essa ênfase no personal branding em detrimento da diplomacia tradicional teve consequências significativas para a reputação internacional dos Estados Unidos. Babbitt (2019) argumenta que a administração Trump deixará como legado uma reputação internacional enfraquecida devido ao seu desprezo pela cooperação, intimidação de aliados e aproximação com tiranos (Babbitt, 2019). A autora destaca que pesquisas sobre negociação demonstraram empiricamente que “uma reputação como negociador rígido não ajuda a fazer bons acordos, mas sim o oposto: as contrapartes não confiam em você e não estão dispostas a se engajar em trocas integrativas que criam valor e, portanto, melhores resultados” (Babbitt, 2019, p. 118).

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Donald Trump Laconia Rally, Laconia, NH by Michael Vadon July 16 2015” de Michael Vadon está licenciado sob CC BY-SA 2.0.

Os estudos de Nantongo indicaram a evidência da presença do tópico “diplomacia externa” nos tweets de Trump, sugerindo um impacto direto nas relações internacionais, uma vez que a política externa é tratada de forma direta e com uma linguagem franca, onde reconhecimentos pessoais e políticos aos representantes de Estados estrangeiros são comuns (Nantongo, 2019).

Além disso, a abordagem de Trump à diplomacia teve impactos institucionais significativos. Gramer, De Luce e Lynch (2017) descrevem um ataque sem precedentes ao Departamento de Estado” onde “uma Casa Branca hostil está cortando seu orçamento, os funcionários estão isolados de um líder distante, e o moral despencou para mínimos históricos” (Gramer et al., 2017, p. 1). De acordo com Gramer et al. (2017), a administração Trump tem prejudicado a diplomacia dos EUA e colocado em risco seu papel de liderança no mundo ao não preencher numerosos cargos seniores no Departamento de Estado, promulgar políticas incoerentes e excluir sistematicamente oficiais de carreira do serviço exterior da tomada de decisões.

Com base na pesquisa, Nantongo pontua que Trump não está interessado em favorecer a democracia de seu país internacionalmente e sequer pensa sobre isso ou sobre direitos humanos, e que de fato, ele questionou abertamente o papel da União Europeia e endossou políticas que restringem a movimentação de imigrantes muçulmanos e refugiados (Nantongo, 2019).

Essa observação de Nantongo alinha-se com a análise de Babbitt (2019), que identifica na Estratégia de Segurança Nacional de Trump de 2017 uma abordagem denominada “Realismo Baseado em Princípios”, cujo princípio primário é “America First”. Segundo a autora, a confiança, que é construída ao longo do tempo, pode ser rapidamente destruída, o que gera consequências negativas para a cooperação e a diplomacia. A autora afirma que esse é o cenário que os Estados Unidos estão criando e o qual todos terão que enfrentar no futuro próximo (Babbitt 2019).

Segurança, Riscos e Desafios Diplomáticos-Digitais

Se por um lado o universo digital pode ser um espaço de oportunidades onde os Estados buscam a melhor forma na utilização dessa ferramenta poderosa de influência, por outro, se atentam rigorosamente aos seus perigos. “Muitas partes do governo veem o ciberespaço cada vez mais como uma fonte de ameaça, insegurança e instabilidade” (Broeders; Berg, 2020, p. 1, tradução nossa). O aumento dos ataques cibernéticos entre Estados parece estar se intensificando em termos de danos e impactos, provocando as reações dos envolvidos (Broeders; Berg, 2020), e cada vez mais, permitindo com que esses atores enxerguem esse cenário através de um viés pautado na segurança. 

Desde 2009 a administração Obama tem defendido uma abordagem geral que favoreceu o desenvolvimento de normas multilaterais para o comportamento responsável dos estados no ciberespaço. O papel da cibersegurança é crucial na diplomacia digital, garantindo a proteção das comunicações e informações sensíveis entre governos e atores internacionais. É essencial implementar medidas robustas de segurança cibernética para prevenir ataques cibernéticos, proteger dados confidenciais e preservar a integridade das redes diplomáticas, garantindo a confiança e a segurança às interações digitais na arena diplomática.

Entretanto, em junho de 2013 os eventos desencadeados pelas revelações de Snowden, que expuseram as atividades de vigilância cibernética conduzidas pelos Estados Unidos, resultaram em consequências adversas para o prestígio e influência do país, principalmente no âmbito digital. Diante desse impacto negativo, o governo norte-americano identificou uma urgência premente em romper totalmente com o controle direto sobre a internet. Essa resposta emergiu da necessidade de restaurar a confiança e credibilidade perdidas, bem como preservar a posição de liderança dos Estados Unidos na arena global da governança da rede (Broeders; Van Den Berg, 2020). 

Uma das instâncias mais conhecidas de vazamento de informações ocorreu em 2010 nos Estados Unidos, conhecido como “WikiLeaks”. Quando o WikiLeaks divulgou publicamente arquivos privados de política externa compartilhados entre as embaixadas dos Estados Unidos e o Departamento de Estado, o mundo inteiro teve acesso a avaliações sinceras feitas por diplomatas americanos sobre outros líderes mundiais e seus países anfitriões. Com os Estados Unidos sentindo-se diretamente atacado e muitos outros diplomatas reconhecendo o potencial de exposição de suas informações privadas de política externa on-line, as pessoas passaram a ter dúvidas sobre a viabilidade da diplomacia digital (Verrekia, 2017).

O fenômeno dos vazamentos de informação reais coexiste com um poderoso discurso de vazamentos falsificados e acusações utilizadas para minar a credibilidade dos vazamentos reais. Um exemplo emblemático disso foi quando Trump declarou que Jared Kushner, seu genro, teria tentado estabelecer um canal de comunicação com o Kremlin durante a campanha, tratando-se de uma fake news. Tal estratégia se apoia na ambiguidade das fontes e nas dificuldades de verificação, uma vez que os vazamentos falsos se tornam mais fáceis de serem utilizados e mais difíceis de serem contestados (Briant; Wanless, 2019).

De acordo com PolitiFact, cerca de 70% das declarações de Donald Trump foram em sua maioria falsas, completamente falsas, ou mentiras descaradas (Rosenzweig, 2017). Assim como outros líderes autoritários, Trump recorre às “Big Lies” para angariar apoio de sua base. Kellner (2018) afirma que anteriormente, nenhum político baseou tão integralmente sua campanha e subsequente presidência em tais falsidades, tampouco mentiu de maneira tão abrangente. O PolitiFact ainda intitulou as ‘fake news’ como “Mentira do Ano”, apontando-as como “o sinal mais ousado de uma sociedade post-truth”, e que encontrou um facilitador voluntário em Trump.

Considerações Finais

As novas formas de aplicação da diplomacia combinadas ao desenvolvimento da internet e suas atividades digitais levaram ao surgimento de uma das ferramentas centrais nas relações internacionais, a diplomacia digital. A prática pode ser entendida como o uso estratégico das tecnologias digitais e da internet para promover a diplomacia, facilitar a comunicação entre atores internacionais, e alcançar objetivos políticos, econômicos e sociais.

Por meio do estudo, notou-se que as definições específicas de diplomacia digital como “twiplomacy“, “e-diplomacy” e “cyber-diplomacy” acabaram limitando a prática ao restringir seu escopo apenas a certas plataformas ou aspectos da tecnologia. No entanto, é importante reconhecer que se trata de um campo em constante evolução devido às mudanças rápidas na tecnologia e na forma como as relações internacionais são conduzidas, e tais definições podem não abranger todas as suas aplicações e transformações futuras. 

Ao longo dos governos de Barack Obama e Donald Trump, a prática marcou uma profunda evolução na ótica dos Estados Unidos para a condução da política externa. A introdução das redes sociais e o crescimento exponencial das plataformas digitais abriram novas frentes para estratégias inovadoras e enfrentamento de desafios complexos. 

No período do governo Obama, houve uma clara aposta na utilização das redes sociais como um meio para fomentar a diplomacia pública. A administração buscou estabelecer uma presença on-line robusta, visando à transparência e o diálogo direto com o público global. A estratégia concentrou-se em canais como Twitter e Facebook, com o intuito de envolver audiências globais, abordar questões internacionais e fortalecer laços diplomáticos, sendo bastante eficaz na criação de uma imagem positiva dos Estados Unidos.

Todavia, durante o governo Trump, houve uma mudança marcante nessa abordagem. Foi adotada uma comunicação mais direta e, por vezes, controversa, por meio das redes sociais. Sua presença proeminente e polêmica no Twitter tornou-se um elemento distintivo, impactando a diplomacia e gerando críticas. Sua vitória nas eleições de 2016 foi influenciada significativamente pelo uso estratégico dessas tecnologias, especialmente na disseminação de fake news, o que levantou preocupações sobre a manipulação da opinião pública.

Apesar das oportunidades proporcionadas pelo uso dessas plataformas digitais para uma maior agilidade e acessibilidade, desafios consideráveis surgiram. A exposição a ataques cibernéticos e a disseminação veloz de desinformação emergiram como preocupações críticas para os Estados Unidos, bem como a propagação de notícias falsas, que pode minar a credibilidade da diplomacia digital. 

Diante do exposto, a diplomacia digital que é uma ferramenta poderosa, pode fortalecer as relações entre Estados e promover a paz e a estabilidade global, se bem utilizada. O futuro da diplomacia depende cada vez mais da habilidade de adaptar e gerenciar essas ferramentas digitais num cenário em constante evolução, promovendo um equilíbrio entre inovação e segurança para a consecução de objetivos diplomáticos eficazes.

Referências

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Técnico em Administração e Bacharel em Relações Internacionais.

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