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Fim da Crise dos Mísseis de Cuba – 28 de outubro de 1962

Entre os dias 16 e 28 de outubro de 1962 o mundo observou com imensa apreensão o escalonamento do conflito entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), temendo um confronto nuclear entre as duas superpotências à época. Tal evento se refere à alocação de mísseis balísticos soviéticos em território cubano, ficando conhecido comumente como Crise dos Mísseis de Cuba ou “Crise Caribenha” pela URSS e “Crise de Outubro” por Cuba.

Antecedentes da Crise

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, EUA e URSS emergiram como superpotências no Sistema Internacional, cuja interação entre ambos daria início ao que ficou comumente conhecido como Guerra Fria. Todavia, salienta-se que no iniciar do dito conflito os Estados supracitados não estavam em pé de igualdade, seja concernente aos recursos humanos, visto que mais soviéticos perderam a vida na Segunda Guerra Mundial em relação aos estadunidenses, ou no que tange aos aparatos econômico-tecnológicos. Neste último aspecto, observa-se que em 1945 os EUA já possuíam a bomba atômica, que inclusive foi utilizada como demonstração de força no ataque orquestrado sobre o Japão, em Hiroshima e Nagasaki, ao passo que a URSS logrou construir sua primeira bomba apenas em 1949 (DOMINGOS, 2013).

Essa discrepância foi aos poucos se esvaindo ao longo da década de 1950, sendo que a URSS foi se recuperando econômica e demograficamente, assim como se desenvolveu no quesito tecnológico, fabricando a bomba de hidrogênio em uma curta diferença de tempo em relação aos EUA. Naquele período, no entanto, ainda era notório a superioridade bélica estadunidense, visto que os EUA detinham de bases militares equipadas com bombas atômicas na Inglaterra, Turquia e Itália, além de conseguir sobrevoar o território soviético tranquilamente até 1960 (DOMINGOS, 2013). Contudo, os ditames e direcionamentos da relação entre URSS e EUA estavam prestes a tomar outros rumos a partir da entrada de Cuba no “tabuleiro do jogo”, o que ocasionaria no escalonamento do conflito entre as duas superpotências mundiais.

Cuba, até meados da década de 1950, tinha uma relação de proximidade com os EUA, sendo que nas palavras de Domingos (2013, p.83) “os governos cubanos não passavam de marionetes orquestrados pelos embaixadores estadunidenses no país”. Tal alinhamento suscitou um movimento nacionalista cubano, que já se via ao fim do século XIX com José Martí, mas que foi fortalecido pelos ideais de Fidel Castro nos anos de 1950. Ainda de acordo com o mesmo autor, no desenrolar do conflito interno, entre o que de certa forma poderiam ser contrapostos como os pró-EUA e os anti-estadunidenses, o então presidente de Cuba Fulgêncio Batista, na certeza da derrota para os Guerrilheiros liderados por Fidel, fugiu do país em 1958.

No entanto, a Revolução Cubana ainda presenciaria momentos conturbados em abril de 1961, seja em virtude de ações de contra-revolucionários, do bombardeio do aeroporto de Santiago de Cuba e outros campos de pouso, assim como, principalmente, devido à invasão da Praia Girón, na Baia dos Porcos, pelos EUA. Este último evento, sobretudo, foi um dos pontos cruciais para que Fidel Castro pronunciasse o caráter socialista da Revolução Cubana em 16 de abril de 1961 (DOMINGOS, 2013).

Não obstante o fracasso da invasão da Baia dos Porcos empreendida pela CIA, o recém-eleito presidente dos EUA (1961), John Fitzgerald Kennedy, também precisava lidar com o desenrolar da Guerra Fria que tomava caminhos cada vez mais imprevisíveis. Essa percepção pode ser visualizada, por exemplo, com a construção do Muro de Berlim, dividindo a Alemanha em duas partes (oriental e ocidental), ou com o anúncio de Nikita Krushev, primeiro-ministro da URSS, acerca da pretensão em realizar testes nucleares com potência de 100 megatons, o que caracterizaria como o maior teste já processado (DOMINGOS, 2013).

Observando o movimento de Krushev, Kennedy foi a público para demonstrar que os EUA detinham um poderio nuclear ainda maior que o soviético, cuja perspectiva estadunidense era que os soviéticos não iriam escalonar o conflito. Contudo, este entendimento não se concretizou, visto que em 14 de outubro de 1962 aviões sobrevoaram Cuba e fotografaram um grande arsenal nuclear capaz de atingir parte do território dos EUA (ALLISON).

A Crise dos Mísseis: à beira de um confronto nuclear 

Conforme mencionado por Allison (2017), Cuba foi o primeiro lugar onde a URSS instalou mísseis fora dos domínios soviéticos, cujo procedimento realizado de maneira cuidadosa e camuflada não impediu que os EUA descobrissem a alocação do arsenal em território cubano. Todavia, a URSS teria sido informada da possível descoberta por parte dos estadunidenses somente no dia 18 de outubro de 1962, quando um representante soviético foi acompanhar os trabalhos em Cuba – que além dos sobrevoos ocorridos no dia 14, outros aconteceram em 15 e 17 daquele mesmo mês (ALLISON, 2017).

Ainda que em 14 de outubro já se tinha o conhecimento da alocação de mísseis soviéticos em solo cubano, tal informação foi transmitida ao presidente dos EUA somente no dia 16, data essa que ficou marcada como o primeiro dia da Crise dos Mísseis. Diante da ameaça iminente, Kennedy convocou uma reunião de caráter emergencial com seus assessores para solucionarem aquele evento, sendo apresentadas duas possibilidades: invadir Cuba ou promover um bloqueio marítimo, denominado “Quarentena”, sendo esta última opção adotada no dia 22 de outubro (DOMINGOS, 2013).

Na data supracitada, após deliberações com líderes de estado e um planejamento cuidadoso, o presidente Kennedy divulgou publicamente acerca da existência dos mísseis soviéticos em solo cubano. A partir desta noção ele declara uma ação de “quarentena” ao redor de Cuba, exigindo assim uma postura do primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, em findar tais operações e tirar suas bases do território cubano. 

Tal estratégia tinha como base estabelecer um bloqueio, tanto aéreo quanto terrestre, de todo o envio de tecnologias militares à Cuba. Em um primeiro momento foi definido que caso as exigências não fossem acatadas ou ao menos reconhecidas, ataques aéreos às bases caracterizadas como perigosas em Cuba estariam preparados no dia 23. Ao pontuar isto, Allison (2017) identifica um caráter de ultimato à União Soviética.

O bloqueio em si teve início na noite do dia 23, parando os carregamentos marítimos soviéticos na manhã do dia seguinte e os fazendo voltar sem adversidades. Uma vez apresentada à situação, o presidente Kennedy anuncia que tal ato seria apenas o começo de uma série de condutas que terminariam em ataques coordenados e uma invasão inevitável ao território cubano. Para ilustrar a capacidade americana para realizar tal feito, ainda segundo Allison (2017), o exército americano exibia o crescente agrupamento de soldados e tecnologias militares na Flórida na tentativa de intimidar ainda mais o líder soviético. 

O resultado da ação de Kennedy só surtiu efeito dois dias depois, quando o primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, enviou uma carta direta ao governo americano. Com um tom ameno, o governo acataria o pedido se os Estados Unidos se comprometerem, juntamente à Organização das Nações Unidas (ONU), a não atacarem em hipótese alguma o território cubano. Ao perceber a atitude em prol da paz, o líder dos EUA ficou, segundo Domingos (2013), aliviado em um primeiro momento, visto que tal crise poderia ser resolvida a partir de resoluções fáceis de serem cumpridas.

Contudo, no dia seguinte, dia 27 de outubro, um sábado, a União Soviética percebeu que poderia conseguir mais através desta situação. Com outra mensagem endereçada ao governo americano, Khrushchev emendou a suas reivindicações a retirada completa dos armamentos estadunidenses da Turquia. Esta situação, segundo Allison (2017), trouxe consigo problemas grandiosos à negociação. 

Isto é percebido graças a noção de que os armamentos localizados na Turquia não eram completamente americanos, já que pertenciam ao Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o que dificultava a manipulação destes em prol do assunto. Kennedy, segundo Allison (2017), temia lidar com este assunto, já que caso conseguisse sujeitar a OTAN ao ato, isto geraria a noção de que os EUA estavam vendendo seus aliados, além de desprestigiar o nome americano às Organizações Internacionais em acordos futuros. Todavia, se a exigência soviética não fosse cumprida, uma situação de guerra nuclear poderia ser iminente e inevitável. 

Após uma tarde inteira de deliberações, e a noção de que havia uma movimentação soviética em Moscou – ainda segundo Allison (2017), Kennedy e os líderes de Estado enviam uma mensagem à União Soviética que tentaria finalizar esta crise. Recebida às 20 horas em Moscou, os Estados Unidos indicam que os pedidos anteriores seriam acatados, contudo, eles apontam a impossibilidade de retirar os armamentos da Turquia. Dito isto, Kennedy finaliza a mensagem dando a sua palavra de que tal assunto seria conversado e negociado com afinco às Organizações responsáveis quando a crise em Cuba fosse resolvida.

Na manhã do dia seguinte, Khrushchev inaugura a junta governativa anunciando a retirada soviética do território cubano, finalizando assim a crise, treze dias depois de seu início. Segundo os escritos de Domingos (2013) e Allison (2017), tal desfecho produziu resultados. Kennedy, conseguiu cumprir a segunda parte de sua mensagem poucos meses depois, em 1963, com a definição e a assinatura do Pacto da Paz Atômica – na qual a própria União Soviética fez parte – que proibia testes nucleares na atmosfera. 

Nos anos que se seguiram, mais e mais acordos na área foram realizados, ainda seguindo na lógica da Guerra Fria, resultando no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) em 1968, no qual o Brasil fez parte em 1998. Isto mostra que a crise em si conseguiu criar um novo patamar de negociações e acordos na temática nuclear, trazendo assim resultados benéficos com o evento, mesmo que este tenha levado o mundo à beira de uma situação de destruição nuclear mútua. 

Referências Bibliográficas

ALLISON, Graham. The Cuban Missile Crisis. Foreign Policy, [S.L.], v. 3, n. 1, p. 256-283, 11 ago. 2016. Oxford University Press. http://dx.doi.org/10.1093/hepl/9780198708902.003.0014. 

DOMINGOS, Charles Sidarta Machado. 50 anos da Crise dos Mísseis: horror nuclear em tempos presentes. Historiae, Rio Grande, v. 4, n. 2, p. 79-90, 2013. Disponível em: < https://www.seer.furg.br/hist/article/view/3666/2514 > Acesso em: 7 dez. 2016.

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