O ORIGINÁRIO PARTIDO ALEMÃO DOS TRABALHADORES (DAP) E SUA RELAÇÃO DE ANTECEDÊNCIA COM O NSDAP
Nas primeiras décadas do séc. XX, devido aos profundos efeitos socioeconômicos do acelerado processo de industrialização nas sociedades europeias, passaram a emergir diversos movimentos políticos e instituições partidárias, por sua vez imersos na finalidade de reivindicar direitos ligados à melhoria das condições trabalhistas, assim como, fundamentados no estabelecimento de uma relação mais íntima entre os estados nacionais e suas populações, por meio do vínculo de cidadania (GILBERT, 2016). Por outro lado, apesar de diversos desses movimentos terem surgido sob a orientação político-ideológica dos escritos provenientes originalmente de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), havia concomitantemente uma vertente das supracitadas reivindicações que, por seu turno, apesar de reiterar sua oposição ao modus operandi capitalista, rejeitavam simultaneamente a retórica comunista, devido a sua tendência de internacionalização proletária, o que viria a anular o instituto da soberania das nações inseridas no Velho Continente. Dessa forma, além dos partidos e movimentos políticos de espectro comunista, passaram a surgir profusos esforços nacional-trabalhistas ao redor da Europa (GILBERT, 2016).
Nesta cerne, no dia 5 de janeiro de 1919 surge, durante a República de Weimar, o Partido Alemão dos Trabalhadores (Deutsche Arbeiterpartei, DAP), sob a prerrogativa de corresponder aos anseios nacionalistas, anticapitalistas, anticomunistas e antissemitas de parte considerável do povo germânico (KERSHAW, 2008). O partido foi fundado pelo líder político alemão Anton Drexler (1884-1942) em conjunto com o político e jornalista alemão Karl Harrer (1890-1926), sob uma organização partidária orientada por reuniões informais e debates cercados de intenso tumulto em bares e cervejarias alemãs. Em continuidade, ainda no ano de 1919, Drexler que outrora havia servido como mentor para Adolf Hitler (1889-1945), acabou aceitando-o como membro DAP, em 12 de setembro daquele ano. Dessa forma, a chegada de Hitler ao Partido Alemão dos Trabalhadores, o qual sinalizava extensa identificação, deu-se como ponto de partida para a transformação do partido segundo a imagem e semelhança do líder nazista (KERSHAW, 2008).
Figura 1 – Cartão de membro DAP pertencente a Adolf Hitler
A METAMORFOSE DO DAP PELA FIGURA DE ADOLF HITLER E A CONSOLIDAÇÃO DO NSDAP
Consolidada a inserção de Hitler no DAP, o partido passou a ter maior participação do líder nazista em suas mais importantes ações organizacionais, o que viabilizou o aumento progressivo do poder decisório de Hitler, enquanto membro do Partido Alemão dos Trabalhadores. Para mais, a figura do político nazista trouxe um enriquecedor aspecto de propaganda devido a sua oratória característica e capacidade de persuasão, além de sua sólida liderança para a organização, algo outrora inexistente, o que fez com que o DAP passasse a ter cada vez mais adesões e doações no cenário político da Alemanha, o que possibilitou, por seu turno, o aumento de sua estrutura e capacidade de dissipação de pautas, refletindo em reuniões e comícios com milhares de pessoas presentes (KERSHAW, 2008).
Dessa forma, consolidando-se Hitler como uma figura de liderança e propaganda imprescindível para o DAP, diversos aspectos da organização começaram a refletir as perspectivas políticas, logísticas e estéticas do líder nazista. Em fevereiro do ano de 1920, a conduta comportamental dos membros da organização já encontrava-se alinhada com aspiração militarista de Hitler, além disso, as pautas da organização outrora discutidas de forma de modo informal e caótico, passaram a ser fixamente orientadas pelo líder nazista, tendo-se maior relevância, nessa cerne, para a questão judaica e para as consequências políticas e econômicas do Tratado de Versalhes para a nação germânica. Assim, Adolf Hitler firmou-se como a principal figura de ascensão do DAP, abrindo caminho para prover as mudanças por ele desejadas, transformando a organização em algo além de uma unidade partidária a qual o líder nazista se identificava (KERSHAW, 2008).
Desse modo, em 24 de fevereiro de 1920, Hitler solicitou a mudança do nome do partido para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), com o objetivo de aumentar seu apelo aos maiores segmentos da população, visto que até então o DAP estava também diretamente ligado ao atendimento político da classe média alemã, algo que dificultava sua popularização. Ademais, em mais uma medida de remodelação estética do partido, assim que anunciou a mudança de sua nomenclatura, Hitler também decidiu que os membros da organização deveriam obrigatoriamente terem descendência pura ariana, o que deu imediata notoriedade ao caráter racista do projeto de poder hitlerista. Ambas as medidas de Hitler foram acatadas pelo então presidente do partido, Anton Drexler, mesmo que a contragosto Karl Harrer, membro fundador da antecessora organização DAP (KERSHAW, 2008).
Figura 2 – Emblema do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores
A PROJEÇÃO DO PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES ALEMÃES E SUAS DIVERGÊNCIAS COM O DAP
Após a mudança na nomenclatura da organização e a definição de critérios raciais para a recepção de membros internos, tornou-se notório que Hitler havia de fato se tornado figura dominante e simbólica no agora denominado Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães ou, como tornou-se conhecido, o Partido Nazista (Nazi decorre do termo Nationalsozialist). Tal notoriedade deu-se, dentre outros motivos, pelo fato de que ainda na gênese do originário DAP, o termo “socialista” foi incisivamente impossibilitado por um de seus fundadores Karl Harrer, que via o uso do termo como uma estratégia equivocada na conquista da classe média para a organização, fazendo-o evitar qualquer tipo de aproximação com os ideários provenientes do marxismo, onde o foco ideológico se daria numa fusão entre nacionalismo e bem-estar social (DEUTSCHER BUNDESTAG, 2006). No entanto, como foi visto, a estratégia de Hitler transcendia a intenção de agradar a classe média, o que fez o líder político orientar a mudança no nome da organização como forma de aproximar setores trabalhistas aflitos com insegurança e privação social, e até então disputados entre o Partido Socialista Alemão (DSP) e o Partido Comunista da Alemanha (KPD). Essa mudança de estratégia significou acentuada diferença entre a investidas do antigo DAP e o ímpeto populista do líder nazista (KERSHAW, 2008).
Já em junho de 1921, enquanto Hitler encontrava-se em uma viagem para angariação de fundos em Berlim, membros executivos do NSDAP, alguns contrários a figura do líder nazista, tentaram a fundição do partido com o DSP. Essa tomada decisão irritou o ímpeto autoritário de Hitler, que logo ameaçou sair do partido, o que foi visto com intensa negatividade por parte majoritária da organização, dado que foi a liderança e a propaganda em torno do líder nazista que possibilitou a evolução eleitoral, estrutural e orçamentária do NSDAP. Assim, como única condição de sua permanência, Hitler exigiu que pudesse substituir seu antigo mentor Anton Drexler na presidência do partido. Apesar de minoritária resistência liderada por Hermann Hesse (1900-1981), o comitê do partido acatou o ultimato de Hitler, tornando-o o novo presidente do NSDAP, no dia 26 de julho de 1921. As medidas subsequentes a nomeação tomadas pelo líder nazista forneceram explícita imagem do que viria a se tornar o NSDAP sob o comando de Hitler. Dois dias depois a sua nomeação, o novo presidente do partido dissolveu o comitê que o empoderou, o que o fez ter poderes quase absolutos como único líder do partido, tornando-se, a partir daquele momento, o Führerprinzip (principal líder) da organização, um título político centralizador e irrevogável (KERSHAW, 2008).
Nesse cerne, consolidado o NSDAP sob o comando de Adolf Hitler, pôde-se observar fundamentais contrastes com o originário DAP. Além das mudanças supracitadas ligadas ao militarismo e ao populismo de Hitler, o NSDAP, por meio de método chauvinista, tinha a pretensão explícita de rompimento com o regime democrático, utilizando-se do sistema eleitoral como meio de rompê-lo posteriormente. Essa característica da NSDAP estabelecia confluência com a tendência de seu líder em centralizar poder em si mesmo, numa espécie de jornada messiânica em busca da dignidade germânica, ou seja, em busca do arianismo puro. Ademais, apesar do antissemitismo ter sido uma pauta da DAP, sob o comando de Hitler na NSDAP, essa bandeira tornou-se primordial no projeto de poder do líder nazista, devido ao próprio arianismo acima discorrido, de modo que o nacionalismo defendido pela NSDAP tomasse uma proporção expansionista, devido a perspectiva nazista de que países vizinhos estariam sendo controlados por judeus, o que ocasionaria guerras futuras ameaçadoras a soberania germânica, tornando necessário, por seu turno, o domínio do império nazista na Europa sob prerrogativas raciais e nacionais (DEUTSCHER BUNDESTAG, 2006).
Referências
DEUTSCHER BUNDESTAG. The political parties in the Weimar Republic. Administration of the German Bundestag, Research Section WD 1, March 2006.
GILBERT, Martin. A história do século XX / Martin Gilbert; [tradução Carolina Barcellos, Ebreia de Castro Alves]. – 1. ed. – São Paulo: Planeta, 2016.KERSHAW, Ian. Hitler: a biography. New York: W. W. Norton & Company. 2008.