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O papel da política externa brasileira na difusão da Língua Portuguesa e da Lusofonia na América Latina a partir do século XX 1 O papel da política externa brasileira na difusão da Língua Portuguesa e da Lusofonia na América Latina a partir do século XX 2

O papel da política externa brasileira na difusão da Língua Portuguesa e da Lusofonia na América Latina a partir do século XX

O texto a seguir visa analisar como tem sido o papel do Brasil na difusão da Língua Portuguesa e da Lusofonia na América Latina e sua contribuição para as Relações Internacionais.

As identidades culturais, mais propriamente as étnicas, nacionais, religiosas e civilizacionais são centrais e suas afinidades e diferenças decidem as alianças e as orientações políticas dos Estados, definindo uma política externa baseada nas políticas de cultura (Huntington, 2001, p. 364).

O papel do idioma português e da lusofonia no que hoje conhecemos como Relações Internacionais tem profunda relevância dentro de sua perspectiva do desenvolvimento de suas interações e de seu próprio campo de estudo, sendo, nos dias atuais, um dos idiomas mais falados no mundo, considerando o número de falantes (Ethnologue, 2018) e seu aspecto político, econômico e social na comunidade internacional.

Excetuando as dinâmicas, valores e contradições características dos processos de colonização e emancipação, o resultado que nos estima hoje é destacar o quão contributivo foi e têm sido a língua portuguesa e a lusofonia nas relações internacionais do Brasil com a América Latina e dentro de um contexto global de interações, tendo sempre a presença das comunidades lusófonas como parte indissociável nessa estrutura.

Historicamente, a partir da expansão portuguesa do século XV e o início dos descobrimentos, iniciando-se nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, passando pela tomada de Celta, contornando a costa africana, dobrando o Cabo da Boa Esperança, chegando à Índia, posteriormente adentrando China e Japão, e ainda, com a descoberta do Brasil nesse intervalo, até o fim do processo de descolonização na África nos anos 1970 do século XX, os portugueses transportaram sua cultura e difundiram a língua portuguesa por diversas partes do mundo e encontram-se nessas regiões até hoje (Teysser, 1994).

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Fonte: brunostein.com

A língua portuguesa nos processos de imigração e emigração no Brasil

O Brasil, historicamente foi, e ainda é, um grande país no que diz respeito à recepção imigratória, fator que contribuiu para fomentar um forte laço identitário e constituir nossa nacionalidade.

Um grande período de imigração no Brasil, ocorrida entre o século XIX e XX, ajudou a disseminar a língua portuguesa em povos oriundos do Japão, Itália, Espanha, Alemanha, Rússia, Áustria, Turquia, Polônia e França (Milesi & Andrade, 2018). Esse período configura um primeiro espaço de tempo, que vai do fim do século XIX e início do século XX, e que é espelhado pelo fim da escravatura. Assim, a escassez de mão-de-obra nas lavouras de café e na agricultura, de um modo geral abriu espaço para italianos, portugueses, alemães e austríacos nas regiões de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Um segundo espaço de tempo reflete-se no início da metade do século XX, logo após o final da II Guerra Mundial, com o colapso das economias europeias e uma nova grande onda de imigrantes para o Brasil.

Porém, no início dos anos 1980 e nos anos 1990, houve um decréscimo de imigrantes e um aumento no processo de emigração, contribuído por diversas crises econômicas, efeitos do período ditatorial. O Brasil tornou-se um país exportador de material humano, principalmente para a América Latina e Caribe, devido á quatro fatores importantes: maior compartilhamento de informações acerca de oportunidade de trabalho fora do Brasil, decorrente da modernização tecnológica disponível; grande número de descendentes imigrantes, que ligados por fatores históricos e culturais, pode ter aberto uma gama de oportunidades em seus países de origem; crescente insegurança doméstica; visualização de grandes oportunidade de negócio nos países vizinhos, como Paraguai, Bolívia, Suriname e Guianas, que detinham imensas terras férteis e baratas. Ainda houve uma grande emigração para os países do Sul nos anos 1970, como Paraguai e Uruguai, que estavam fomentando suas economias, abrindo espaço para ocupação de terras agrícolas (Faria, 2015, p. 67).

Á partir dos anos 2000, com políticas econômicas e socias de caráter mais humanitário, o Brasil tornou-se um país duplamente difusor da língua portuguesa, tanto com correntes emigratórias como imigratórias.

Recentemente, o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) no Brasil, iniciou um projeto chamado ‘Em questão: língua de acolhimento – Português para refugiados no contexto corumbaense’, que visa a integração social de refugiados em Corumbá, município brasileiro que faz fronteira com a Bolívia e que recebeu 1,3 mil refugiados oriundos do Haiti, somente no primeiro semestre de 2018. Sua proposta é ampliar as políticas públicas de ensino da Língua Portuguesa como mecanismo de acolhimento (IFMS, 2018).

É intrínseca a perpetuação da língua portuguesa nesses movimentos humanos entre fronteiras. O intercâmbio linguístico inserido em tal processo tornou-se mutuamente necessário, e o processo de dissipação do idioma português não se tornou coadjuvante, como veremos a seguir.

CPLP e sua cooperação – breve histórico

O desenvolvimento para uma forma estável de fortalecimento das raízes histórico-culturais lusófonas, globalmente falando, passou por um longo processo de afunilamento entre acordos e tratados até chegar a um consenso mútuo para que houvesse um projeto sinérgico, convergente, conciso e que atendesse todos os membros da comunidade lusófona.

Com o fim das últimas colônias portuguesas na África em 1974, cessando uma política, mas dando continuidade ao patrimônio histórico desenvolvido no que tange á cultura, língua e valores, deu-se o entendimento de uma fusão mais assertiva desse legado na comunidade internacional, conforme menciona Adriano Moreira (Moreira, 2001, p. 19).

O estreitamento e solidificação do objetivo de ‘união’ tomou maiores proporções no final dos anos 1980, quando foi realizada uma primeira reunião no Brasil com os Chefes de Estados e Governo dos países de Língua Portuguesa que resultou na criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), com uma diretriz voltada na promoção e difusão do idioma português da comunidade (CPLP, 2018).

A criação efetiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) se deu em 1996 e foi baseada nos laços históricos culturais entre eles ligados e que visava, principalmente, reforçar sua presença no cenário internacional, cooperar em todos os  campos, como saúde, educação, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, entre outros e ajudar a difundir a língua portuguesa (CPLP, 2018).

Logo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CPLP

É nesse sentido que a CPLP aparece como instrumento de importância para as Relações Internacionais do Brasil, dado sua relevância, em certos momentos, de dar apoio substancial às pretensões brasileiras em geral, seja no âmbito mundial ou regional.

As relações externas do Brasil com a CPLP, em dados momentos históricos, restringiam-se as questões internas da comunidade lusófona, por não serem encaradas, em certa medida, prioritárias. Houve períodos em que as diretrizes políticas, econômicas e sociais brasileiras estavam voltadas a assuntos de maior incidência global, principalmente logo após a virada do milênio, com criação do BRICs e assuntos pertinentes à maior integração regional, como o MERCOSUL. Posteriormente, no entanto, as questões lusófonas ganharam espaço com a criação de parcerias com a comunidade lusófona africana, visando principalmente á cooperação desenvolvimentista, tanto social como econômica, aproveitando a ligação histórica e o movimento de assertividade SUL-SUL (Miyamoto, 2009, p. 33).

Brasil e seu papel na América Latina

A participação do Brasil como líder dessa transfusão lusófona tornou-se essencial. Estar emoldurado numa posição geopolítica de larga relevância na América do Sul e ser, dentro da comunidade lusófona, o país com maior número de falantes da língua portuguesa do mundo, além de ter um engajamento econômico de longo alcance, são características que fazem com que seja natural a liderança de difusão de sua política externa, sobretudo na América Latina e seus vizinhos mais próximos.

Nesse contexto, o Brasil, a partir do século XX, fomentou fortemente a inclusão e desenvolvimento da língua portuguesa na América Latina e em países de outras regiões do mundo. Os Centros Culturais Brasileiros e os Núcleos de Estudos Brasileiros, que são unidades de ensino da língua portuguesa e difusão da cultura brasileira, ligados às Embaixadas e consulados brasileiros (MRE, Rede Brasil Cultural, 2018), são exemplos sólidos de divulgação do idioma português.

Na década dos anos 1930, o então Presidente do Brasil, Getúlio Vargas, com o objetivo de promover a língua portuguesa internacionalmente, assinou um acordo com a Argentina, visando o ensino do idioma português na terra vizinha. A aproximação e o interesse dos países pelo Brasil, aumentado principalmente pela difusão cultural brasileira, sobretudo de artistas e intelectuais, fez com que o governo iniciasse um projeto maior de promoção de sua língua e cultura. E assim, como braço alongado de suas embaixadas e consulados, criou os Centros Culturais Brasileiros em diversos pontos da América Latina e Europa, inicialmente.

É natural que sua criação esteja sempre envolvida com a política externa brasileira. Em 1986 e 1987 foram abertas unidades em El Salvador e Nicarágua, visto sua ajuda na estabilização política na América Central. Na operação de paz da ONU em Moçambique nos anos noventa, os Centros Culturais ajudaram com o ensino do idioma português aos oitenta integrantes da organização. Hoje, os Centros Culturais estão espalhados por 29 países na América Latina, Europa, África e Ásia, criando ligações diretas e indiretas, ajudando a polarizar a língua portuguesa (MRE, Rede Brasil Cultural, 2018).

No âmbito regional, a política externa brasileira para a América Latina, sempre se pautou pela integração, ajuda e cooperação de seus membros e se traduz através de sua Constituição de 1988:

“Art 4º República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” (Governo, 2018)

Essa condicional de união latino-americana se traduz pelas múltiplas associações criadas nos últimos 25 anos, unidos pelos propósitos comuns de cooperação econômica, científica e tecnológica e cultural (Carvalho, 2012, p. 459), representados com o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), entre outras (MRE, Itamaraty, 2018).

Nesse modelo de cooperação regional é perceptível a movimentação linguística existente entre os Estados e é notável o papel do Brasil como protagonista nesses blocos e, por conseguinte, o incentivo da divulgação do português no contexto latino-americano e de suas relações internacionais.

Dentro da estrutura do Mercosul, existe o Programa de Intercâmbio Acadêmico de Português e Espanhol, que tem por objetivo, incentivar, através de projetos de associação institucional de universidades, o ensino da língua portuguesa e espanhola na educação superior, ajudando na equivalência e reconhecimento dos créditos universitários nas instituições participantes (MERCOSUL, 2018).

Em 2005 foi criado o Projeto Escola Intercultural Bilingue de Fronteira (PEIBF), que visa a promoção do intercâmbio e integração entre professores e estudantes dos países do Mercosul. Iniciado com acordo bilateral entre Brasil e Argentina, hoje ele atinge 26 escolas em cinco países fronteiriços: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela e visa principalmente, além da quebra de fronteiras, a disseminação das línguas compactuadas como o segundo idioma oficial (Educação, 2018).

Em nível superior, a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) em 2010 também ajudou a fortalecer a expansão da língua portuguesa. Com um objetivo de cooperação solidária e voltada para a América Latina, a universidade favorece o intercâmbio acadêmico com a intenção de formar recursos humanos para contribuir com o desenvolvimento regional, sobretudo do Mercosul. As aulas são ministradas em português e espanhol (UNILA, 2018).

Considerações finais

A relação que o Brasil tem com a América Latina sempre foi baseada numa retórica de viés diplomático, que caracterizou a Política Externa Brasileira como um todo. Utilizando essa premissa, a relação de diplomacia cultural com os países latino-americanos cunhou uma reflexão de ideais brasileiros que otimizavam uma perspectiva de liderança regional respaldada também na disseminação da Língua Portuguesa.

A criação dos Centros Culturais marcou o início do desembaraço diplomático e das objetivações brasileiras para a difusão do idioma português no mundo e sobretudo na América Latina. Suas histórias estão entrelaçadas e marcadas principalmente pelo mesmo processo de desenvolvimento dos países do hemisfério sul. A partir dos anos 2000, a região da América do Sul tornou-se prioridade pela chancelaria brasileira. Mesmo prevalecendo sua hegemonia geopolítica perante todos os seus vizinhos, o Brasil nunca tentou impor suas condições, mas sim, caracterizar-se com políticas de multipolaridade e políticas de cultura, mais contundentemente a diplomacia cultural.

Uma nova direção da política externa brasileira rumou á setores públicos de inserção econômica e social, tendo por conseguinte, a difusão da língua portuguesa em quase todas as suas relações, fossem elas bilaterais ou multipolares. A ampliação do mercado, as novas estruturas econômicas, um novo protagonismo regional e mundial levou o idioma português á novas inserções e o disponibilizou concretamente num contexto internacional comparado somente à expansão portuguesa do século XIV.

O português como segunda língua oficial, nomeadamente na América Latina, tem tido vestígios da maior visibilidade do Brasil perante à comunidade internacional. Sua assertividade está indissociavelmente ligada aos países lusófonos, dentro da CPLP e fora dela, e assim deve ser dissuadida e compartilhada. Blocos regionais, relações multilaterais e acordos bilaterais são economicamente vantajosos para a transmissão do valor do idioma português e sendo assim, a política externa brasileira trabalhou, em períodos destacados, notadamente nos anos 2000, com maior importância em sua difusão e sempre se manteve presente em suas políticas internacionais, principalmente com seus vizinhos latinos.

Referências Bibliográficas

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Faria, M. R. (2015). Migrações Internacionais no Plano Multilateral: Reflexões para a Política Externa Brasileira. Brasília: FUNAG.

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Huntington, S. (2001). O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial. Lisboa: Gradiva.

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MERCOSUL. (03 de 12 de 2018). MERCOSUL EDUCACIONAL. Fonte: http://edu.mercosur.int/pt-BR/programas-e-projetos/25-mercosul-educacional/60-programa-de-intercambio-academico-de-portugues-e-espanhol.html

Milesi, R., & Andrade, W. C. (22 de 12 de 2018). Migrações Internacionais no Brasil: Realidades e Desafios Contemporâneos. Fonte: IMDH: http://www.gritodelosexcluidos.org/media/uploads/migracionesintbr.pdf

Miyamoto, S. (2009). O Brasil e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Revista Brasileira de Política Internacional, pp. 22-42.

Moreira, A. (2001). Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Cooperação. Coimbra: Almedina.

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MRE. (03 de 12 de 2018). Rede Brasil Cultural. Fonte: História dos Centros Culturais: http://redebrasilcultural.itamaraty.gov.br/images/Arquivos_PDF/Historia_dos_Centros_Culturais.pdf

Teysser, P. (1994). História da Língua Portuguesa. Lisboa: Livraria Sá da Costa.

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