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Quais São as Potências do Século XXI  e Qual o Peso do Brasil?

© Tânia Rêgo/Agência Brasil

A distribuição do poder no sistema internacional sempre foi objeto central de análise nas Relações Internacionais. Conceitos como superpotência, grande potência, potência regional e potência emergente buscam capturar as hierarquias entre Estados e explicar como essas posições moldam tanto a estabilidade quanto os conflitos internacionais. Desde a Guerra Fria, quando a bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética organizava as relações internacionais, até o período unipolar pós-1991, com a hegemonia norte-americana, a literatura debate os critérios que distinguem os diferentes níveis de poder (Waltz, 1979; Mearsheimer, 2001; Nye, 2004).

Nas últimas duas décadas, entretanto, o cenário tornou-se mais complexo. A ascensão da China e o relativo declínio dos Estados Unidos reintroduziram a possibilidade de uma ordem bipolar, mas a consolidação de blocos como BRICS e G20, bem como a emergência de novos polos de poder no Sul Global, sugerem tendências de multipolaridade (Lind, 2024; Chivvis & Geaghan-Breiner, 2024). Assim, compreender como os países são classificados em termos de poder e quais critérios sustentam essa hierarquia é essencial para interpretar as transformações da ordem mundial.

Estudos recentes, como o International Hierarchy Expert Survey (IHES, 2023), têm buscado operacionalizar essas categorias de forma sistemática, combinando atributos materiais (poder militar, econômico, populacional e diplomático) com a dimensão simbólica do reconhecimento internacional. Tais abordagens permitem observar não apenas a posição relativa de superpotências como Estados Unidos e China, mas também os dilemas enfrentados por grandes potências tradicionais (Reino Unido, França, Rússia, Alemanha, Japão) e o papel instável das potências regionais e emergentes (como Brasil, Índia, Indonésia e África do Sul).

Este artigo tem como objetivo analisar a hierarquia contemporânea de poder internacional, discutindo as definições de cada categoria, os critérios de classificação e exemplos empíricos de sua aplicação. Argumenta-se que o sistema atual combina uma rivalidade estrutural entre EUA e China com a crescente relevância de potências emergentes e regionais, produzindo um quadro híbrido entre bipolaridade e multipolaridade.

Fundamentos Teóricos e Critérios de Classificação

A categorização de Estados segundo níveis de poder é um tema recorrente, pois permite compreender as dinâmicas da política internacional, em especial a ordem internacional (qual potência condiciona os principais regimes). Desde a era clássica da teoria do equilíbrio de poder até os debates contemporâneos sobre unipolaridade, bipolaridade e multipolaridade, estudiosos buscam critérios para distinguir superpotências, grandes potências, potências regionais e emergentes.

John Mearsheimer (2001), em sua formulação do realismo ofensivo, sugere que uma grande potência deve possuir capacidades militares e econômicas suficientes para enfrentar, em guerra total, o Estado mais poderoso do sistema. Kenneth Waltz (1979), no estruturalismo neorrealista, aponta variáveis como população, território, recursos naturais, economia, poder militar e estabilidade político-institucional como fatores essenciais para determinar o lugar de um Estado na hierarquia internacional.

Já Joseph Nye (2004) acrescenta a dimensão do soft power, entendida como a habilidade de atrair e cooptar por meio da cultura, dos valores e da diplomacia, ampliando a noção de poder além da força militar e econômica. Em análises mais recentes, fala-se em smart power, ou seja, a combinação estratégica entre hard e soft power.

No entanto, um desafio central permanece: como operacionalizar tais conceitos em classificações comparáveis. É nesse ponto que estudos recentes, como o International Hierarchy Expert Survey (IHES), trazem contribuições significativas. O IHES é um levantamento internacional de especialistas que busca medir o status de poder dos Estados por meio de uma escala contínua. Na terceira onda do projeto (2023), os países foram classificados em quatro categorias principais ( superpotências, grandes potências, potências médias e pequenas potências) de acordo com um índice de status de poder, que varia de 1 (baixo) a 4 (máximo). Os limiares estabelecidos foram:

  • Superpotências: acima de 3,5
  • Grandes Potências: entre 2,5 e 3,5
  • Potências Médias: entre 1,5 e 2,5
  • Pequenas Potências: abaixo de 1,5

Essa métrica se diferencia das abordagens puramente quantitativas (como PIB ou gasto militar) por integrar a percepção de especialistas sobre a posição relativa dos Estados, reconhecendo que o status internacional é também uma construção social e diplomática. Assim, enquanto indicadores materiais continuam centrais, o reconhecimento internacional e a percepção de pares configuram parte essencial do critério de classificação.

Em síntese, a literatura e os modelos recentes convergem em torno de cinco dimensões principais para aferir o poder nacional:

  1. Poder militar: capacidade ofensiva, dissuasão nuclear e alcance planetário.
  2. Poder econômico: PIB, comércio exterior, inovação tecnológica.
  3. Recursos demográficos e territoriais: população, território, energia, recursos naturais.
  4. Influência diplomática e institucional: alianças, participação em fóruns, assentos em organizações internacionais.
  5. Soft power: projeção cultural, reputação internacional e modelo político-ideológico.

Esses critérios, combinados com o componente de reconhecimento do status, formam a base para analisar a hierarquia de poder no sistema internacional contemporâneo.

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Modelos Classificatórios Recentes

A literatura contemporânea não se limita a categorizações qualitativas (como superpotência, grande potência ou emergente). Diversos estudos têm buscado criar modelos quantitativos capazes de medir, de forma comparável, o status de poder dos Estados.

International Hierarchy Expert Survey (IHES)

O IHES é talvez o esforço mais inovador da última década. Realizado em ondas sucessivas (a terceira em 2023), o projeto reúne especialistas internacionais em Relações Internacionais para atribuir notas de 1 (mínimo) a 4 (máximo) ao poder relativo dos Estados. A partir dessas pontuações, os países são classificados em quatro categorias:

  • Superpotências: acima de 3,5
  • Grandes Potências: entre 2,5 e 3,5
  • Potências Médias: entre 1,5 e 2,5
  • Pequenas Potências: abaixo de 1,5

Na terceira onda, apenas Estados Unidos e China atingiram consistentemente o nível de superpotência. Entre as grandes potências, apareceram Rússia, Índia, Japão, Alemanha, Reino Unido e França. Já países como Brasil, Turquia, África do Sul, México e Indonésia foram classificados majoritariamente como potências médias, apesar de seu peso regional ou emergente.

A principal inovação do IHES está em combinar atributos materiais com percepção de status, reconhecendo que o poder é também uma construção social. O índice revela como certos países são reconhecidos (ou não) por seus pares como atores de primeira linha no sistema internacional.

Índices de Poder Nacional (CNP)

Outra abordagem são os cálculos compostos de Poder Nacional Abrangente (Comprehensive National Power – CNP), amplamente utilizados em análises chinesas. O CNP combina variáveis como:

  • PIB e indicadores econômicos,
  • Capacidade militar,
  • Recursos naturais e demográficos,
  • Avanços científicos e tecnológicos,
  • Influência cultural e diplomática.

Embora criticados por sua falta de padronização metodológica, os índices de CNP ajudam a ilustrar a hierarquia percebida em Pequim, onde EUA e China disputam o topo, seguidos por um núcleo de grandes potências (Rússia, Japão, Alemanha, Índia) e um grupo mais amplo de potências médias.

Lowy Institute Asia Power Index

Outro esforço notável é o Asia Power Index, produzido anualmente pelo Lowy Institute. O índice avalia 26 países da Ásia-Pacífico em oito dimensões:

  1. Recursos econômicos,
  2. Capacidades militares,
  3. Resiliência,
  4. Influência diplomática,
  5. Influência cultural,
  6. Redes de defesa,
  7. Recursos futuros,
  8. Capacidade tecnológica.

Os resultados de 2023 confirmaram a bipolaridade EUA–China na região, enquanto países como Japão, Índia e Austrália despontam como grandes potências regionais, mas sem alcance de superpotência.

Vantagens e limites

Esses modelos quantitativos oferecem métricas comparáveis, mas também têm limites:

  • Podem superestimar fatores materiais em detrimento de aspectos políticos e sociais.
  • A percepção de status varia de acordo com conjunturas específicas (ex.: Rússia antes e depois da guerra na Ucrânia).
  • Há risco de regionalizar excessivamente o poder, como no caso do Lowy Index, que privilegia a Ásia.

Apesar disso, o esforço de mensuração sistemática tem o mérito de tornar explícitas as hierarquias e de mostrar como a ascensão e declínio das potências é percebida ao longo do tempo.

Superpotências no Sistema Internacional

O conceito de superpotência refere-se a Estados cuja capacidade de influência transcende limites locais e se projeta para todas as regiões, combinando superioridade militar, econômica, tecnológica, diplomática e cultural. Diferentemente das grandes potências, que exercem influência significativa mas em âmbito mais limitado, uma superpotência é capaz de intervir em praticamente qualquer região do mundo e em múltiplos domínios do poder (militar, econômico e ideacional).

Após o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos permaneceram como a única superpotência reconhecida, mantendo a primazia em termos de gastos militares, presença mundial de bases e alianças estratégicas (como a OTAN), além de liderança na economia, na tecnologia e no soft power cultural (Nye, 2004). O status norte-americano é também reforçado pelo controle de instituições internacionais e pela centralidade do dólar como moeda de reserva internacional.

A China, no entanto, tornou-se o principal desafiante dessa hegemonia. Desde o início do século XXI, e especialmente após 2010, Pequim passou a exibir taxas de crescimento econômico elevadas, tornando-se a segunda maior economia mundial (e a primeira em termos de PIB por paridade de poder de compra). Ao mesmo tempo, investiu pesadamente na modernização de suas Forças Armadas e na ampliação de sua presença internacional, por meio da Iniciativa Cinturão e Rota e do fortalecimento de sua influência diplomática em organizações internacionais.

Estudos recentes mostram que apenas os EUA e a China ultrapassaram o limiar de status necessário para serem considerados superpotências (IHES, 2023). Enquanto os EUA mantêm posição consolidada, a China é classificada como superpotência ascendente, confirmando a transição de um sistema unipolar para uma configuração bipolar, centrada na disputa entre Washington e Pequim (Lind, 2024).

Outros países, por mais influentes que sejam, permanecem fora dessa categoria. A Rússia, apesar de sua capacidade nuclear e presença como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, enfrenta restrições econômicas e tecnológicas que limitam sua ascensão além do patamar de grande potência. Já países como a Índia são, em muitos estudos, apontados como potenciais superpotências futuras, graças à combinação de crescimento econômico, demografia e capacidades militares, mas ainda não atingiram os limiares necessários para figurar no mesmo nível que EUA e China.

Assim, o status de superpotência é hoje uma categoria extremamente restrita: os Estados Unidos como superpotência consolidada e a China como superpotência emergente. Esse duopólio redefine a hierarquia internacional e impõe novos dilemas para a política internacional no século XXI.

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Grandes Potências

As grandes potências ocupam a segunda camada da hierarquia internacional. Diferenciam-se das superpotências pelo alcance mais limitado, mas ainda possuem recursos militares, econômicos e diplomáticos suficientes para influenciar a agenda internacional. O reconhecimento internacional desempenha papel fundamental: ser aceito como grande potência envolve não apenas capacidades materiais, mas também legitimidade perante os pares (Mearsheimer, 2001).

Historicamente, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (P5 – Reino Unido, França, Rússia, China e Estados Unidos) foram tratados como núcleo das grandes potências do pós-Segunda Guerra Mundial. Com exceção dos EUA e da China (já discutidos como superpotências), Reino Unido, França e Rússia permanecem como exemplos típicos dessa categoria. O assento permanente no CSNU, acompanhado do poder de veto e da posse de arsenais nucleares, continua sendo um marcador de prestígio e de capacidade decisória internacional.

O Reino Unido e a França são frequentemente classificados como grandes potências tradicionais. Apesar de economias menores em comparação a Alemanha ou Japão, ambos combinam presença militar, capacidades nucleares, redes diplomáticas históricas e influência cultural. Seu peso é reforçado pela condição de potências coloniais do passado, que lhes legou presença linguística e cultural em diversos continentes.

A Rússia, por sua vez, ilustra as ambiguidades da categoria. Com vasto arsenal nuclear, assento no CSNU e capacidade de projetar poder em sua vizinhança, Moscou mantém status de grande potência. No entanto, sua economia relativamente frágil e as dificuldades militares reveladas pela guerra na Ucrânia levantam questionamentos sobre a consistência desse papel. Para alguns analistas, a Rússia pode ser vista como uma “grande potência enfraquecida”, ainda relevante, mas com influência declinante (IHES, 2023).

Fora dos plenos membros do Conselho de Segurança, Alemanha e Japão são frequentemente incluídos entre as grandes potências, sobretudo no campo econômico e tecnológico. Ambos figuram entre as maiores economias e exercem liderança significativa em fóruns multilaterais como o G7 e o G20. A ausência de arsenais nucleares e a dependência de alianças de segurança (notadamente com os EUA) limitam sua projeção militar, o que levou alguns autores a descrevê-los como potências civis. Ainda assim, sua influência política e econômica é suficiente para justificar a inclusão como grandes potências contemporâneas.

Outros países, como a Índia e o Brasil, são ocasionalmente descritos como grandes potências emergentes. Contudo, apenas um grupo restrito, Reino Unido, França, Rússia, Alemanha, Japão e Índia, alcança, de forma consistente, o patamar de grandes potências. O Brasil, embora reconhecido como potência regional em crise e emergente com grandes limitações, permanece geralmente na faixa de potência média, com projeção limitada fora da América Latina.

Em síntese, as grandes potências do século XXI compõem um círculo de Estados que, sem atingir o patamar das superpotências, continuam moldando decisões cruciais da ordem internacional. São atores indispensáveis em temas de segurança, comércio e governança internacional, exercendo papel de ponte entre o núcleo das superpotências e as potências regionais.

Potências Regionais

Além da classificação proposta no IHES de super, grande, média e pequena potência, considera-se também as potências regionais que, em teoria, exercem liderança ao combinar peso econômico, capacidades militares e instrumentos diplomáticos em relação aos demais países da região de influência. Mesmo com grandes limitações e longes de serem grandes potências, considerando o arranjo de forças locais, contam com recursos para influenciarem o política regional. 

As potências regionais ocupam um patamar distinto na hierarquia internacional: sua influência é significativa, mas restrita ao entorno geográfico imediato. Diferem das grandes potências porque não dispõem de capacidades suficientes para projetar poder de forma consistente em escala global. Ainda assim, desempenham papel central na estabilidade, nos conflitos e nas dinâmicas políticas de suas regiões (Waltz, 1979).

Definição e características

De modo geral, uma potência regional reúne três elementos principais:

  1. Supremacia relativa na região – destacando-se econômica, militar e politicamente em comparação com seus vizinhos.
  2. Capacidade de liderança – atua como polo de cooperação ou, em alguns casos, de competição dentro de arranjos regionais.
  3. Reconhecimento regional – sua posição de destaque é percebida (e muitas vezes contestada) pelos Estados ao redor (IHES, 2023).

O Caso do Brasil – Entre projeção de poder e a crise da integração 

O Brasil, tradicionalmente reconhecido como potência regional, vive hoje uma erosão de sua capacidade de liderança. A década de 2000 foi marcada por ambiciosos projetos de integração, passando pela criação da UNASUL (2008), o avanço da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e o fortalecimento do Mercosul. Essas iniciativas buscavam articular bens públicos regionais (infraestrutura, defesa, saúde, democracia), ampliando o raio de influência brasileira no subcontinente (Sanahuja, 2017; Riggirozzi & Grugel, 2015).

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Fonte: beyhanyazar de Getty Images via Canva

Entretanto, a partir da crise econômica brasileira de 2014 e da polarização política interna, esse protagonismo entrou em declínio. O fim da UNASUL e a paralisia de projetos como o IRSA/Cosiplan ilustram a incapacidade de manter a coesão regional. Relações bilaterais tradicionalmente centrais, como com a Argentina, também sofreram deterioração, agravadas pela ascensão de governos ideologicamente divergentes em Buenos Aires e Brasília (Egler, 2019).

Além disso, observa-se uma crescente influência extrarregional. A presença dos Estados Unidos no Atlântico Sul, seja via cooperação em segurança, seja por investimentos em energia e logística, e a expansão da China em setores estratégicos fragilizam o espaço de manobra do Brasil. A retração de empresas como a Petrobras da cena sul-americana abriu espaço para capitais externos, minando a capacidade de o país oferecer bens regionais de longo prazo (Egler, 2019).

A literatura recente aponta que o regionalismo sul-americano entrou em um ciclo de fragmentação e desintegração, em que blocos como Mercosul e CAN sobrevivem mais por inércia institucional do que por dinamismo político (Carvalho & Senhoras, 2020). O Brasil, em vez de projetar liderança, tornou-se refém de crises domésticas e de uma diplomacia cada vez mais reativa, o que compromete sua condição de potência regional.

Assim, a atual conjuntura revela um paradoxo: o Brasil continua sendo o maior país da região em termos de população, PIB e território, mas sua capacidade de converter esses atributos em liderança efetiva está seriamente comprometida.

Potências Regionais em Perspectiva Comparada

O declínio da liderança brasileira não é um fenômeno isolado. Diversas potências regionais enfrentam dilemas semelhantes, seja pela instabilidade doméstica, seja pela interferência de potências de alcance extra-regional.

Índia no Sul da Ásia
A Índia é o caso mais claro de potência regional dominante. Sua supremacia demográfica e econômica em relação a vizinhos como Nepal, Bangladesh e Sri Lanka é inquestionável. Contudo, sua liderança é constantemente contestada pelo Paquistão, que combina rivalidade histórica com dissuasão nuclear. Além disso, o crescente envolvimento da China no subcontinente, via infraestrutura no Sri Lanka, Nepal e Paquistão (Corredor Econômico China–Paquistão), limita a capacidade da Índia de exercer hegemonia plena. Assim como o Brasil, Nova Délhi se vê desafiada por potências externas que competem pela influência em sua vizinhança imediata.

África do Sul na África Austral
A África do Sul é reconhecida como potência regional pelo seu peso econômico, industrial e diplomático no continente. No entanto, enfrenta dilemas semelhantes aos do Brasil: crises políticas internas, desigualdade social e baixo crescimento econômico fragilizam sua capacidade de liderar. Paralelamente, a expansão chinesa e russa na África, por meio de investimentos em infraestrutura, energia e segurança, restringe a margem de manobra sul-africana. Sua condição de potência regional, portanto, é mais simbólica do que efetiva em termos de coordenação continental.

Turquia e Arábia Saudita no Oriente Médio
O Oriente Médio exemplifica um caso de multiplicidade de potências regionais. A Turquia, com forte base militar e projeção no Mediterrâneo e no Cáucaso, disputa influência com a Arábia Saudita, que se ancora em seus recursos energéticos e centralidade no mundo islâmico. O Irã adiciona uma terceira força de peso, marcada por capacidades militares assimétricas e redes de aliados regionais. Aqui, diferentemente da América do Sul, não há um líder natural indiscutível, mas sim uma competição permanente que impede a consolidação de um único polo regional.

Comparação Geral
Enquanto Brasil e África do Sul sofrem com crises internas que corroem sua capacidade de liderança, a Índia e a Turquia enfrentam sobretudo pressões externas e rivalidades regionais. O padrão comum é a dificuldade de transformar recursos materiais em liderança estável: seja por ausência de consenso regional, seja por interferência de grandes potências, seja por instabilidade doméstica.

Potências Emergentes

O termo potência emergente designa países que, embora não alcancem ainda o status de grandes potências consolidadas, apresentam trajetória de ascensão no sistema internacional. Sua influência deriva de fatores como rápido crescimento econômico, demografia favorável, recursos estratégicos e crescente inserção diplomática (Chivvis & Geaghan-Breiner, 2024).

Definição e características

As potências emergentes se distinguem das regionais por apresentarem aspirações e capacidades globais, mesmo que ainda limitadas. Seu papel não é apenas liderar em seu entorno imediato, mas também reivindicar voz ativa em fóruns internacionais e propor alternativas à ordem estabelecida. De modo geral, reúnem:

  1. Mercados internos robustos – que lhes garantem resiliência e projeção econômica.
  2. Recursos naturais estratégicos – especialmente energia e minerais críticos.
  3. Capacidade diplomática ampliada – atuação em blocos como BRICS e G20.
  4. Trajetória ascendente – crescimento econômico ou geopolítico acima da média.

Exemplos contemporâneos

A Índia é o caso mais emblemático. Seu peso demográfico (mais de 1,4 bilhão de habitantes), a rápida expansão econômica e a condição nuclear a colocam como candidata a superpotência no longo prazo. Nova Délhi já busca maior protagonismo internacional, reivindicando assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e expandindo sua atuação no Indo-Pacífico.

O Brasil, apesar das crises recentes em sua liderança regional, continua classificado como potência emergente. Seu território continental, recursos naturais abundantes, participação ativa nos BRICS e no G20, além da tradição diplomática, sustentam esse status. Contudo, a dificuldade de traduzir atributos materiais em liderança efetiva limita sua projeção (Egler, 2019).

A Indonésia, como maior economia do Sudeste Asiático, ganha crescente reconhecimento como emergente, reforçada por sua centralidade na ASEAN e por sediar importantes cadeias produtivas. A Turquia, embora enfrente crises domésticas e regionais, se projeta como ator estratégico entre Europa, Oriente Médio e Ásia Central. Já a Arábia Saudita combina sua relevância energética e investimentos financeiros com tentativas de diversificação econômica, ampliando sua influência para além do Golfo.

Outros países frequentemente citados como emergentes incluem o México, a Nigéria, a África do Sul e a Argentina, todos com peso econômico ou geopolítico em seus contextos, embora enfrentem limitações domésticas que moderam suas ambições de influência internacional.

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Photo by Afif Ramdhasuma on Unsplash

Impacto na multipolaridade

O surgimento dessas potências emergentes tem contribuído para uma ordem internacional mais complexa e policêntrica. Em vez de se alinharem automaticamente a superpotências (EUA e China), muitos desses países buscam estratégias autônomas, priorizando interesses nacionais. O caso da neutralidade relativa de Índia, Brasil e África do Sul frente à guerra na Ucrânia ilustra como os emergentes procuram preservar margem de manobra (Carnegie Endowment, 2024).

O resultado é um cenário no qual, mesmo que os EUA e a China dominem a hierarquia superior, potências emergentes pressionam por reformas na governança internacional — seja em instituições como ONU, FMI e OMC, seja na criação de fóruns alternativos, como o BRICS ampliado.

Considerações Finais

A análise da hierarquia internacional de poder mostra que o sistema contemporâneo é marcado por assimetria e transição. Os Estados Unidos permanecem como a única superpotência consolidada, enquanto a China desponta como superpotência emergente, aproximando o sistema de uma configuração bipolar (Lind, 2024).

Entretanto, a realidade é mais complexa do que um simples duopólio. O papel das grandes potências, como Reino Unido, França, Alemanha, Japão e Índia,  continua relevante para a governança internacional, embora sua influência esteja sujeita a constrangimentos internos e externos. As potências regionais, por sua vez, revelam tanto potencial quanto fragilidade: casos como o Brasil e a África do Sul ilustram as dificuldades de transformar atributos materiais em liderança efetiva, sobretudo diante de crises domésticas e da competição de atores extrarregionais (Egler, 2019).

As potências emergentes, Índia, Brasil, Indonésia, Turquia, Arábia Saudita, entre outras, reforçam a tendência a uma ordem internacional mais multipolar. Esses países não se alinham automaticamente às superpotências, buscando estratégias autônomas e pressionando por reformas nas instituições multilaterais (Chivvis & Geaghan-Breiner, 2024). Assim, ainda que EUA e China concentrem os maiores recursos, a multiplicação de centros de poder dificulta qualquer hegemonia absoluta.

Modelos classificatórios recentes, como o International Hierarchy Expert Survey (IHES), confirmam essa diversidade de posições. Ao combinar métricas objetivas e percepções de status, o IHES mostra que apenas EUA e China são reconhecidos como superpotências, enquanto grandes potências e potências médias se distribuem em um gradiente mais fluido. Essa abordagem ressalta que o poder internacional é tanto material quanto socialmente construído (IHES, 2023).

Em suma, o sistema internacional do século XXI oscila entre duas tendências:

  1. Bipolaridade, marcada pela rivalidade estrutural entre EUA e China.
  2. Multipolaridade incipiente, impulsionada por grandes potências e emergentes que buscam ampliar seu espaço de manobra.

Para países como o Brasil, essa conjuntura traz desafios e oportunidades. Se por um lado sua liderança regional encontra-se fragilizada, por outro a ascensão dos emergentes abre brechas para reposicionar sua diplomacia em fóruns ampliados. A trajetória futura dependerá da capacidade de transformar atributos potenciais em influência efetiva e sustentável.

Referências

CHIVVIS, C.; GEAGHAN-BREINER, L. Emerging Powers and the Future of American Statecraft. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2024.

EGLER, C. A. G. Crise e (Des)Integração Regional na América do Sul. Anais do Congresso Internacional de Geografia, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/343136025_Crise_e_DesIntegracao_Regional_na_America_do_Sul. Acesso em: 21 set. 2025.

INTERNATIONAL HIERARCHY EXPERT SURVEY – IHES. Wave III Report. Rússia: Russia in Global Affairs, 2023.

LIND, J. Back to Bipolarity: How China’s Rise Transformed the Balance of Power. International Security, v. 49, n. 2, p. 7–44, 2024.

MEARSHEIMER, J. The Tragedy of Great Power Politics. New York: W. W. Norton, 2001.

NYE, J. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs, 2004.

WALTZ, K. Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley, 1979.

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Analista de Relações Internacionais at ESRI | Website |  + posts

Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor. Contato profissional: guilherme.bueno(a)esri.net.br

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