Sobre o autor
Nascido em 23 de março de 1940 em Charlotte, na Carolina do Norte, Graham Tillet Allison Jr. é cientista político, escritor, professor e pesquisador na Harvard University, onde atuou por cinco décadas. Graduado em História pela Harvard College, Mestre em Filosofia, Política e Economia pela Oxford University, e Doutor em Ciência Política pela Harvard University. Aos 81 anos de idade, Graham Allison carrega consigo uma carreira profundamente singular como um dos principais analistas de segurança nacional dos Estados Unidos, com foco especial em temas voltados a Rússia, China, armas nucleares e tomadas de decisões. Allison foi reitor fundador da John F. Kennedy School of Government, fundador e diretor do Belfer Center of Science and International Affairs,um dos principais think tanks de pesquisa, ensino e treinamento da Harvard Kennedy School sobre política, segurança, meio ambiente, diplomacia e relações internacionais.
Para além da sua carreira acadêmica, Allison também atuou na formulação da política de segurança do país, tendo sido conselheiro e secretário assistente nos Departamentos de Defesa durante as gestões Reagan, Clinton e Obama. Como secretário, Graham Allison recebeu a Medalha de Defesa por Serviço Público Distinto, o maior prêmio civil concedido pelo departamento de defesa, em especial por suas contribuições para reformular a relação dos Estados Unidos com a Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia e Cazaquistão. Ao final do seu trabalho como secretário, mais de 12.000 armas nucleares pertencentes à antiga URSS foram recuperadas, e mais de 4.000 ogivas nucleares estratégicas foram eliminadas.
A Caminho da Guerra: Os Estados Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilha de Tucídides?
Deixai a China dormir, pois, quando acordar, o mundo tremerá. (Napoleão Bonaparte, 1817).
No dia 15 de janeiro de 2020, após quase dois anos, Estados Unidos e China assinaram a primeira fase de um acordo de trégua que encerrava a intensa disputa comercial travada entre os dois países. Segundo o acordo, a China se comprometeria a elevar substancialmente suas compras dos produtos americanos, proteger a tecnologia estrangeira e aplicar novas medidas de cumprimento de normas comerciais, a fim de reduzir o superavit comercial chinês com os norte-americanos. Pouco antes da assinatura do texto base, o acordo já era tido pelas autoridades como ilusório, e a pandemia posteriormente só agravaria ainda mais esta percepção.
Contudo, a disputa comercial travada entre os dois países acabou contribuindo para chamar ainda mais a nossa atenção acerca de uma temática crucial, que tem gerado demasiada preocupação nas autoridades acadêmicas e políticas vigentes. Tema este que o historiador Graham Allison busca desenvolver em seu mais recente livro, A Caminho da Guerra (2020), o crescente cenário de tensão entre os Estados Unidos e a China nas últimas décadas, e se tal escalada político-econômica, aparentemente irrefreável, poderia conduzir ambas as nações a um conflito bélico ou não.
A questão obviamente é complexa e traz consigo uma série de nuances que Allison cuidadosamente salienta e decifra para o seu leitor, a fim de que este tenha uma melhor visão sobre tal problemática. Ao delinear o cenário vigente, o historiador americano aponta que esta sensação de inevitabilidade perante o panorama geral que se constrói pode ser descrita como a “Armadilha de Tucídides”; conceito de relações internacionais cunhado séculos atrás na Grécia Antiga pelo historiador e general ateniense, Tucídides, a fim de explicar o inevitável desfecho violento entre as cidades-estados de Atenas e Esparta.
Será com base nessa premissa principal que Allison nos apresentará todos os elementos envoltos nesta relação tênue entre Estados Unidos e China; os possíveis estopins que poderiam ocasionar a deflagração de um conflito, a visão que a China tem de si mesma e do mundo por ventura, além de nos fazer uma retrospectiva histórica sobre 16 situações transcorridas nos últimos cinco séculos em que a ascensão de uma potência começara a ameaçar o status quo da outra. Nas 16 situações em particular, 12 terminaram em guerra.
Desta forma, elucidaremos nesta resenha os argumentos fundamentais que Graham Allison nos aponta em seu livro, com o intuito responder à pergunta inicial proposta logo no subtítulo da obra. Em uma narrativa que combina um pouco de seus conhecimentos e trajetória pessoal com registros históricos e dados empíricos acerca do antigo império do meio. Logo no início de sua prosa, Allison começa fazendo uma adução ao seu leitor do conceito base que norteará os capítulos subsequentes no que diz respeito a análise do cenário entre Estados Unidos e China, bem como de outras nações ao longo dos séculos. O conceito intitulado “Armadilha de Tucídides” faz referência a uma máxima dita pelo historiador e general ateniense, quando o conflito que quase engoliu a Grécia como um todo se aproximava de forma inelutável, a Guerra do Peloponeso.
Tucídides nos explica em sua obra, História da Guerra do Peloponeso, os alicerces que levaram ao sangrento conflito pela seguinte afirmação: “A ascensão de Atenas e o consequente temor instilado em Esparta tornaram a guerra inevitável.” (Tucídides, 2001). Assim, a premissa que o pensador grego busca demonstrar por meio dessa frase é que, na história, quando um agente começa a desfrutar de uma notável ascensão, seja esta política, econômica, militar, ou et al, a qual possa simbolizar uma ameaça ao status quo de seus vizinhos, o resultado natural costuma ser o conflito.
Neste sentido, Allison nos aponta para como este conceito costuma ser operado no estudo das guerras. Porém, ao fazer isso, o historiador americano também acaba tecendo uma espécie de crítica, pois este adverte que a maioria dos acadêmicos e pesquisadores buscam comumente estudar as guerras por uma perspectiva mais causal e positivista, dando especial enfoque aos gatilhos que conduziram a tal deflagração.
Segundo Allison (2020), para Tucídides “mais importante do que as centelhas iniciais da conflagração, […] são os fundamentos estruturais de suas bases” (p. 14). Logo, mais importante do que saber o estopim que acende a chama do conflito, faz-se necessário entender as circunstâncias pré-existentes dentro daquela situação em particular, que corroboraram para tal resultado. Conforme nos endossa Allison (2020, p. 15),
Sempre que uma potência em ascensão ameaça desbancar a dominante, o estresse estrutural resultante transforma o choque violento em regra, não exceção. Aconteceu entre Atenas e Esparta no século V a.C., entre a Alemanha e a Grã-Bretanha há um século, e quase levou União Soviética e Estados Unidos às últimas consequências nas décadas de 1950 e 1960.
Será nessa linha de raciocínio que o historiador americano nos familiarizará com as principais características que vêm ativando esse cenário de disputa e rivalidade entre os EUA e a China. Inicialmente, este começa com uma detalhada abordagem sobre a China e o seu espantoso crescimento nas últimas décadas.
Dizem que Roma não foi construída em um dia, pois alguém com certeza esqueceu de dizer isso aos chineses. Quando olhamos para os principais medidores econômicos de China e Estados Unidos entre os anos de 1980 e o ano de 2015, a comparação é absurda quando não assustadora. Allison (2020, p. 26-28) destaca bem esta questão ao discorrer acerca do crescimento econômico do país asiático em relação ao seu próprio,
Em uma única geração, uma nação que não aparecia em nenhuma colocação internacional relevante saltou para a ponta da tabela. Em 1980, o PIB chinês era inferior a 300 bilhões de dólares; em 2015, passou para 11 trilhões de dólares (…) em 1980, o comércio exterior chinês totalizava menos de 40 bilhões de dólares; em 2015, centuplicou para 4 trilhões. Para cada biênio a partir de 2008, o aumento no PIB chinês foi superior a toda a economia da Índia. (…) Hoje, a produtividade do trabalhador chinês corresponde a um quarto da do norte-americano. Se nas próximas uma ou duas décadas eles tiverem apenas a metade da produtividade americana, a economia chinesa chegará ao dobro da outra. Caso se igualem à produtividade americana, a economia da China será quatro vezes maior do que a dos Estados Unidos.
Esse grande salto econômico orquestrado pela China logo após a década de 1980 continua a ser uma surpresa para grande parcela dos cidadãos norte-americanos. Afinal, a maioria destes cresceu em um mundo em que eles costumavam ser o número um entre os demais Estados – especialmente durante o momento de soberania e opulência unipolar norte-americana, logo após a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. Logo, para os americanos, a ideia de que eles pudessem estar sendo passados para trás era algo totalmente inaceitável. Muitos inclusive começaram a reivindicar que a sua hegemonia econômica era um direito inalienável de sua nação, ou seja, a liderança econômica norte-americana era algo subjacente à sua própria identidade nacional, não podendo jamais ser abolida.
Ao longo do livro, o autor também desenvolve bastante acerca desta perspectiva falha e prepotente dos EUA sobre o seu adversário asiático. Nas palavras de Allison (2020, p. 39), “muitos americanos se apegaram à crença de que, apesar de todo seu tamanho e barulho, o sucesso da China ainda é essencialmente uma história de imitação e produção em massa”. Segundo o autor, embora pareça antiquado, tal argumento possui sim certo fundamento, tendo em vista o roubo de propriedade intelectual como uma prática fundamental para o programa de desenvolvimento econômico chinês. No entanto, se faz necessário compreender que embora a China tenha se feito desta forma, eis que hoje esta também começa a surpreender (quando não ameaçar) com produções próprias em diversas áreas cruciais para a economia mundial, como: infraestrutura, computadores, semicondutores, comunicação, robótica, produtos farmacêuticos, poderio militar, et al.
Será com base nesse desenvolvimento econômico em larga escala, somado a fortes investimentos em áreas chaves, que China poderá desenvolver uma nova forma de equilíbrio de poder, a geoeconomia. Durante muitas décadas no estudo das RI, o chamado equilíbrio de poder fora um conceito muito associado à capacidade militar de um Estado para com os demais. Com a China esta questão sofre uma ligeira mudança por meio do forte uso de instrumentos econômicos como forma de coerção ou de aumento da cooperação. Com táticas que vão desde acordos comerciais e políticas de investimento, até sanções econômicas, embargos, bloqueios e ciberataques.
De acordo com o autor, a China é hoje o maior praticante de geoeconomia e busca conduzir sua política externa quase exclusivamente por meio desta. Ao utilizar de instrumentos econômicos coercitivos ou acordos proeminentes para delinear o controle que este tem sobre os demais agentes do sudeste asiático e do mundo, a China tem como seu intento realizar manobras a fim de envolver aqueles que dela dependem economicamente, colocando-os em posição de desvantagem, na qual fique praticamente impossível de escapar. Conforme nos salienta Allison (2020, p. 43-44),
Nações que ficaram dependentes de importações chinesas e que precisam dos mercados chineses para suas próprias exportações estão particularmente vulneráveis: quando surgem discordâncias, a China simplesmente segura as importações e interrompe as exportações. Casos notáveis incluem a pausa abrupta de todas as exportações de metais raros para o Japão em 2010 (para convencer o Japão a devolver inúmeros pescadores chineses detidos); em 2011, a completa interrupção da compra de salmão norueguês, número um no mercado (para punir a Noruega pela seleção do comitê do Nobel, que premiou um notório dissidente, Liu Xiaobo); e, em 2012, a prolongada inspeção das bananas provenientes das Filipinas até elas apodrecerem nas docas (para o governo filipino modificar os cálculos sobre uma disputa relativa ao recife de Scarborough, no Mar do Sul da China).
Embora possa parecer que Allison traduza a emergência cada vez mais ímpar da China em um tom ligeiramente alarmista, eis que esta se prova carregada de veracidade quando olhamos para os números vigentes e revisamos certas atitudes do gigante asiático em décadas recentes. Logo, ao fazer isso, Allison busca em seu livro quase como chamar a atenção das autoridades norte-americanas para o óbvio, que a China hoje é sim um adversário perigoso e que é necessário ter muita cautela e estratégia, para que ambos não caiam na Armadilha de Tucídides.
Nos capítulos subsequentes, o historiador americano prende nossa atenção em relação ao tema da Armadilha de Tucídides ao explanar sobre diversos atritos presentes na história mundial dos últimos cinco séculos, sempre quando o crescimento de uma nação começara a ameaçar a segurança da outra. Allison destaca 16 situações transcorridas ao redor do mundo em diferentes tempos e circunstâncias, entre os numerosos embates encontram-se: Portugal e Espanha no final do século XV; França e Habsburgo na primeira metade do século XVI; Reino Unido e Estados Unidos no início do século XX; Estados Unidos e União Soviética entre 1940 e 1980, e demais outros, alguns que até hoje perduram.
Junto a isso, o historiador também discorre em outro capítulo sobre a história americana do último século e a forma como este se tornou um colosso em virtude de seu crescimento político, econômico e militar, superando inclusive o Reino Unido, seu adversário e maior potência do mundo à época. Deste modo, Allison explica como a primazia americana no começo do século XX permitiu a estes maximizar sua influência no hemisfério ocidental, auto nomeando-se não somente o farol dos ideais liberais e democráticos como quase uma espécie de “xerife” para com o restante do mundo.
Outro aspecto interessante que o autor também aborda são os possíveis gatilhos que poderiam conduzir a um eventual confronto entre os Estados Unidos e a China, dentro das atuais circunstâncias de base que envolvem os dois países. Existem diversas temáticas importantes e demasiado sensíveis a China, que em um eventual choque, poderiam resultar em um conflito direto entre as duas potências. Entre estes podemos destacar: o aumento da presença militar chinesa no Mar da China Oriental próximo do Japão, que é um importante aliado dos Estados Unidos; a explosão dos protestos na antiga colônia britânica de Hong Kong; um possível vácuo de poder em caso de uma eventual morte precoce do ditador norte-coreano Kim Jong Un, a situação da minoria étnica dos Uigures na província de Xinjiang, além é claro da delicada relação de embate envolvendo a ilha de Taiwan e o governo de Pequim.
Todas essas eventuais questões, segundo Allison, apresentam-se como pautas delicadas e que exigem tanto do governo de Washington como de Pequim, especial atenção e cautela nesse enorme xadrez político. No entanto, o autor compreende a dimensão de todas estas questões e busca fazer uma leitura bastante serena e transparente de todos os elementos que compõem as bases desta complicada relação entre as duas potências. Propõem-se também em chamar a atenção das autoridades e também da população em geral para o perigo, que não é necessariamente iminente, pois ainda pode ser contornado se as cartas certas forem jogadas.
Evidentemente, existem muitas variáveis importantes que devem ser consideradas e postas sobre a mesa para que ambos os agentes não se tornem estática póstuma do conceito de destruição mútua assegurada (MAD) estabelecido nas RI durante a Guerra Fria. Contudo, como Graham Allison busca efetivamente demonstrar, é necessário que os Estados Unidos e a China tomem demasiado cuidado a fim de não repetir o exemplo de demais nações que acabaram por cair na armadilha do historiador grego.
Referências bibliográficas:
Allison, Graham. A Caminho da Guerra: Os Estados Unidos e a China conseguiram escapar da Armadilha de Tucídides? 1, Rio de Janeiro: Intrínseca. 2020.
Tucídides. História da Guerra do Peloponeso. 4, Brasília: Universidade de Brasília. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, São Paulo: Oficina do Estado de São Paulo. 2001.