A República do Peru completará 200 anos de independência em julho do ano corrente e, ao mesmo tempo, haverá a conclusão do processo eleitoral com a posse presidencial após a finalização da complexa corrida eleitoral, onde o virtualmente eleito Pedro Castillo, necessitará do respaldo da justiça peruana sobre as acusações de fraude eleitoral feitas por Keiko Fujimori. No entanto, existem algumas questões que merecem ser abordadas sobre o referido processo, especialmente acerca do funcionamento das instituições e do sistema democrático.
O país enfrenta mais um dilema político dentro de sua conturbada história: a decisão eleitoral guiará o Peru pelos próximos anos para um destino incerto, cujas consequências políticas e econômicas serão fortemente sentidas independente de quem for eleito pelo povo. Esta será uma oportunidade para que o país possa, mais uma vez, revisitar o passado e verificar as falhas do Estado nas mais variadas áreas.
Nota-se que o Peru é um país com fortes problemas institucionais, onde um dos maiores desafios é manter o funcionamento do sistema democrático, além da mitigação de problemas sociais, o desenvolvimento de uma política externa com agenda própria e a resolução dos problemas sanitários causados pela pandemia. Nesse sentido, buscar-se-á avaliar o processo institucional peruano e não apenas as características políticas da presente eleição, ainda que comentários sobre as mesmas nos ajudem a compreender o panorama político atual. A narrativa em relação ao processo de independência servirá como análise complementar para a compreensão da história contemporânea peruana.
Processo independentista: construção nacional
Sobre a independência peruana, é necessário comentar alguns aspectos centrais para o entendimento dos eventos que ocorreram no século XIX e seus impactos na formação do imaginário político peruano. Contreras (2007, p.43) apresenta o processo de independência do Peru como movimento fundamental para a construção de um Estado que fosse capaz de gerir a nova entidade política na região a partir de pontos fundamentais para a organização do Estado. Os pontos levantados pelo autor são compostos pela adoção de uma forma de organização social, a definição das diretrizes da política externa, a organização da política interna, os fundamentos voltados ao sistema judicial, as relações com a igreja e, principalmente, a ideia do que significava ser peruano.
É vital compreender que o processo de transição política no Peru ocorre a partir da conquista de sociedade indígenas avançadas, passando pela emancipação americana culminando na Guerra do Pacífico, período no qual ocorreu outro processo de reconstrução e emancipação peruana, especialmente durante o governo Andrés Cáceres (1886-1890), responsável pela reconstrução da economia peruana no pós-guerra.
No caso peruano, a marginalização dos povos indígenas foi um empecilho para o processo de construção desta ideia, tendo em vista que estes representavam grande parte do Peru e ainda hoje enfrentam o mesmo problema. Durante o processo de formação da identidade nacional, as debilidades na formação da identidade nacional, tornaram-se uma questão pendente no processo de reconhecimento do que é peruanidad, conceito estabelecido por Victor Andrés Belaúnde (1987, p.11).
Basadre (2005, pp. 241-246) recorre ao termo pátria para analisar a questão peruana no século XIX, e reconhece que ali existiam elementos hispânicos e indígenas, os dois em direções opostas, onde o primeiro se coloca como um elemento social e cultural inalterável e o segundo, de solidariedade com as camadas mais humildes daquela sociedade. É notável que o indigenismo à época se colocava como ponto focal de um sentimento nacional que encontrava em si mesmo o povo e seu passado.
Ao verificar, a partir da história econômica, as instituições peruanas representam exatamente o oposto do pensamento institucionalista. Ou seja, com a instabilidade institucional, haverá a precariedade no processo de desenvolvimento social, seguido pelo econômico e político. Verifica-se que após a independência, como discorre Basadre (2005, pp. 241-246), não foi vislumbrado um processo de ruptura colonial, especialmente em decorrência da marginalização indígena e da natureza dependentista da economia.
Eleições (2021): Fuerza Popular x Perú Libre
As eleições realizadas em 2021 apresentam sintomas de uma democracia fragilizada e de um país dividido. Recordando as crises políticas passadas, como um reflexo da teoria supracitada, sabe-se que apenas em 2020 o país possuiu três presidentes após a renúncia do então eleito Pedro Pablo Kuczynski, acusado de corrupção. Apesar dos escândalos de corrupção, há que se notar que a transição política ocorreu de forma pacífica, ainda que os candidatos perdedores tenham um histórico de questionar o resultado das eleições, como o momento atual, no qual Keiko Fujimori já apresentou sua queixa contra o virtualmente eleito Pedro Castillo.
Pedro Castillo, do partido Perú Libre, é um representante das camadas mais baixas e isoladas do Peru, um crítico do establishment, e, atualmente, o único representante do anti-fujimorismo. Ademais, atuou como membro das chamadas Rondas Campesinas, responsáveis pela defesa da comunidade rural durante os movimentos de guerrilha realizados pelo grupo terrorista Sendero Luminoso. Keiko Fujimori, do partido Fuerza Popular, por outro lado, representa o populismo e a resistência ao socialismo latino-americano. Ao receber o apoio de um dos maiores opositores de seu pai, Vargas Llosa, tornou-se uma candidata com muita expressão política nos centros econômicos do Peru.
Mais importante que a natureza dos dois candidatos, a análise da formação territorial e populacional do Peru é mais relevante para compreensão dos votos válidos. A região é, historicamente, desigual e dividida desde o seu processo de independência, em 1821, iniciado por um argentino e finalizado por um venezuelano. No entanto, próximo a completar 200 anos, o país ainda não conseguiu conciliar as variadas partes do país.
Fundamental salientar que a maior questão dentro das eleições peruanas é a inclusão ou exclusão dos povos nativos, da população carente e de um processo de reconstrução andina. Obviamente os efeitos serão sentidos não apenas no nível nacional, mas haverá também a reformulação da política externa. No entanto, os problemas sociais e o debate sobre o indigenismo permanecerão sendo questões pendentes dentro do país. A polarização existente no Peru é, ainda, consequência dos oligarcas peruanos que saquearam o país nas últimas décadas. A corrupção sistêmica, a avassaladora crise financeira, e a instabilidade política gerada pelos fatores supracitados são fenômenos que nos ajudam a compreender os motivos da divisão do país.
Outra potencial questão a ser levantada, ao lado das questões indígena e rural, é a desigualdade social e seus reflexos nas decisões políticas. Se levarmos em conta que a contagem de votos dos expatriados peruanos foi finalizada antes da contagem da população rural, entendemos que as demandas políticas desses povos não se limita apenas ao desenvolvimento de uma liderança que os represente, mas a busca pela ruptura do processo de exclusão não apenas social, mas também na área de infraestrutura e acesso ao desenvolvimento. Precisamos notar ainda que o voto rural definiu, em 2016, as eleições onde Kuczynski saiu vencedor e, em 2021, a mesma contabilização dos votos representa a derrota de Keiko para a presidência peruana.
Há que se notar ainda a lógica do mal menor. Ou seja, dentro do sistema político peruano, a lógica do candidato que apresenta menos riscos ao sistema democrático peruano, como defendeu Vargas Llosa, ao afirmar que com Fujimori, existem mais chances de se salvar a democracia peruana. Outros dados importantes para compreensão do chamado paradoxo peruano estão dispostos abaixo.
1. Todos os presidentes eleitos desde 1985 foram acusados de corrupção;
2. Antes da pandemia, o país conseguiu minimizar a pobreza e a desigualdade;
3. Registros de crescimento econômico desde a metade dos anos 1990.
Keiko não deve reproduzir as maiores marcas políticas de seu pai, como o desenvolvimento de medidas econômicas ortodoxas, métodos antidemocráticos, interesses privados e promoção da injustiça social peruana. Castillo, por outro lado, precisa compreender que as medidas de nacionalização desenfreada nos anos 1980 culminaram na eleição de Fujimori. Conclui-se, portanto, que não há que se repetir os erros do passado, ainda que não seja possível apontar um otimismo para o desenvolvimento da já enfraquecida democracia peruana.
Referências bibliográficas:
BÁKULA, Juan Miguel. El Perúenel reino ajeno: historia interna de la acción externa. Universidad de Lima, Fondo Editorial, 2006.
BELAÚNDE, Víctor Andrés. Peruanidad. Lima, Edición de la Comisión Nacional del Centenario, Editorial Lumen, 1987.
BASADRE Grohmann, Jorge. Historia de la República del Perú (1822 – 1933). Editada por la Empresa Editora El Comercio S. A. Lima, 2005.
CONTRERAS, Carlos et CUETO, Marcos. Historia del Perú contemporáneo: desde las luchas por la independencia hasta el presente. Vol. 27. Instituto de Estudios peruanos, 2007.