A transição política na Hungria, ocorrida no 23 de outubro de 1989 foi pacífica, e caracterizou-se como um grande marco político e histórico para o povo húngaro. Infere-se que, ao longo do século XX, a Hungria esteve atrelada à influência político-ideológica da extinta União Soviética durante a Guerra Fria – domínio que perdurou entre 1949 até 1989.
Sendo assim, a transição política encerrou um longo período de domínio e influência de Moscou na Hungria, constituída como um dos Estados satélites soviéticos no leste europeu. Mesmo diante do controle soviético, a Hungria tentou se afastar da influência política de Moscou, como por exemplo em 1956, quando a repressão das tropas soviéticas reforçou o seu controle no Estado húngaro satélite, após uma tentativa de afastar a Hungria da órbita de influência de Moscou. No entanto, o desejo pela independência só viria em 1989, ano que simbolizou nas transições políticas nos países satélites do leste da Europa.
Por fim, o presente marco histórico pretende analisar os impactos que a transição política reverberou para o renascimento da Hungria no pós-1989, e quais foram as principais decisões políticas tomadas pelo governo de Budapeste, principalmente após o término da Guerra Fria.
A influência soviética no estado satélite húngaro na Guerra Fria
Berço do antigo Império Austro-húngaro, a Hungria havia estabelecido uma aliança com a Áustria através da Monarquia Dual Austro-Húngara, que permaneceu atuante no continente europeu entre 1867 até 1918, quando fora dissolvida logo após o fim da primeira guerra mundial (PRINTER, 2008, p. 55). Ademais, com a eclosão da segunda guerra mundial, o governo húngaro se aliou à Alemanha; sendo que posteriormente, tentou se aproximar dos países aliados, decisão que implicou pela ocupação do seu território pela Alemanha no final da guerra (PRINTER, 2008, p. 55).
No entanto, com o término da segunda guerra mundial, o destino da Hungria seria a sua incorporação sob os domínios político e militares da União Soviética. Constituída como um Estado satélite de Moscou, em 1947 os soviéticos expandiriam a sua influência sob o governo de Budapeste. Também, devido à crescente influência de Moscou na Hungria (e inclusive no leste europeu), em 1949 surgiu a República Popular da Hungria (PRINTER, 2008, p. 55). Logo, a Hungria seria governada sob o sistema político comunista entre 1949 até 1989, ano que implicou na histórica transição política que levou a Hungria a readquirir a sua independência política no Sistema Internacional.
Por outro lado, durante a Guerra Fria, a Hungria (assim como as três nações bálticas, mais a Polônia, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Romênia e a Bulgária) permaneceram sob o controle político e ideológico da União Soviética. Assim, a cortina de ferro (símbolo que dividiu a Europa em duas esferas de influência política, militar e ideológica) manteve as respectivas nações localizadas no leste da Europa separadas da Europa Ocidental.
Sendo assim, com o advento da Guerra Fria, e sobretudo a criação da República Popular da Hungria, a nação húngara enfrentou o processo de implantação do modelo comunista na política e na sua sociedade. Também, o controle central de Budapeste esteve nas mãos de Mátyas Rákosi, um político comunista fiel aos interesses de Moscou nas nações satélites do leste europeu (BERRY, 2021, p. 10).
Por outro lado, contudo, a subserviência dos países satélites com Moscou foi grandemente impactada com dois significativos eventos ocorridos em 1956. Assim, manifestações populares irromperam nas nações do bloco do leste, primeiro na Polônia – e por fim na Hungria, caracterizada por uma repressão brutal da União Soviética.
Na Polônia, manifestantes – de caráter pacifista – realizaram greves populares na cidade de Poznań, em virtude da cobrança diante de salários e jornada de trabalho. Por outro lado, os protestos populares na Hungria implicaram na grande intervenção militar de Moscou (e de tropas do Pacto de Varsóvia), a fim de conter o ímpeto dos nacionalistas húngaros (CALVOCORESSI, 2011, p. 242). Assim, conforme Calvocoressi (2011, p. 242):
Na Hungria, a revolução que se seguiu imediatamente ao acordo na Polônia passou dos limites que os russos estavam preparados para suportar. Algumas semanas depois da morte de Stálin, Rakosi, o perfeito stalinista, foi forçado a abrir mão do cargo de primeiro-ministro para Imre Nagy (CALVOCORESSI, 2011, p. 242).
Durante a sua curta administração no governo húngaro, Imre Nagy (1956) buscou retificar algumas premissas políticas que tornaria a Hungria mais independente do controle de Moscou. Sendo assim, Imre Nagy tentou extinguir o governo de partido único, bem como almejou pela retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia; e sobretudo pela saída das tropas soviéticas do território húngaro (CALVOCORESSI, 2011, p. 242). Infere-se que essas decisões acarretaram numa contrarresposta da União Soviética, que levou a uma repressão militar a fim de manter a Hungria sob a sua esfera de influência na cortina de ferro.
Após a repressão militar soviética em Budapeste, o governo húngaro permaneceu sob a administração de János Kádar entre 1956 até 1988. Durante o seu governo, Kádár foi um político húngaro caracterizado por um posicionamento político mais vinculado aos interesses geopolíticos de Moscou no leste europeu (BÉKÉS, 2002, p. 20). Apesar de seus 22 anos como líder do governo húngaro, a saída de János Kádár do governo de Budapeste em 1988 coincidiu com a ascensão das mudanças políticas que estavam vigentes na República Popular da Hungria.
A transição política na Hungria – 1989
Infere-se que, durante a década de 80, a oposição política frente aos governos comunistas ascendia nos países satélites soviéticos. Assim, entre 1987 e 1988, a oposição política ganhava força na Hungria; e inclusive, políticos pró-democracia ingressaram no governo de Budapeste em junho de 1988. No entanto, no dia 18 de outubro de 1989, a constituição stalinista foi abandonada na política central húngara – o que ocasionou, portanto, na adoção do pluralismo político. Por outro lado, é importante mencionar que, em maio de 1989, a cortina de ferro que separava a Hungria da Áustria fora derrubada, permitindo que milhares de alemães orientais fugissem para nações da Europa Ocidental (CVCE, 2016, p. 25).
Diante das mudanças políticas em andamento na Hungria, em 1988 János Kádár é substituído por Károly Grosz que governou por um curtíssimo período o governo de Budapeste até meados de 1989. O seu curto governo ficou marcado pela transição política na Hungria, dentre as quais, a população húngara almejava por um modelo político democrático e de cunho liberal (PRINTER, 2008, p. 56).
Ademais, o mês de outubro de 1989 foi significativo e histórico para a nação da Hungria no que tange à dois grandes eventos. Primeiro, o partido comunista húngaro foi substituído por um partido socialista, o parlamento aprovou o estabelecimento de eleições multipartidárias; além da separação dos três poderes (executivo, legislativo e o judiciário). Por fim, no que tange às relações com a União Soviética, o governo de Moscou assinou um acordo para que iniciasse a remoção das tropas soviéticas do território húngaro (PRINTER, 2008, p. 56).
Desse modo, a última etapa transitória se deu através da realização das mesas redondas nacionais trilaterais em 1989, que proporcionou na retificação da constituição húngara; e sobretudo na oficialização da República Democrática da Hungria no dia 23 de outubro de 1989 (BOZÓKI & SIMON, 2009, p. 209). Logo, diante das mudanças históricas no governo de Budapeste, a partir de 1990 József Antall se tornou o primeiro primeiro-ministro a governar a Hungria pós-1989.
Por fim, a partir de 1990, a Hungria recém soberana passaria por significativas mudanças político-econômicas, bem como no reordenamento estratégico de sua política externa em prol da aproximação com o Ocidente.
A Hungria no pós-Guerra Fria (1991)
Após a retomada de sua independência política, a Hungria iniciou a remodelação de seus princípios políticos centrais. Sendo assim, no âmbito regional, em 1991 a Hungria, junto com a Polônia e a Tchecoslováquia, estabeleceram os alicerces para a fundação dos “Três de Visegrad”. Posteriormente, essa parceria regional foi renomeada para Grupo de Visegrad a partir de 1993; após a República Tcheca e a Eslováquia sucederem a extinta Tchecoslováquia.
Ademais, enquanto no campo regional a Hungria se atentou à integração regional com os países vizinhos, nas relações internacionais o governo de Budapeste ansiava pelo seu retorno à Europa. Desse modo, o retorno às relações com a Europa se concretizou diante do ingresso da Hungria no Conselho Europeu em 1991, na participação do Programa Parceria para a Paz em 1994 – iniciativa da Aliança Atlântica. Também, em 1999 a Hungria ingressou na OTAN; e logo depois, aderiu à União Europeia em 2004. Por fim, uma vez membro do bloco europeu, em 2008, a Hungria ingressou no espaço Shengen – área de livre circulação entre os países-membros (BOZÓKI & SIMON, 2009, p. 212).
Considerações Finais
Com a retomada de sua soberania política, a Hungria pós-guerra fria priorizou pela cooperação regional, e inclusive buscou estreitar as suas relações com o Ocidente. Sendo assim, desde a transição política ocorrida em 1989, o Estado húngaro ingressou na OTAN e na União Europeia – e sobretudo vem cooperando estreitamente nas cooperações de cunho regional, como o Grupo de Visegrad, Iniciativa dos Três Mares e os Nove de Bucareste (B9). Ademais, embora a Hungria faça parte de projetos estratégicos voltados às relações com o Ocidente, atualmente os governos de Budapeste e Moscou buscam uma maior aproximação nos campos político, energético e econômicos.
No entanto, no campo político-social, a Hungria vem sendo constantemente criticada dentro do bloco da União Europeia – e por demais nações do Sistema Internacional – em virtude das pautas políticas nacionalistas e conservadoras do primeiro-ministro Viktor Orbán. Atualmente, há tensões entre o bloco europeu com a Hungria diante de suas pautas políticas contrárias ao recebimento de imigrantes, questões de gênero e liberdade de expressão sexual.
Referências
BÉKES, Csaba. Cold War, Détente and the 1956 Hungarian Revolution. Working Paper. September 2002.
BERRY, Richards. Hungarian History. Centre for Russian, Central and East European Studies, 2021.
BOZÓKI, András. SIMON, Eszter. Hungary since 1989. Cambridge University Press, 2009. Pp. 204-232.
CALVOCORESSI, Peter. Política Mundial a partir de 1945. 9ª edição. Porto Alegre: Penso, 2011. 824p.
CVCE. The Cold War (1945-1989) – Full text. Disponível em<https://www.cvce.eu/obj/the_cold_war_1945_1989_full_text-en-6dfe06ed-4790-48a4-8968-855e90593185.html>. Acesso em: 13/10/2021.
PINTEREST. Map of Hungary. Disponível em<https://br.pinterest.com/pin/113504853086157818/./>. Acesso em: 29/09/2021.
PRINTER, Joseph. Democratic Transition in Hungary. Political Science. Undergraduate Research Journal. Vol. 8, 2008.