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Agenda 2030 e o desenvolvimento sustentável de cidades

A pauta em torno do desenvolvimento sustentável tem se tornado cada vez mais frequente ao redor do mundo. Na maior parte dos casos, essa discussão parte de um entendimento basal que o atual modelo econômico vigente na maior parte do mundo acaba por reproduzir desigualdades sistemáticas, explorar o meio ambiente e colocar em cheque a disponibilidade de bens essenciais à vida humana, como a própria água. Pesquisadores e ativistas ao redor do mundo têm se debruçado em torno dessa agenda para entender como traçar melhorias possíveis e viáveis para tornar a sociedade mais sustentável, do ponto de vista social, econômico e ambiental. É dentro do eixo dessa importante discussão que surge a chamada Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A sensação que muitas pessoas têm quando o assunto é Agenda 2030 é que esse é um tema muito distante da realidade, como se essa Agenda fosse apenas sobre o futuro e nunca sobre o agora. Antes de traçar paradigmas a respeito da urgência e do distanciamento dessa Agenda, é necessário defini-la.

AGENDA 2030: CONCEITO E CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

A Agenda 2030 é um plano de ação para promover um desenvolvimento mais sustentável ao redor do mundo, desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU). Por desenvolvimento sustentável entende-se possibilitar que as pessoas agora e no futuro atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico, assim como de realização humana e cultural. A Agenda foi apresentada aos países em 2015, com propósito central de estabelecer metas, prazos e compromissos para o enfrentamento dos principais problemas globais comuns aos países-membros da organização. Dessa forma, a intenção era envolver governos, sociedade civil e setor privado em uma série de ações capazes de reduzir a fome e a pobreza nos países, assim como minimizar os efeitos das mudanças climáticas de maneira a garantir mais igualdade e qualidade de vida aos cidadãos (ICS, 2021).

A Agenda é composta por 17 objetivos, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que compreendem 169 metas. Todos eles são um conjunto integrado e indivisível, sendo o resultado de dois anos de consulta pública intensa junto à sociedade civil, governos, terceiro setor e outros grupos interessados. Os ODS compreendem três grandes dimensões, sendo elas: a econômica, social e ambiental.  Além de abranger os chamados 5Ps (pessoas, planeta, prosperidade, paz e parceria).

Por pessoas entende-se a ideia de que a ONU está determinada a acabar com a pobreza e a fome, em todas as suas formas, e garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade, em um ambiente saudável e próspero. Por planeta, pela priorização em protegê-lo da degradação, sobretudo por meio do consumo e produção sustentáveis, de uma gestão coerente dos recursos naturais e na tomada de decisão ágil sobre a mudança climática para freá-la.

O conceito de prosperidade se dá pela necessidade de assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma vida próspera e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico ocorra em harmonia com o meio ambiente, sem que o sucesso de um signifique a depredação de outro. A paz se traduz pela busca da promoção de sociedades pacíficas, inclusivas e justas uma vez que paz e desenvolvimento sustentável precisam caminhar juntos de modo que um não existe sem o outro. Por fim, a noção de parceria, uma vez que a ONU se dispõe a mobilizar os meios necessários para implementar essa Agenda por meio de uma parceria global para o desenvolvimento, com base em valores de solidariedade global, concentrada nos países mais pobres e nos esforços das partes interessadas e dos países centrais para que essa equação possa ser viável.

É importante, ainda, pontuar que os ODS não são vinculantes, ou seja, não são obrigatórios para os países. Mas servem como um importante instrumento para orientação de políticas públicas. Para tanto, governos locais e regionais são atores centrais, principalmente aqueles que se comprometeram formalmente com os objetivos, por exemplo o caso de cidades brasileiras como Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte. Vale ressaltar, ainda, que os 193 Estados-Membros da ONU adotaram formalmente esses objetivos.

A Agenda 2030 entende a necessidade de adaptar os ODS às realidades locais e estimula que cada município pense nas melhores formas de alcançar tais metas. Os ODS são globais, mas a realização dos mesmos depende, necessariamente, da ação local. Muito se ouve sobre pensar globalmente, de acordo com a interdependência do sistema internacional que estamos inseridos, mas agir localmente, em nossas comunidades, a partir das ferramentas de transformação que temos. Localmente há uma série de organizações e iniciativas da sociedade civil comprometidas com esses objetivos e com muito espaço para voluntariado, para doações e contribuições. Há, ainda, manuais e dicas de boas práticas de padrões de vida e consumo que podemos adotar para contribuir com atingimento desses objetivos. O cumprimento destes objetivos exige um compromisso factível dos Estados e das grandes empresas em priorizar o desenvolvimento sustentável,  aliado ao somatório das nossas ações locais individuais. A Agenda 2030 corresponde a esse ideal: um conjunto de metas e indicadores estabelecidos globalmente para serem cumpridos até 2030 por comunidades locais.

PANORAMA GLOBAL E A NECESSIDADE DE INDICADORES DE TRANSFORMAÇÃO BEM DEFINIDOS

Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no Brasil, os 10% mais ricos possuem 42% da renda total do país e há, ainda, uma tendência de piora nesse quadro por conta dos impactos da pandemia do coronavírus. Sabemos da importância de objetivos mensuráveis e claros para alcançar determinados resultados. Isso se aplica tanto na nossa vida pessoal, quanto na resolução de problemas internacionais. A ONU, percebendo isso, elaborou um plano para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade até 2030. Objetivos ambiciosos, como acabar com a pobreza em todas suas formas e em todos os lugares, necessitam de metas mais claras. É por isso que, junto com 17 objetivos, as Nações Unidas também estabeleceram 169 metas ligadas a eles. Assim, uma das metas dentro do ODS 1 diz respeito à erradicação da pobreza extrema – atualmente medida como pessoas vivendo com menos de U$ 1,25 por dia.

Com os objetivos e as metas estabelecidos, o caminho fica mais claro, mas faltam ainda os indicadores. O que significa acabar com a extrema pobreza? Para responder isso, precisamos da porcentagem da população vivendo abaixo da linha internacional da pobreza extrema (U$ 1,25/dia) e conseguiremos saber se estamos perto ou longe disso (THE WORLD BANK, 2018).

Sabemos da dificuldade de transpor um indicativo de maneira idêntica, em todos os locais do mundo, afinal, a diversidade é parte disso. Assim, eles foram traduzidos para realidade brasileira. Pensando nisso, para a meta de erradicação da pobreza extrema, um indicador nacional foi estabelecido – R$77,00 por mês, no lugar da linha internacional anterior. Esse trabalho de adaptação das metas se torna necessário também dentro do país, ainda mais num país com tantas disparidades regionais como o Brasil; isso inclui também os municípios.

ODS NOS MUNICÍPIOS E A BUSCA POR CIDADES SUSTENTÁVEIS

Ao olhar para a realidade interna das cidades, esse processo fica nítido. Várias são as realidades que encontramos nas cidades brasileiras, e isso deve ser levado em conta no momento de “municipalizar” esse trabalho – o que é chamado pela ONU de localização dos ODS. A atuação destes entes subnacionais é fundamental para que os objetivos sejam alcançados, e a presença do setor privado, da academia e da sociedade civil organizada também se faz essencial. Por isso, precisamos pensar em cidades cada vez mais alinhadas com essa Agenda de desenvolvimento, mais sustentáveis e inclusivas para todos.

É necessário entender que a aplicabilidade dessa Agenda depende de uma série de fatores, desde a execução de boas políticas públicas no nível da União, até o entendimento dessa agenda por parte de outros atores como prefeitos, governadores, empresas, organizações do terceiro setor e cidadãos.

Desde antes da aprovação da Agenda 2030, várias organizações brasileiras já se debruçavam sobre o tema do desenvolvimento sustentável e uma das suas demandas era a criação da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS). A reivindicação foi atendida pelo Governo Federal em 2016. As principais atribuições da comissão são: internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030 no Brasil. Outras instituições brasileiras de pesquisa são fundamentais no processo de análise de dados e formulação de relatórios à luz dos ODS no Brasil. O IPEA são duas instituições fundamentais nesse sentido responsáveis pela elaboração dos Cadernos ODS que analisam dados oficiais e pontuam avanços e retrocessos importantes do Brasil em relação à essa Agenda.

PARTICIPAÇÃO POPULAR E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A ONU aponta, ainda, que a participação popular é um fator muito relevante na aplicação da Agenda 2030, uma vez que a população possui o poder cívico de exigir e cobrar mudanças políticas por parte do setor público. Nesse sentido, é importante pontuar uma característica do processo de formulação de políticas públicas no Brasil que muitas vezes é imediatista, ou seja, muitas políticas são feitas pensando no curto prazo, no resultado imediato, na garantia da reeleição por parte de seus formuladores. Esse processo acaba acarretando uma baixa continuidade em termos de políticas públicas no país e a ausência daquilo que é chamado de plano de nação, para além de um plano de governo, que seja perene, sólido e capaz de causar mudanças estruturais no longo prazo, independente do governo ou dos representantes políticos eleitos em determinado mandato. A dificuldade da política brasileira em planejar políticas públicas a longo prazo é um importante obstáculo para aplicação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil.

DIÁLOGO MULTILATERAL, COP26 E A PRIORIZAÇÃO DE AGENDAS ESTRATÉGICAS

No mundo das Relações Internacionais há um grande debate sobre priorização de agendas, principalmente nas relações multilaterais entre os países. Afinal, muitas vezes os interesses individuais das nações são contraditórios, o que dificulta a busca por consenso na priorização desses debates. Muitas vezes aqueles países que exercem mais poder e capacidade de influência têm maior propensão para definir a priorização dessas agendas. Em um mundo onde a tecnologia vem ocupando cada vez mais espaço e vem sinalizando cada vez mais poder por parte das nações, as questões bélicas deixam de ser o principal fator a ser levado em consideração para medir o potencial de exercício de poder por parte das nações.

Em meio a esse debate teórico, as questões ambientais sempre foram colocadas em segundo plano, raramente priorizadas e tratadas com a real urgência que a Agenda apresenta. Os motivos para isso são óbvios ao olhar pela ótica da distribuição de poder: reduzir danos ambientais significa, por exemplo, reduzir o lucro de grandes tomadores de decisão no curto prazo, reduzir a capacidade de exploração de grandes corporações globais, mudar hábitos de vida, produção e consumo.

Há, portanto, um grande descolamento social entre a urgência que essa Agenda demanda e a urgência que países e entes privados dão a ela. É exatamente esse descolamento que coloca a sociedade internacional distante do atingimento dessas metas, suscetível a graves problemas ambientais e ao esgotamento de recursos naturais vitais para a vida humana.

Em novembro de 2021 o mundo acompanhou a COP26, conferência climática na ONU em Glasgow, no Reino Unido, que reuniu quase 200 países para discutir formas de atenuar o avanço da crise climática, para evitar desastres naturais que já têm se tornado cada vez mais frequentes. Um dos principais temas que dominou as negociações da conferência foi o orçamento para arcar com os custos de medidas de mitigação, sem que essa conta seja repassada para os países mais pobres e de modo a garantir justiça climática. Afinal, os países ricos são os principais responsáveis pelo avanço do aquecimento global e os países pobres, em contrapartida, são os que mais sofrem suas consequências severas, como o caso de enchentes e secas que ao atingir comunidades pobres e sem infraestrutura acabam por gerar um enorme dano humano e material.

A conferência contou com a participação de países, empresas, personalidades ativistas pelo clima e organizações da sociedade civil. Um dos maiores desafios multilaterais é conseguir chegar em um consenso a respeito dos múltiplos interesses desses atores. Quando o assunto é finanças do clima, grandes empresários são parte importante desse financiamento e é necessário convencê-los a respeito do retorno financeiro desse financiamento. Ao final da conferência, ficou definida a necessidade de diálogo e assistência técnica para os países pobres, mas não foi formalmente acordado montante de dinheiro para tal.

A COP26 terminou com a assinatura do Pacto Climático de Glasgow que possui acordos importantes. A seguir serão traçados um panorama geral dos principais pontos sobre os acordos sobre o metano, carvão e sobre as florestas. O acordo sobre o metano tem como objetivo reduzir, em 30% a quantidade de emissões de metano até 2030, em relação aos níveis de 2020. Mais da metade desse gás tem origem em uma série de atividades humanas, como os resíduos de aterros e produção de óleo e gás. Mais de 100 países assinaram o acordo, incluindo o Brasil, que ocupa o quinto lugar no ranking mundial de emissores (o maior emissor brasileiro é o agronegócio). No entanto, três grandes emissores não assinaram: China, Rússia e Índia. A discussão a respeito da transição para energia limpa foi central e representou avanços importantes na diplomacia do clima.

O acordo sobre o carvão tem como objetivo eliminar a utilização do carvão através de uma coalizão formada por 77 países que se comprometeu a eliminar, gradualmente, o uso de energia à base de carvão. Índia e China, ao final, pediram que a palavra “eliminar” fosse trocada por “reduzir”, enfraquecendo o compromisso pautado pela coalizão.

O acordo sobre florestas tem como objetivo zerar o desmatamento ilegal até 2030. Mais de 100 líderes mundiais se comprometeram em acabar e reverter o desmatamento até 2030. O Brasil, que representa mais de 85% das florestas, também firmou esse compromisso.

Durante as discussões o termo “emergência climática” foi frequentemente usado em relação à “mudança climática”. Compreender que estamos em uma situação de crise e emergência é essencial para criar avanços imprescindíveis a respeito dessa discussão. A priorização dessa pauta é urgente e exige o entendimento social e político de que essa não é uma pauta do futuro: é necessário agir agora ou será tarde demais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O governo Bolsonaro trouxe um retrocesso evidente para o Brasil no aspecto ambiental. É um consenso mundial nas Relações Internacionais a mudança de posicionamento do Brasil em relação à essa agenda, o que coloca dúvidas sobre as perspectivas de cumprimento dos acordos firmados pelo país.

Apesar desse retrocesso, do ponto de vista governamental, o Brasil teve um papel fundamental na COP, com a maior delegação oficial (466 pessoas) e foi parceiro de acordos importantes, como o compromisso de zerar o desmatamento até 2028. A participação de ativistas e organizações brasileiras da sociedade civil foi importante para ressaltar a presença do Brasil como um país que se preocupa e se mobiliza em relação a essa agenda.

A atuação dessas organizações é de extrema importância para pressionar os tomadores de decisão no cumprimento dos acordos e, ainda, para conscientizar a população a respeito desta temática. A agenda de desenvolvimento sustentável ainda é pouco difundida, principalmente entre os brasileiros de baixa renda. Trabalhar para que essa agenda seja amplamente conhecida é parte dos próprios objetivos de desenvolvimento sustentável na luta por uma educação de qualidade (ODS 4) e por parcerias em prol das metas (ODS 17).

É no âmbito local que as transformações acontecem, por isso, precisamos nos debruçar cada vez mais sobre a aplicação dessa agenda nas comunidades e cidades brasileiras e, para isso, precisamos conscientizar e mobilizar os agentes locais nessa causa para que esse seja um processo efetivo, democrático, coletivo e participativo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE – ICS & SUSTAINABLE DEVELOPMENT SOLUTIONS NETWORK – SDSN, 2021.O Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR). Instituto Cidades Sustentáveis & Sustainable Development Solutions Network: São Paulo & Paris, 2021.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Cadernos ODS (2019). Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/190524_cadernos_ODS_objetivo_1.pdf> Acesso em: 25 ago. 2021.

PASSARINHO, Nathalia. Os principais fracassos e vitórias do acordo final da cúpula sobre mudança climática. BBC News Brasil. 13 nov. 21. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59274397> Acesso em: 16 ago. 2021.

BRASIL. Plataforma ODS. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. Disponível em: <https://odsbrasil.gov.br/> Acesso em: 25 ago. 2021.

POLITIZE. Agenda 2030: quais os esforços para promover o desenvolvimento sustentável? (2020). Disponível em: <https://www.politize.com.br/agenda-2030/> Acesso em: 17 ago 2021.

BRASIL – Programa Cidades Sustentáveis. Agenda 2030 (2015). Disponível em <https://www.cidadessustentaveis.org.br/institucional/pagina/agenda2030> Acesso em: 15 ago 2021.

THE WORLD BANK. World Development Indicators. Washington, DC: The World Bank, 2018. Disponível em: <https://datatopics.worldbank.org/world-development-indicators/>. Acesso em: 16 ago. 2021.

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