Antecedentes
A Líbia é um país marcado por muitos conflitos internos e invenções estrangeiras. Isso porque a região da Líbia era fragmentada e formada por diversas tribos, as quais possuíam poder e domínio sobre uma parte do território. Dessa forma, não havia uma identidade nacional que unisse a população. Além disso, desde o início do século XX, as potências ocidentais interferem no território. Ela esteve ocupada pela Itália antes da Segunda Guerra Mundial e depois por ingleses e franceses (RIBEIRO, 2012, p. 118)
Em 1952, a Líbia conquistou sua independência e estabeleceu uma monarquia constitucional, na qual o rei era Mohamed Idris al-Senousi. Em 1957, descobriram petróleo na região. Com isso, a Líbia passou a receber ajuda financeira estrangeira, permitindo que EUA e Inglaterra construíssem bases militares no território. Além disso, muitas empresas multinacionais começaram a entrar no país. A Líbia não tinha recursos suficientes para explorar o petróleo, logo precisou da ajuda das transnacionais, fazendo os países de origem dessas empresas lucrarem (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021, p.32).
Em 1969, por meio de um golpe militar, Muammar Kadafi chega ao poder com ideias pautadas no islã, no nacionalismo de Gamal Nasser e buscando instaurar um socialismo árabe. Kadafi criticava o modelo político do ocidente e propôs como modelo político uma Democracia Direta, isto é, a população poderia participar de discussoẽs e da tomada de decisões. Contudo, na realidade, a população sofreu com perseguições e fortes repressões da polícia. Dessa forma,
inicia-se um processo revolucionário na Líbia, por meio do qual é estruturado o Estado de Jamahiriya, ou “Estado de Massas”, baseado na teoria da participação política da sociedade civil na composição do Estado, combinando o socialismo e o islã, com princípios de igualdade fundados em valores de igualitarismo político e econômico. A partir da instauração desse novo regime político, realiza-se a reforma agrária, o padrão de vida do povo líbio passou a ser gradativamente elevado e houve uma redução da mortalidade infantil (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021, p. 32).
Assim, na década de 1970, Kadafi priorizou o desenvolvimento interno e buscou se afastar dos EUA e Reino Unido, fechando as bases militares que eles tinham no país. Durante a Guerra Fria não se aliou a nenhum dos blocos, mas tendo em vista que ainda precisava de ajuda estrangeira, continuou fazendo negócios com a Europa, nos quais vendia petróleo em troca de armas, artigos militares e tecnologias (NISHIO; RIZZI, 2019).
Após o fim da Guerra Fria, com a ascensão norte-americana, Kadafi direciona a política externa da Líbia para o desenvolvimento da África, enfatizando que os problemas dos países africanos deveriam ser resolvidos por eles mesmos. Diante disso, em 1999, Kadafi organizou a União Africana e em 2002, a Nova Parceira para o Desenvolvimento da África (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021, p. 34).
Vale pontuar que nos anos 2000, diversos países fizeram acordos comerciais com a Líbia, muitos deles envolvendo armas e artigos militares. Dessa maneira, alguns dos países que venderam armas para a Líbia foram França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Bélgica, entre outros. Eles venderam diversos materiais militares, como: mísseis, equipamentos de comunicação, explosivos, helicópteros, bombas, rifles, metralhadoras, fuzis e granadas. Tais equipamentos foram utilizados posteriormente na guerra civil que surgiu no país (RIBEIRO, 2012).
A Guerra Civil na Líbia
Em 2010, na Tunísia, o vendedor ambulante, Mohamed Bouazizi, desesperado e cansado das intimidações de policiais e de não conseguir trabalhar, ateou fogo em si mesmo na frente do prédio do governo. Há algum tempo o país já enfrentava uma crise econômica e política, na qual a taxa de desemprego e a corrupção policial eram cada vez maiores. Assim, o ato de desespero de Bouazizi foi o estopim para as tensões que existiam no país. A partir dessa situação, uma onda de protesto e revoluções se iniciaram na Tunísia e em diversos países do Oriente Médio que eram governados por regimes autoritários. Tal movimento ficou conhecido como Primavera Árabe.
Dessa forma, a população da Líbia que também estava sofrendo com a crise econômica no país, com a repressão policial e com o governo de Kadafi, foram influenciados pela Primavera Árabe e se revoltaram. Tal conjuntura deu início a uma guerra civil, entre Kadafi e os rebeldes. Cabe pontuar que haviam vários grupos diferentes que se colocaram contra Kadafi, logo, os rebeldes não eram um grupo unificado.
Assim, os protestos começaram em Benghazi e se estenderam para as demais cidades. Em resposta, Kadafi reprimiu os manifestantes de forma violenta e com isso muitas pessoas foram espancadas, presas e mortas. Em virtude disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez um bloqueio ao uso de armas pela Líbia e a Assembleia Geral da ONU suspendeu o país do Conselho de Direitos Humanos (NISHIO; RIZZI, 2019).
Nesse contexto, “as potências ocidentais (França, Reino Unido e EUA), com o apoio do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), articularam esforços na ONU buscando impor uma zona de exclusão aérea na Líbia a fim de proteger os civis ameaçados pelo antigo regime” (NISHIO; RIZZI, 2019, p. 119). A operação foi realizada, salvando muitas vidas ao impedir que Kadafi bombardeasse Benghazi. Além disso, a ONU permitiu ataques contra o regime líbio, com a finalidade de proteger a população. Assim, potências como França, Reino Unido, EUA e Canadá começaram a fazer bombardeios. Contudo, isso favoreceu mais os rebeldes do que a sociedade civil (BBC News, 2021).
Os rebeldes conseguiram avançar e em outubro de 2011 Kadafi foi capturado, espancado e morto. Assim, percebe-se que os rebeldes tiveram ajuda das potências estrangeiras para conseguir tirar Kadafi do poder. Esses países tendo em vista seus próprios interesses políticos e econômicos na região da Líbia apoiaram os opositores de Kadafi, contudo não conseguiram instaurar uma nova ordem na Líbia. Os diferentes grupos que antes tinham em comum o objetivo de retirar Kadafi do poder, após a morte dele, começaram a disputar entre si o domínio do país. Dessa maneira, a Guerra Civil continuou nos anos seguintes.
Consequências e Desafios
O desfecho da Guerra Civil na Líbia pode ser considerado meio incerto. Alguns especialistas marcam o final da Guerra Civil com a morte do ditador Muammar Gaddafi e a queda de 42 anos de um regime autoritário e, para alguns, como consequência, principalmente desse período, desenvolveu-se uma nova Guerra Civil no território logo após a morte do ditador. Já outros pesquisadores, afirmam que a Guerra Civil perdurou até os dias atuais, em que a ONU vem buscando uma solução para se encontrar a paz no território da Líbia.
De fato, os anos após o fim do regime de Gaddafi foi marcado por um cenário conflituoso e com uma profunda crise econômica, política e social. Após a queda de Gaddafi, o Conselho Nacional de Transição (CNT), criado ainda durante a Guerra Civil, assumiu o poder da Líbia para governar enquanto se preparavam para a primeira eleição que marcaria o início da Líbia livre. O CNT era apoiado pela comunidade internacional, mas sofria dentro da sua própria estrutura falhas que foram cruciais para uma nova crise no país. (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021)
Claramente, a transição de 42 anos de autoritarismo e repressão para uma nova política democrática nascendo em meio ao caos não seria fácil. A Líbia é formada por diversos grupos que possuem diferenças culturais, religiosas e políticas e que todos gostariam de ter os seus interesses contemplados. Além disso, o país não tinha um exército nacional sólido, ao mesmo tempo que tinha muitas facções e grupos armados. A falta desse exército abria espaço para o surgimento e fortalecimento de ainda mais grupos armados. (SARAIVA, 2014)
Desse modo, o cenário pós-guerra civil era formado por grandes problemas sociais e econômicos advindos do antigo regime; um governo que não conseguia representar a população, não tendo a legitimidade da mesma; e, grupos armados que queriam defender os seus interesses políticos. Em um cenário tão instável, o CNT não conseguiu instituir uma mínima estabilidade nas bases do que seria vir a ser a democracia na Líbia. (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021)
Como um governo de transição, a esperança para o CNT e para todos da Líbia estava na primeira eleição que ocorreria após anos de um regime autoritário. Porém, apesar das eleições contarem com uma participação considerada positiva – 60% da população – o resultado não foi reconhecido por muitos grupos e setores, em especial facções armadas, que iniciaram diversas tentativas de golpe e uma constante luta de diversos grupos pelo poder da Líbia, onde se inicia o que alguns denominam como a Segunda Guerra Civil da Líbia. (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021)
Portanto, as consequências da Guerra civil na Líbia perduram até hoje. A situação dos líbios teve o envolvimento de diferentes atores do Sistema Internacional, como a ONU, a OTAN, a Turquia, o Egito, grupos terroristas, dentre outros, o que promove um cenário cada vez mais complexo e de difícil resolução. Os anos marcados pela polaridade política, com diferentes grupos políticos em conflito para conquistar poder legítimo na Líbia, foi apenas o centro de todo o cenário. (DA SILVA; DOS SANTOS ABREU; MENEM, 2021) Os problemas econômicos e sociais, questões militares, crises migratórias e questões energéticas são alguns dos desafios também enfrentados pelos líbios nestes anos.
Assim, as consequências da Guerra Civil foi uma grave crise na Líbia sem perspectivas muito positivas para o seu fim, em que a esperança da população e de toda a comunidade internacional, está nas eleições que encontra muitos desafios desde a definição dos candidatos até mesmo a grande possibilidade de o novo governo não ser reconhecido pela população. Portanto, percebe-se que as ações tomadas em 2011, destacando a atuação da OTAN e da ONU, trouxeram impactos significativos na construção da nova Líbia, através de problemas estruturais com complexo grau de resolução.
Referências Bibliográficas
DA SILVA, Ana Karolina Morais; DOS SANTOS ABREU, Beatriz; MENEM, Issam Rabih. Imperialismo, petróleo e o intervencionismo ocidental: análise da guerra civil na Líbia (2011-2020). Conjuntura Global, v. 10, n. 1, 2021.
RIBEIRO, F. G. D. B. Líbia, um caso particular: da guerra civil à guerra internacional pelo controle dos poços de petróleo. Revista Espaço Acadêmico, v. 12, n. 134, p. 114-123, 14 maio 2012.
RIZZI, K.; NISHIO, J. A Líbia após a Queda de Muammar Kadafi (2011 – HOJE). Cadernos de Relações Internacionais e Defesa, v. 1, n. 1, p. 117-126, 12 set. 2019.
SARAIVA, Maria F.A Líbia Pós-Kadhafi: Geografia, segurança e direitos humanos. IDN Brief, Portugal, jul. de 2014.
SIMÕES, Rogério. O que foi e como terminou a Primavera Árabe? BBC News Brasil. 20 fev. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55379502 . Acesso em: 18 jan. 2022.