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Da Diplomacia Presidencial à estratégia de Cooperação Sul – Sul: a política externa brasileira no governo Fernando Henrique Cardoso

O presente artigo objetiva compreender a política externa brasileira a partir da análise do Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), um dos Presidentes ao qual é atribuído o mérito da reinserção brasileira no cenário internacional, acompanhado de seu sucessor Luiz Inácio Lula da Silva.

Introdução

A evolução do sistema político interno é uma pretensão constante vislumbrada na administração pública.  Considerando a juventude da nação brasileira, oriunda de seus menos de 200 anos de história, indubitavelmente um dos recursos mais adequados à persecução do intentado crescimento seja o estreitamento das relações com soberanias influentes dotadas de elevada experiência.

No contexto do Serviço Exterior Brasileiro, a Política Externa consiste em um complexo de objetivos que dados Estados ambicionam alcançar na esfera de suas relações internacionais com diferentes países do mundo. Nesse sentido, a diplomacia se perfaz em um instrumento dedicado a planejar e executar a política externa de um país, por meio da atuação dos diplomatas que são representantes capazes de desenvolver os interesses de uma nação com a outra, através da negociação, informação e representação. O objeto dessas relações se materializa através de acordos, tratados e declarações, sendo que tais resultados tem importância na medida em que se mostram como potenciais guias para a ação dos Estados no plano externo.

Para tanto, mister se faz a atuação de representantes dotados de poderes concernentes à chefia de governo do respectivo país, os quais têm como responsabilidade primordial a consideração de fatores nacionais e internacionais para que se possa ter adequada gerência sobre as variáveis que dizem respeito às negociações e acordos que envolvem comércio, aproximação, política e cultura, entre outros, através da cooperação internacional.

A diplomacia traz à mente a ideia de gestão de negócios internacionais, da manutenção de relações exteriores, da administração dos interesses nacionais dos povos e seus governos no seu contato material, seja pacífico, seja hostil, sendo que quase se poderia dizer que é o direito das gentes aplicado conforme Fodére apud Silva, Casella e Neto (2012), e passará a ser marca maior da política externa brasileira entre 1995 e 2003.

Análise do período da política externa de Fernando Henrique Cardoso

O 34º Presidente que esteve à frente da República Federativa do Brasil entre os anos de 1995 até 2003, Fernando Henrique Cardoso, chamava a atenção por sua vasta experiência e formação profissional. Formado em Sociologia pela Universidade de São Paulo e Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição, o ex-presidente tem seus registros iniciais de atuação no cenário internacional como docente em universidades americanas e europeias.

À época de seu mandato, Fernando Henrique Cardoso já apresentava considerável experiência na administração pública com atuações no Senado Federal, Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Fazenda, com o que era possível presumir razoável desempenho para cargo. Comprometido com demandas sociais antes mesmo da sua atuação frente à República, quando empossado destacou-se por apresentar uma estratégia social de desenvolvimento direcionando-se à tradição internacional da promoção de políticas voltadas ao bem estar e promoção social, principalmente as áreas de educação, saúde, nutrição, previdência social, seguro-desemprego, trabalho, habitação e saneamento, sintetizando seu enfoque às esferas de serviços sociais básicos de vocação universal e responsabilidade pública, os programas básicos e os programas de enfrentamento à pobreza, conforme aduz Draibe (2003, p. 72).

Ao findar sua atuação como Presidente da República, em sua última viagem como ato oficial no plano internacional, Fernando Henrique Cardoso foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas a autoridade mundial que mais se destacou na esfera do desenvolvimento humano. Assim, recebeu pela primeira vez pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento o prêmio MahbudulHaq, destinado ao Chefe de Estado que mais obteve êxito na implementação do desenvolvimento humano e agenda política do seu país, conforme informa o Jornal Estadão (2002, 8 de dezembro).

O primeiro presidente a ser Chefe de Estado durante dois anos subsequentes destacou-se também em razão da implantação do Plano real, medida efetiva na contenção da inflação que assolava o país e responsável por consolidar a estabilidade econômica, elaborada enquanto Ministro da Fazenda durante o governo de seu antecessor Itamar Franco, o que lhe causou grande prestígio frente à nação brasileira. A referida construção acabou por atrair a atenção das potências internacionais posto que da ascendente estabilização econômica do Brasil, advinham também valiosas possibilidades de investimentos e negociações lucrativas.

Desta feita, ante a qualificação característica do candidato que tomava posse do Governo brasileiro no ano de 1995 e ficaria até 2002, o Brasil teve, na figura de seu Chefe de Estado, pontos que influíram de maneira considerável a receptividade do protagonismo brasileiro no cenário internacional. Quando pensamos nas funções atribuídas ao Chefe de Estado a quem estão atrelados os atos oficiais de sua nação, percebemos a importância de o Presidente da República ser individuo dotado de notável conhecimento acerca das demandas pertinentes à sua pátria.

Por conseguinte, podemos concluir que, no que concerne à implantação de relações internacionais efetivas e disseminação do conceito de diplomacia presidencial, Fernando Henrique Cardoso foi o precursor para a construção do protagonismo brasileiro no exterior em razão de sua respeitável imagem, conhecimento peculiar e governo visionário.

Proposta de governo

Ao assumir a chefia do estado, o presidente expôs a intenção de organizar um projeto de governo sustentável onde fosse possível a construção de um modelo de justiça social que assegurasse a garantia do direito à vida com dignidade, conforme aduz Cardoso (2008, p. 4). Para tanto, o sociólogo especialista em ciências políticas que também ostentava vasta experiência no cenário externo e administração pública nacional, foi capaz de vislumbrar na estabilização econômica o método adequado e potencialmente eficaz à consecução de seu planejamento.

Desde o discurso de posse Proferido no Congresso Nacional em Brasília no dia 1º de janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso evidencia que a perfectibilização da execução de seu plano de governo estava atrelada à atuação brasileira no cenário internacional, tendo esta como premissa imperiosa ao seu objetivo. Tal iniciativa permitiria a atração de capital internacional ao território, postura que era compatível à governança neoliberal de Fernando Henrique Cardoso – preceito este que atribuía ao Estado a função de regular e prestar assistência aos seus componentes com vistas ao controle parcial e funcionamento da economia em prol do crescimento – e proporcionava a base necessária à remodelação econômica adequada ao desenvolvimento do país.

Com este precedente, Fernando Henrique Cardoso deu ensejo ao marco inicial do período de maior distinção da atuação diplomática no cenário externo, cumulando conquistas relevantes. À apresentação do novo presidente ao cenário externo estava atrelado o recente sucesso nacional do plano Real, o que viabilizava uma boa impressão da nação brasileira que possuía ambições no serviço exterior.

De sua atuação, restou ao país consistente histórico que demonstrava o amadurecimento brasileiro no desenvolvimento de sua política externa e cooperação internacional. Destarte, conforme o exposto, após a compreensão da essência que motivava o investimento de Fernando Henrique Cardoso no serviço externo brasileiro e dos feitos advindos de tal instituto, podemos compreender detalhadamente as minúcias e notoriedades presentes na ação direta do Chefe de Estado.

Execução da política externa brasileira do governo

A abundante agenda diplomática brasileira à época do governo de Fernando Henrique Cardoso fez com que as visitas presidenciais se desenrolassem de forma intensa, proporcionando ganhos diplomáticos e constituindo o cerne da implementação do projeto de política externa do governo, conforme refere Danese (2017, p. 38). Para o desenvolvimento da diplomacia brasileira, aquém do Ministério das Relações Exteriores houve a necessidade da criação de novos órgãos de assessoramento hábeis à administração do planejamento internacional pretendido pelo Presidente, como a Câmara de Comércio Exterior e Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

A intensa agenda internacional visava a autonomia pela integração, conceito ao qual estava atrelada uma soberania brasileira que presava pela incorporação do país à dinâmica global ao invés da segregação, sem, no entanto, dar causa à perda de identidade atentando-se ao crescimento interno. Nas palavras do Secretario Geral do Itamaraty e Ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso, Lampreia (1998, p. 9), este refere que nem a maior autonomia, nem o aumento de nossa capacidade de influência poderão ser alcançados por meio do isolamento ou da pretensa autossuficiência.

Na medida em que o Chefe de Estado reinventava a diplomacia brasileira, imperioso se fazia o reconhecimento do instituto da Diplomacia Presidencial que preponderava no serviço externo brasileiro. À vista disso, considerando que Fernando Henrique Cardoso praticamente deu início a um instituto que em tanto contribuiria ao crescimento do país, a tradição em questão merece maior detalhamento acerca de sua concepção e execução, conforme passaremos a fazer.

Diplomacia presidencial

O artigo 84 da Constituição Federal, em seu inciso VII refere ser competência privativa do Presidente da República a mantença de relações com Estados estrangeiros. A tradição da diplomacia presidencial enalteceu o dispositivo legal em questão, na medida em que através da figura do chefe de estado houve intensa promoção do país, considerando-se que a diplomacia presidencial está no âmbito das competências jurídicas dos chefes de Estado e de governo, os quais são diretamente responsáveis por compor as relações internacionais. Fato é que, há tempo considerável o setor não recebia tanta atenção devido à inércia e desimportância oriundas de chefias anteriores.

A intensa agenda internacional era uma das características preponderantes do referido instituto, chegando o Presidente em seus 2 anos de mandato ter realizado encontros com praticamente todos os mandatários do mundo conforme refere Danese (2017, 40). O estabelecimento de conexões com as demais soberanias, assim como o envolvimento em demandas permanentemente em pautas mundiais permitiram ao país não só a conquista de confiança dos Estados, como também a abertura para o desenvolvimento além da aquisição de conquista de colaboração para a resolução de demandas internas.

Ainda assim, por vezes a agenda intensa era entendida como desleixo por parte do Chefe de Estado às demandas internas, diante do limitado entendimento da sociedade que tinha como parâmetro para compreensão da atuação presidencial as informações trazidas pela mídia que, ora eram construtivas à diplomacia presidencial na medida em que propagavam a intensa atuação do presidente, ora eram devastadoras por não conseguir levar à população o real significado da prática presidencial, além de expor de maneira pejorativa as tarefas diplomáticas. Embora a compreensão acerca do tema fosse complexa, o discurso diplomático brasileiro era capaz de concatenar os principais agentes do plano de governo atual, ressaltando, inclusive, a importância do cidadão para eficiente atuação política brasileira no plano externo.

Ainda que tenha havido certa dificuldade de compreensão da atuação do então Chefe de Estado para execução da política externa de maneira a tornar a diplomacia brasileira condecorada no cenário externo, imperativo se faz o reconhecimento de que a diplomacia presidencial exercida por Fernando Henrique Cardoso ao longo de seus 2 mandatos foi o que possibilitou ao seu sucessor reger o período de maior altivez da política externa brasileira com inegável reconhecimento da diplomacia brasileira no cenário externo. Em suma, após a análise da atuação de Fernando Henrique Cardoso, que entreviu na diplomacia presidencial o núcleo organizador da ação diplomática com potencial para contribuir à conquista do fenômeno ambicionado em seu projeto político, e ainda vislumbrou no referido instituto o instrumento específico e insubstituível de promoção dos interesses brasileiros no exterior que daria causa à consecutiva melhor da política externa do país, concluímos sobre a inquestionável importância e consistência do legado no âmbito das relações internacionais deixada por Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva, a quem recairia a incumbência de dar continuidade à expressiva atuação atrelada a figura da diplomacia brasileira.

Considerações Finais

A construção iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso teve atuação predominantemente centrada na busca de restauração da credibilidade no âmbito externo, tendo em vista que o país vinha de uma governança onde foram preteridas as crises internas às relações internacionais, objetivo este orientado pelo fortalecimento da América Latina e principalmente pela mantença dos clássicos vínculos diplomáticos com as grandes potências.

A modulação da política externa que vemos hodiernamente decorre dos reflexos da globalização percebido nos anos 90, que trouxe à tona temas como meio ambiente, direitos humanos e outras minorias, o que na perspectiva brasileira foi entendido como a nova faceta da importância relativa de cada país no cenário externo, a qual passava a ser medida menos por seu peso militar ou estratégico e mais por sua projeção econômica, comercial, científica ou cultural segundo Abdenur, apud, Vigevani, Cintra e Oliveira (2003, p. 33). Desta forma, ao Ministério das Relações Exteriores coube a persecução dos objetivos traçados para a política externa a partir desta nova faceta, a qual tinha por objetivo a adequação ao novo cenário.

Na visão de Fernando Henrique Cardoso, que à época em questão compôs o Ministério das Relações Exteriores, a visão de futuro era fundamental diante de um ambiente desfavorável, contra o qual a diplomacia deveria atuar a longo prazo, adaptando-se a mudanças buscando a possibilidade de participação nos assuntos internacionais mediante a elaboração de regimes mais favoráveis aos interesses brasileiros, conforme Vigevani, Cintra e Oliveira (2003, p. 34). À vista disso, tem-se o início do período de maior altivez da diplomacia brasileira no contexto das relações internacional consolidada através, principalmente, da dinâmica da diplomacia presidencial que passaria a receber atenção especial dos representantes do país, legado de Fernando Henrique Cardoso.

Referências

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CINTRA, R.; VIGEVANI, T; OLIVEIRA, M. F. DE. Política Externa no Período FHC: a busca da autonomia pela integração. Tempo Social, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 31-61, novembro, 2003. Disponível em <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12404>. Acesso em: 15 de outubro de 2019.

DANESE, Sergio. Diplomacia Presidencial: história e crítica. 2ª edição. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2017. E-book. Disponível em <http://funag.gov.br/biblioteca/download/diplomacia-presidencial.pdf>. Acesso em 26 de outubro de 2019.

DRAIBE, Sônia. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Tempo Social, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 63-101, novembro de 2003. Disponível em <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12405/14182>. Acesso em 26 de outubro de 2019.

ESTADO, Agência. FHC faz última viagem oficial ao exterior. Estadão, sine loco, 08 de dezembro de 2002. Política. Disponível em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fhc-faz-ultima-viagem-oficial-aoexterior,20021208p57139>. Acesso em 26 de outubro de 2019.

LAMPREIA, Luiz Felipe. A política externa do governo FHC: continuidade e renovação. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, v. 41, n. 3, p. 5-17, novembro de 1998. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v41n2/v41n2a01.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2019.

SILVA, G. E. DO N E; CASELLA, P. B; NETO, O. DE O. B. Direito Internacional Diplomático: Convenção de Viena sobre relações diplomáticas. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

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