De acordo com as lições de Hedley Bull, a sociedade está intrinsecamente ligada à ideia de ordem. Isso significa dizer que “ordem” traz a ideia de padrão, repetição, comportamentos e regularidades, nos quais se decorrem regularidades comportamentais de atos, cujo objetivo é atingir resultados, como a proteção da vida e da propriedade. Por isso, a “sociedade” detém os principais elementos, como a garantia da manutenção da ordem, através de instituições, as quais garantem a eficácia das regras definidas pelos próprios Estados.
Nesse sentido, a partir do reconhecimento da existência de uma sociedade de estados ou uma sociedade internacional, é possível identificar inúmeros padrões de comportamento, de consensos e práticas comuns na história das Relações Internacionais. Sendo que essas regulamentações irão prever uma espécie de “ordem” no cenário internacional (MENDONCA, 2012). Destaca-se que, na sociedade internacional não se reconhece uma hierarquia, tampouco um centro de autoridade, considerando a existência do fenômeno da anarquia (SOUZA, 1999).
Por essas razões, existe a necessidade de mecanismos, por meio de instituições, para a manutenção dessa sociedade internacional. Dada a amplitude do conceito de instituição, o presente estudo pretende analisá-la em um sentido estrito. Isso porque, a partir do final do século XIX e início do século XX, as organizações internacionais passam a ganhar ênfase, sendo muitas vezes institucionalizadas como mecanismos complexos de participação e atuação na resolução de conflitos.
Isso significa dizer que os Estados têm participado de um longo processo de aproximação mútua por meio dessas organizações internacionais. Acerca disso, o autor Wagner Menezes esclarece a concepção doutrinária da construção de uma “aldeia global”, a qual possui uma agenda transnacional arquitetada por organismos globais. Essa aldeia global no cenário internacional passa a discutir questões relacionadas ao patrimônio comum da humanidade (MENEZES, 2005).
Destarte, é imprescindível mencionar o papel fundamental que estes organismos internacionais possuem, tendo em vista que é através deles que se estabelecem padrões e dinâmicas de combate à crise global advinda do Sars-CoV-2. A título exemplificativo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem se manifestando e indicando parâmetros no combate ao vírus, a ser seguido pelos Estados.
Da mesma maneira, pretende-se analisar a criação dos organismos internacionais e como estes preveem soluções concretas ao combate de conflitos e crises globais em consonância com os Estados-partes. Ainda que tais medidas, por vezes, não tenham caráter vinculante, elas servem como garantia da vida humana e supervisão do cumprimento das demais obrigações assumidas mediante ratificação de instrumentos internacionais.
A Sociedade Internacional e os Organismos Internacionais
Como visto, os organismos internacionais fazem parte das instituições que objetivam a manutenção da ordem da sociedade internacional. Esses organismos internacionais surgem, essencialmente, após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), estabelecendo-se como um foro de diálogo permanente para as nações (MENEZES, 2005).
Destaca-se que a ONU possui uma antecessora¹, denominada Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, que se caracterizou por ser uma organização idealizada em 1914, em Versalhes, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz. Contudo, como já mencionado, com a Segunda Guerra Mundial, os acordos não obtiveram sucesso, então, a Sociedade foi dissolvida. Posteriormente, passou suas responsabilidades à recém-criada ONU.
Aproximadamente no final de 2008, o número de Estados-membros da ONU era de 193 países. Desde o seu estabelecimento, nenhum país renunciou a ONU. Apenas a Indonésia, em 1965, se retirou temporariamente por um conflito com seu Estado vencido contra Malásia, mas regressou no ano seguinte. Cumpre destacar que, para se retirar, ou renunciar, da ONU deve haver a denominada “denúncia”, um mecanismo próprio do Direito Internacional Público que permite que o Estado deixe de se obrigar por um Tratado ou Órgão Internacional. Contudo esse mecanismo só pode ser utilizado após o país ter sido membro da organização por 5 anos.
De todo modo, ao longo do tempo foram desenvolvidas inúmeras outras organizações internacionais, com formatos diversos, vocacionado uma atuação universal ou regional e com finalidades técnicas, políticas e militares (MENEZES, 2005). Disso é ressaltado que, as organizações internacionais são associações livres entre Estados, surgem a partir de uma convenção internacional, dispõem de personalidade jurídica internacional, possuem um objeto de trabalho próprio e definido e ordenamento jurídico próprio que regula a sociedade de Estados.
Não obstante, as organizações internacionais servem como um meio democrático que os Estados utilizam para a manutenção da paz e como instrumento de desenvolvimento; unindo-se assim os propósitos da ONU de manter a paz e a segurança internacional, fomentar as relações amigáveis entre as nações, realizar cooperação internacional na solução de conflitos internacionais e também servir como centro de harmonia. Ademais, a atuação destes organismos passam a se externalizar através de resoluções de relevância e significação variáveis, tais como instrumentos de exortação, de princípios gerais (CANÇADO TRINDADE, 1979).
Portanto, buscam aumentar a cooperação entre diversos atores econômicos, políticos e sociais; tornando as tomadas de decisões mais previsíveis dentro de áreas específicas e resultando em uma “governança global”, que se caracteriza por ser mais ampla do que um governo, abrangendo todas as instituições, mas também implicando em mecanismos informais e formais, de caráter não governamental.
As Organizações Internacionais como Tutela da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969
Tecida as breves considerações sobre as organizações internacionais, é necessário destacar o seu papel no cumprimento do que estabelece a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969; tendo em visto que a referida convenção tem o papel primordial de regular, essencialmente, a observância e o cumprimento dos tratados internacionais assumidos pelos Estados.
É possível extrair dos artigos 26, 27 e 28 da Convenção de Viena, que todos os tratados em vigor obrigam as partes e devem ser cumpridos por elas de boa fé, não podendo ser invocadas as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado; e, ainda, a não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em relação a um ato, fato anterior ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte.
Nessa seara, os organismos internacionais, além de servirem como um fórum democrático, onde se busca a criação de normas globais, se estabelecem como órgãos de monitoramento para cada Tratado; sendo geralmente um Comitê, que cuida de acompanhar o modo pelo qual os Estados cumprem e observam as obrigações assumidas no momento de ratificação. Destaca-se, que tais obrigações podem ser classificadas em obrigações de conduta e obrigações de resultado. A primeira, impõe aos Estados a adoção de medidas administrativas, legislativas, orçamentárias e outras, objetivando a plena realização dos direitos reconhecidos na Convenção. Isto implica na adoção de políticas públicas, voltadas para a realização dos direitos. Já a segunda torna obrigatória a adoção de parâmetros e referenciais, para avaliar se as medidas adotadas e as políticas públicas conduzidas estão, efetivamente, assegurando a realização do direito garantido.
Ambas as obrigações almejam o mesmo objetivo, que é o respeito, a proteção e a implementação do conteúdo do tratado internacional, para além da sua formalidade. Quando se fala em proteger, o Estado deve agir em defesa do cidadão das violações por parte de terceiros, o que faz com que o Estado tenha, muitas vezes, de editar leis, estabelecendo o dever dos particulares respeitarem os direitos humanos. Ainda, o dever de implementar significa que, em muitas situações, é o próprio Estado o responsável pelo atendimento direto do direito, quando o titular não consiga sozinho dele se desincumbir.
Especificamente, o Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988 e da Emenda Constitucional nº 45, estabelece que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BRASIL, 2004). A título exemplificativo, para o cumprimento das obrigações supramencionadas do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o qual o Brasil incorporou através do Decreto nº 592 de 07 de julho de 1992 no ordenamento interno, há o monitoramento pelo órgão do Comitê de Direitos Humanos (HRC).
Percebe-se a importância dos organismos pelo monitoramento e supervisão do conteúdo dos tratados no âmbito interno, vez que irão fiscalizar o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados. Adverte-se apenas que, mesmo que um dado órgão internacional não possua um caráter vinculativo, no caso da norma internacional ser parcialmente respeitada, ou integralmente respeitada, não há dúvida da sua validade ou da sua natureza jurídica, pois isso geralmente acontece com as normas jurídicas que compõe os direitos nacionais internos (SOUZA, 1999).
Desse modo, o direito internacional possui eficácia e natureza jurídica. Isso é, embora seja influenciado pelas regras morais ou políticas, é necessário levar o direito internacional público a sério, sem cometer o equívoco de pensar que este ataca a soberania estatal; sendo o papel dos organismos internacionais servir como meio de discussão para a criação, monitoramento e supervisão do cumprimento dessas normas.
Considerações Finais
No escopo de demonstrar a relevância dos organismos internacionais para a manutenção da sociedade internacional, considerando que essa exterioriza-se pelas relações sociais que vêm se traduzindo nas intensificação das interações transnacionais e formando-se por uma opinião pública global, percebeu-se que tais órgãos podem servir como padrões universais e regionais; sendo esses padrões aplicados inclusive, em relação ao monitoramento e supervisão das normas. Isso é, os organismos internacionais vão atuar desde um centro de discussão entre os Estados, com temas relevantes a suas agendas, até na criação de normas e na fiscalização do cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados nesta.
Ademais, as políticas internacionais e o Direito Internacional Público, bem como o sistema internacional, se fazem necessários para que os Estados se regulem de acordo com as medidas internacionais, tanto na manutenção da proteção dos direitos humanos quanto na preservação da sua democracia.
Outrossim, as normas internacionais e as organizações internacionais que compõe o sistema internacional devem ser vistas como foros democráticos de manutenção da proteção dos direitos internos de cada Estado; e, por isso, devem ser eficazes.
Referências Bibliográficas
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 1991.
ASSEMBLEIA, Geral das Nações Unidas. Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Disponível em: https://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/legislacao/convencoes/convencao_viena_direito_tratados.pdf. Acesso em: 10 out. 2020.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm. Acesso em: 10 out. 2020.
BULL, Hendley. The Anarchical Society. New York: Columbia University. 2002.
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O Estado e às Relações Internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979.
MENDONCA, Bruno Macedo. Sociedade Internacional: a construção de um conceito. Rev. Sociol. Polit., Curitiba. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782012000300001&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 12 out. 2020.
MENEZES, Wagner. Ordem global e Transnormatividade. Ijuí: Editora Unijuí, 2005.
SOUZA, Ielbo Marcus Lobo de Souza. A natureza e eficácia do direito internacional. Revista de Informação Legislativa, 341.1, 1999. Disponível em: https://www.academia.edu/42386339/A_Natureza_e_Efic%C3%A1cia_do_Direito_Internacional?auto=download. Acesso em: 10 out. 2020.
¹ A título de contribuição, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também antecedeu a ONU, vez que se consolidou em 1919.