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O Último Suspiro do Brasil no Mercado Atual de Semicondutores: uma Análise a partir da Teoria da Dependência sobre a Manutenção e o Desmonte da CEITEC durante o Governo Bolsonaro (2019 – 2022)
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O Último Suspiro do Brasil no Mercado Atual de Semicondutores: uma Análise a partir da Teoria da Dependência sobre a Manutenção e o Desmonte da CEITEC durante o Governo Bolsonaro (2019 – 2022)

Diante do cenário de inovação tecnológica internacional, o Centro de Inovação e Tecnologia Avançada (CEITEC) emergiu em 2008 visando o fortalecimento da indústria de microeletrônica no Brasil, focada na fabricação e comercialização de semicondutores. Contudo, durante o Governo Bolsonaro (2019 – 2022), medidas de desmonte iniciadas no mandato de Michel Temer (2016 – 2018) foram alavancadas e o  Plano Nacional de Desestatização foi iniciado, potencializando a dependência externa e uma condição subalterna perante ao sistema internacional. O presente artigo se fundamenta em traçar um paralelo da gestão estatal, durante o Governo Bolsonaro, da CEITEC que levou a decisão de liquidação e a manutenção do status quo dos países de centro a partir da Teoria da Dependência. Assim, na construção da pesquisa fez-se essencial à compressão qualitativa por meio da revisão bibliográfica acerca da importância da CEITEC e a posição de semiperiferia do Brasil no sistema internacional. O resultado do trabalho confirmou que as medidas de desmonte do processo de desenvolvimento da indústria nacional de semicondutores está atrelada à uma subordinação histórica perante aos países de centro, sendo retomada com políticas de desestatização que fortalecem somente o mercado externo.

Introdução

 O desenvolvimento tecnológico das nações e as demandas por inovação elevadas corroboraram a ascensão de um novo ramo da tecnologia – a microeletrônica – que requisitou um período considerável de processos complexos para alcançar os parâmetros pré-estabelecidos da atual tecnologia. Por isso, dominar tecnologia e desenvolver soluções inovadoras para otimizar processos tornou-se fundamental para o crescimento das nações modernas. Diante desse cenário, o Centro De Inovação e Tecnologia Avançada (CEITEC), sediado em Porto Alegre, emergiu em 2008 visando o fortalecimento da indústria de microeletrônica no Brasil, com foco na fabricação e comercialização de chips semicondutores, caracterizando-a como a única empresa da América Latina capaz de produzir circuitos integrados em escala comercial. (Agência Câmara de Notícias, 2022).

A indústria de semicondutores, de fato, mostra-se uma potência para o desenvolvimento econômico em diversos setores estratégicos na atual economia global (Filippin, 2020). Apesar da seleção do segmento de semicondutores ter ocorrido de forma estratégica para potencializar a inovação tecnológica, as medidas de desmonte iniciadas durante o governo de Michel Temer (2016 – 2018) e perpetuadas durante o governo de Jair Bolsonaro (2019 – 2022), tiveram um impacto negativo na empresa através de: investimento irrisório no empreendimento, dificuldade na integração e comunicação das áreas e pessoas envolvidas, pouca difusão de informação difundida sobre a indústria de semicondutores e entre outros (Bampi, 2021). Segundo Dossa (2021), em consequência a tais medidas, o Plano Nacional de Desestatização foi iniciado a fim de liquidar a CEITEC, sem levar em consideração o potencial estratégico que uma empresa como a CEITEC estaria apta a oferecer ao país em um futuro não muito distante.

Entendendo a relevância desse setor no mercado global, assim como o papel da CEITEC no progresso fabril para a autossuficiência em tecnologia avançada, o presente artigo é norteado pelo problema de pesquisa de “Como as medidas que culminaram na iminente decisão da liquidação da CEITEC derivam de uma gestão estatal instrumentalizada para a manutenção da dependência?”. Nessa perspectiva, o trabalho tem o objetivo de traçar um paralelo da Teoria da Dependência com as tomadas de decisões durante o Governo Bolsonaro que influenciaram a possível liquidação da CEITEC. Diante do exposto, o artigo está disposto da seguinte forma: I) introduzir o conceito da Teoria da Dependência no contexto brasileiro; II) listar e analisar os impactos das políticas de desmonte da CEITEC durante o governo Bolsonaro; III) explicar como o desmonte nesta empresa afeta a posição do Brasil de dependente no mercado de semicondutores; e IV) reafirmar a importância da CEITEC como caminho para entrada brasileira nesse mercado. 

Somado ao supracitado, justifica-se a pertinência do trabalho pois busca atrair atenção para a relação do Brasil e do mercado de semicondutores, sendo uma porta para a ascensão econômica no mercado internacional, a partir da perspectiva da Teoria da Dependência, o que configura um caráter pioneiro e inovador de pesquisa no âmbito das Relações Internacionais. Logo, espera-se que este artigo possa complementar as pesquisas de Bampi (2021), Cario et al. (2019), Furtado (1975; 2009), Gala (2020), Machado (1999) e Roncaglia (2021), visando, assim, a colaboração com a ciência e o desenvolvimento brasileiro através de metodologias eficientes e comprometidas com a verdade. Por fim, o artigo estrutura-se em três tópico além da introdução e conclusão, sendo eles: a Teoria da Dependência e a Dinâmica das Relações Internacionais na Economia Brasileira; a CEITEC e sua relação com as políticas do Governo Bolsonaro; e a relação entre o mercado semicondutor e o papel do brasil como semiperiferia sob a ótica da teoria da dependência.

O presente trabalho tem como classificação metodológica quanto aos objetivos como descritiva, a partir de um estudo de caso discorrendo como o impacto das políticas de desmonte tardou a inserção efetiva do Brasil no mercado de semicondutores. Para alcançar o objetivo proposto, o procedimento para a realização desta pesquisa foi de revisão bibliográfica e documental, no estudo de materiais escritos publicados como: artigos, reportagens, sites oficiais e documentos acerca da temática.

Nesse ínterim, a abordagem do problema foi de caráter qualitativo e teórica, na tentativa de estabelecer paralelos entre o desmonte da CEITEC e a Teoria da Dependência, as quais se demonstram complementares para se debruçar nas motivações que corroboram em uma possível liquidação da CEITEC. Além disso, houve uma troca de e-mails com Sérgio Bampi (2022), professor titular do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nessa entrevista, o professor enfatizou a importância de defender a CEITEC, assim como feito na sessão da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, o qual argumentou sobre a import ância da estatal para a nação brasileira.

A Teoria da Dependência e a Dinâmica das Relações Internacionais na Economia Brasileira

De acordo com Marx e Engels (1848), a luta de classes é uma história presente em todas as sociedades já existentes e, com isso, a Teoria da Dependência deriva de uma perspectiva da importância na divisão de classes das sociedades dos países emergentes. Partindo do reconhecimento dos responsáveis das ações, esse domínio estrutural corrobora em uma transformação dentro da economia mundial capitalista, o subdesenvolvimento (Cario et al., 2019). No âmbito das relações internacionais, o método de acúmulo de capital, segundo Frank (1980), é um dos propulsores fundamentais da modernidade, em que há a permuta da produção do interior decorrente de uma abundância de recursos e perpetua as desigualdades sociais (Machado, 1999). Para Furtado (2009), a configuração da utilização do excedente de produção, assim como a posição social ocupada pelo coletivo que efetua sua apropriação, são componentes imprescindíveis do processo social que impulsiona a gênese do desenvolvimento. Adentrando no contexto brasileiro, um exemplo histórico é o tributo da escravidão que era revertido em prol do grupo dominante, promovendo um enriquecimento nos padrões de consumo de um seleto grupo (Furtado, 2009). 

Com efeito, a Teoria da Dependência é, geralmente, atrelada ao materialismo histórico-dialético e discorre sobre a inserção dos países periféricos no sistema político-econômico mundial, sendo o desenvolvimento dessas periferias subordinadas às economias dos países de centro (Silva, 2010).  O crescimento econômico está atrelado ao grau de subordinação externa que, quanto maior, menor a probabilidade de desenvolvimento pela correlação da política econômica geral dos Estados dentro do sistema de interdependências (Machado, 1999). Marini (2000 apud Cario et al., 2019) afirma que o processo de industrialização dos países emergentes serve como uma marionete para os países centrais, pois a demanda é vinculada aos objetivos externos dos países dominantes e não a uma demanda prioritária dos dependentes. Segundo Machado (1999), o conceito de “círculo vicioso”, de Gunnar Myrfa, determina que as economias subdesenvolvidas enfrentavam uma precarização de investimentos sem o auxílio da iniciativa privada e, como estratégia, adotaram medidas de importação de bens e serviços, além de empréstimos para modernização que visava atrair o capital estrangeiro. Consequentemente, há a descapitalização e o endividamento exponencial, ou seja, um elemento desfavorável é, de forma simultânea, a causa e o resultado de fatores negativos, os quais colaboram para o aumento das riquezas dos mais ricos, e o aumento da pobreza dos mais pobres (Machado, 1999).

Com isso, o sistema capitalista colaborou para a estagnação das periferias perante ao centro hegemônico imperialista com sua acumulação e avanço tecnológico, apesar das tentativas de industrialização dos emergentes (Machado, 1999). Furtado (1975; 2009) enfatiza que as nações que são fontes de inovação tecnológica exercem influência sobre os valores culturais e os modelos de consumo adotados pelas sociedades periféricas. Isso ocorre de forma gradual pois, ao se inserirem nas economias periféricas, estabelecem um arranjo dualista estrutural de natureza cultural (Furtado, 1975; 2009). Nesse contexto, emerge um setor moderno e avançado que reverbera os padrões culturais emanados das nações desenvolvidas, simultaneamente a um setor marginalizado e retardatário em termos dos paradigmas modernos de progresso. Assim, a minoria dominante periférica reproduz sua ação dentro da sociedade que se identifica com valores culturais e ideológicos centrais, marginalizando seus próprios valores nacionais (Cario et al.,2019).

No contexto brasileiro, o país foi capaz de deslocar durante um período de 50 anos (1930-1980) da periferia à semiperiferia, pois na década de 40 promoveu a industrialização que visava a substituição de importações, fortalecendo as empresas estatais e privadas nacionais e multinacionais (Vieira; Ouriques, 2017). Após o golpe militar, especialmente, ocorreu um redirecionamento da trajetória desenvolvimentista, a qual passou de políticas de acomodação subalterna perante ao sistema internacional, sendo influenciada proeminente por grandes empresas dos Estados Unidos (Cario et al., 2019). Diante de todo o exposto, e transcorridas seis décadas, o Brasil reingressou no cenário de dependência das potências influentes globais durante o governo de Jair Bolsonaro. Neste contexto, há a promoção de políticas de enfraquecimento do aparato industrial nacional em detrimento a uma maior importação de produtos estrangeiros, enfraquecendo o setor tecnológico e corroborando para a liquidação de uma das empresas de semicondutores mais promissoras do mundo, a CEITEC.

A CEITEC e sua Relação com as Políticas do Governo Bolsonaro (2019-2022)

O que é a CEITEC?

 O Centro De Inovação e Tecnologia Avançada (CEITEC), localizada em Porto Alegre (RS), é uma empresa pública, criada em 2008, pelo Governo federal do Brasil, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que tem a missão de inserir o Brasil como um player no mercado global da microeletrônica, especificando sua produção e comercialização nos semicondutores (Ceitec, 2022). A corporação produtora de semicondutores desfruta de reconhecimento internacional, sendo o Chip EPCglobal Class 1 Gen 2, desenvolvido e fabricado pela CEITEC, ganhador de um certificado internacional apenas obtido por outros 10 chips no mundo (Diário Oficial da União, 2018). Além do prestígio de ser a primeira empresa com o chip totalmente desenvolvido no Hemisfério Sul, a CEITEC é também certificada como referência na Gestão da Qualidade (Diário Oficial da União, 2018).

O investimento e desenvolvimento da empresa mostra-se estrategicamente importante para a questão da soberania nacional, visto que seu crescimento beneficia o Brasil através da inserção do país no mercado global de semicondutores e reduz a dependência da importação de tecnologia estrangeira, além de fomentar parcerias com institutos de pesquisas e qualificando o corpo técnico (Acceitec 2022). Portanto, a CEITEC tem como objetivo a promoção de avanços tecnológicos e científicos, ligados com o compromisso de desenvolver soluções que colaborem com o bem-estar da sociedade brasileira, através de incentivos à capacidade científica do país nas áreas de saúde, segurança, mobilidade e infraestrutura (Ceitec, 2022).

Medidas tomadas pelo Governo Bolsonaro e seus impactos na CEITEC

A princípio, segundo o Relatório de Gestão de 2019 (2020), o planejamento inicial para a CEITEC seria o de ter o governo enquanto bússola que guiaria o rumo da empresa em prol de um maior alcance referente ao mercado de semicondutores e a parcerias privadas. Portanto, desde a criação da CEITEC S.A por intermédio da Lei de nº 11.759/08, a empresa pública federal vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) é fortemente influenciada por medidas tomadas pelo governo federal (Brasil, 2019).

Anteriormente à criação da CEITEC, em 2008, o Brasil estimulou o mercado de semicondutores através de políticas como a criação do PADIS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays), instituído  pela Lei Nº 11.484/07 (Zülke, 2017). Esse programa tinha como objetivo o incentivo ao crescimento do setor fabril de semicondutores em território brasileiro, a partir de incentivos fiscais, como a isenção no pagamento de imposto sobre produtos industrializados (IPI) e a redução para zero alíquotas de alguns tributos como PIS/Cofins e IPI (Zülke, 2017).

Entretanto, Bampi (2021) afirma que políticas estatais que  tiveram início no ano de 2016 acarretaram na perda de credibilidade e na consequente decisão de liquidação da empresa de tecnologia microeletrônica. Como apontado pelo Plano Estratégico do ciclo de 2020-2024 da CEITEC, disponibilizado em seu site oficial, a empresa sofreu ameaças e pereceu de fraquezas que tiveram origens de lacunas administrativas governamentais (Ceitec, 2022). Entre os problemas citados no plano estratégico derivados do gerenciamento de investimentos do governo, encontram-se: limitação orçamentária, baixo número de interação com empresas privadas e dificuldade na prospecção de novos clientes (Ceitec, 2022). Além das fraquezas, são apontadas pela empresa as ameaças (que também são advindas de medidas estatais) que a cercam, como: cortes financeiros, perda de quadro técnico, dificuldade em fechar novas parcerias por conta de declarações de entes do governo, além de processos internos lentos e burocráticos que não condizem com a necessidade de medidas rápidas para acompanhar o mercado de semicondutores (Ceitec, 2023).

Dito isso, analisa-se uma gerência da CEITEC que difere das outras nações que obtiveram alto desempenho no mercado de semicondutores por meio do auxílio estatal, da colaboração com empresas privadas e parcerias com instituições de ensino e pesquisa (Filippin, 2020). Vale ressaltar que o setor privado não demonstra grande interesse em investimentos, devido ao valor de mercado que considera a baixa possibilidade de gerar valor no futuro, não apenas dependendo do lucro (Ceitec, 2022). Segundo posicionamento dos colaboradores da CEITEC, houve um déficit nos investimentos da empresa em comparação com as nações desenvolvidas que desfrutam de altos rendimentos na produção e comercialização dos semicondutores (Acceitec, 2022).

No que tange aos investimentos estatais, a figura 1 evidencia que, desde 2017, o Percentual do Dispêndio Nacional em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) segue em queda, voltando a se recuperar apenas em 2020, resultando no enfraquecimento de investimentos na área atuante da empresa brasileira de microeletrônica e semicondutores, o que – consequentemente – expõe um esfarelamento das políticas públicas de incentivo ao setor de desenvolvimento e tecnologia (Coict e Mcti, 2022).

Brasil Mercado Semicondutores

Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações

Após as oscilações de investimentos públicos na CEITEC, discussões sobre o futuro da empresa foram levantadas pelo Governo Federal e, após análise, foi tomada a decisão de liquidar a empresa sob o decreto Nº 10.578/20, que tem como base decisória “os princípios da eficiência, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável e considerada a relevância da manutenção das atividades industriais de microeletrônica no País”. 

Dessa forma, Bampi (2021) enfatiza que a decisão da liquidação baseia-se na ausência de retorno lucrativo e na dependência do Estado, porém, a eficiência de empresas de tecnologia e inovação ultrapassa o lucro financeiro retornado, sendo o objetivo alavancar o Brasil na competitiva indústria de semicondutores. Ademais, vale salientar que diversas das medidas que serão apresentadas em seguida derivam de escolhas estatais que tomam como base o retorno financeiro da empresa, marginalizando o seu papel em inovação, tecnologia e pioneirismo que a CEITEC desempenha na mitigação da dependência de tecnologia estrangeira. Não obstante, infere-se que inserir a empresa no Plano Nacional de Desestatização foi uma escolha inesperada, tendo em vista o potencial estratégico, além do retorno financeiro e tecnológico que uma empresa como a CEITEC está apta a oferecer a longo prazo, após o período de maturação (Becker, 2021). Desse modo, as ações administrativas governamentais implicam prejuízos ao desenvolvimento nacional, visto que a CEITEC não apenas apresenta uma nova rota de desenvolvimento e modernização, mas também atingiu os objetivos originais como: atração de investimentos privados que propiciaram o surgimento de outras empresas, incentivos à cadeia de produção local, qualificação de profissionais especializados (Ceitec, 2023) e a capacidade de operar em todos os estágios da cadeia produtiva de semicondutores, sendo raramente encontrada nessa indústria (Becker, 2021). 

Contudo, o Brasil necessita do investimento estatal para que a empresa possa percorrer o período de maturação e, enfim, ascender de maneira autossuficiente no futuro (Filippin, 2020). Portanto, é imprescindível que o Estado aja de forma direta e pensada, porém, como visto na figura 2, não houve o investimento adequado que a indústria microeletrônica demanda para prosperar (Roncaglia, 2021). No gráfico, percebe-se uma queda nos investimentos de Pesquisa & Desenvolvimento a partir do ano de 2018 de forma drástica, diminuindo a porcentagem de investimentos sem uma compensação nos anos seguintes, o que sufoca empresas como a CEITEC que – a priori – dependem do incentivo financeiro estatal para existir.

Brasil Mercado Semicondutores

 Fonte: Dispêndios federais: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI). 

De acordo com Moreira e Gala (2021), optar por negociar ou encerrar as operações da CEITEC é relegar o Brasil a uma condição de economia periférica e subordinada, definida por uma especialização na produção de produtos de escasso conteúdo tecnológico. Essa decisão pode ser a motivação final para que o Brasil perca a chance de sair de um status quo semiperiférico. Outra grande problemática tangente a decisão de liquidação é a fuga de capital intelectual do Brasil, pois, após a decisão de liquidação houve não apenas a desvalorização do potencial exponencial da CEITEC, mas também na fuga de cérebro dos trabalhadores brasileiros que foram capacitados pelo Estado, perdendo o investimento de anos e culminando em uma imagem do país que continua dependente de know how e inovação do exterior (Gala, 2020).

A Relação entre o Mercado Semicondutor e o Papel do Brasil como Semiperiferia sob a Ótica da Teoria da Dependência

 Uma característica em comum de todos os países que possuem grandes empresas de semicondutores é a forte presença do Estado em sua formação e na arrecadação de investimentos privados para a área tecnológica (Bampi, 2021). A mérito de exemplificação, observa-se os passos tomados pelo maior exportador de semicondutores do mundo, como Taiwan, sendo – atualmente – responsável por, aproximadamente, 65% da produção de semicondutores no mundo, comercializando cerca de 90% dos menores e mais sofisticados chips (Supply Chain Brain, 2022). Esse resultado se deve pela criação da TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) e parcerias com investimentos privados os quais colaboram com o crescimento exponencial da empresa de tecnologia, somados a uma gerência estratégica que buscava investir na microeletrônica e colocar Taiwan a frente de seus competidores (History-Computer, 2022). 

Logo, após compreender o papel basilar que um Estado possui no sucesso da sua indústria tecnológica, observa-se que as medidas tomadas pelo governo de Bolsonaro para a manutenção e o desenvolvimento do CEITEC foram contraditórias. Em nota do Programa de Parcerias de Investimento, o Governo Federal, de 2010 até 2018, investiu cerca de 600 milhões de reais na CEITEC (Costa, 2021). Em paralelo, o site “Infor Channel” (2017) anuncia que a empresa americana Gartner projetou, somente em 2017, o financiamento de 78 bilhões de dólares em semicondutores no mundo, ou seja, o investimento do Brasil em quase uma década equivale a apenas 0,75% na receita mundial de um ano. Segundo a Gartner, houve, somente em 2021, um movimento de aproximadamente 600 bilhões de dólares, equivalente a um aumento de 26% em comparação ao ano anterior (Roncaglia, 2021). Como prova do processo de revolução tecnológica no século XXI, o CEO da TSMC, C.C Wei, informou que pretende investir 100 bilhões de dólares até 2023 em semicondutores, além da União Europeia apresentar um plano chamado “Digital Compass”, a qual pretende investir 140 bilhões de euros no setor digital e ser detentor de 20% da produção de semicondutores avançados no mundo nos próximos três anos (Roncaglia, 2021).

Nesse contexto, a sindemia de crises econômica social corrobora em um desequilíbrio de oferta e ocasiona em demandas persistentes no mercado, como a pandemia e as ramificações (Roncaglia; Gala, 2021). Nessa perspectiva, a dependência tecnológica aflora, pois, os brasileiros, segundo o site IAB Brasil (2021), elevaram seus gastos com eletrônicos cerca de 455% em 2021, além do número de pedidos aumentar quase 320%. Entretanto, apesar da crise global ser uma grande oportunidade para o Brasil, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (2021) afirma que o governo Bolsonaro estimulou as importações de tecnologia, possuindo um déficit na balança comercial equivalente a 15% da importação de eletroeletrônicos e semicondutores em 2020. Dentro dessas importações, a Nota Técnica da avaliação econômico-financeira (2020) prevê ainda sim aportes da União para sustentar a CEITEC e a necessidade de reestruturar para elevar sua geração de renda e, por conseguinte, na geração de valor para o ativo.

Todavia, mesmo diante do baixo orçamento e destaque mundial não equivalente a sua capacidade comparado aos dados expostos, a CEITEC produz mais de 100 milhões de chips, quase 3,5 milhões de encapsulamentos de chips e a fabricação de 3,1 milhões de etiquetas, inlay e tags (Acceitec, 2022). Os produtos/serviços e as patentes da CEITEC estão em diversos segmentos, sendo algumas delas: agronegócio (chip do boi); identificação veicular (uso de radiofrequência passivo); rastreio e identificação; identificação pessoal; sensores e dispositivos microfluídicos (possibilita a detecção precoce de câncer); sensores de análise para detecção de doenças; além de sensores eletroquímico do tipo micromódulo – possibilita a efetuação de testes rápidos para detectar doenças como COVID-19 e Dengue – (Acceitec, 2022). Por fim, o grande feito foi a certificação internacional Commom Criteria fruto da criação totalmente nacional de chip do passaporte eletrônico submetido a testes de software e, surpreendentemente, menos de dez empresas no mundo possuem esse certificado (Acceitec, 2022).

Mesmo com esse prestígio e um futuro promissor para indústria nacional, a “síndrome de vira lata” perpetuada pelo Governo Bolsonaro induz um consumo excessivo de produtos de países centrais, os quais, segundo Cario et al. (2019), instaura um sistema de comunicação e propaganda dominante via sistema financeiro facilitador. Esse sistema já foi consolidado pela industrialização tardia e a ausência de um planejamento estratégico de desenvolvimento autônomo, o qual corroborou a dependência do padrão produtivo e tecnológico dos países centrais (Cario et al., 2019). Raul Prebisch (1981 apud Machado, 1999) apropria o subdesenvolvimento às trocas deterioradas entre centro e periferia que fomentou em uma acumulação de renda global, inviabilizando a superação do subdesenvolvimento. 

Diante do exposto, é notório que os países de centro capitalista são mais propensos a qualificar a indústria 4.0 pelo seu processo de industrialização avançado. Segundo Wallerstein (1974), o Sistema Internacional é formado por hierarquia, na qual o desenvolvimento desigual e o subdesenvolvimento são produtos do desenvolvimento dos países centro capitalistas. De acordo com André Frank (1988 apud Wasserman, 2017), os países subdesenvolvidos são incapazes de se transformarem, fadados a tornarem-se coadjuvantes internacionalmente por conta de importarem “estereótipos estéreis” das metrópoles. Para Wasserman (2017), os países centrais não priorizam a cooperação para o desenvolvimento dos subdesenvolvidos, pois, historicamente, os auxílios feitos pelas metrópoles visavam a perpetuação da desigualdade.

Segundo Messari e Nogueira (2005), a única maneira de incorporar uma luta anti-imperialista e progredir com o processo revolucionário do Terceiro Mundo é partindo de um Estado periférico autônomo e nacionalista. Esse projeto é fundamentado pelo projeto de independência nacional, sustentado por uma aliança de classes que propõe mudanças nas relações de dominação dentro das Relações Internacionais (Nogueira; Messari, 2005). Wallerstein (1999 apud Acco, 2018) explica a lógica de acumulação, no qual os países de centro sempre se deslocam ao longo de sua história que coincidem com ciclos de expansão e declínio econômico, como a ascensão da Taiwan no mercado de semicondutores. 

Portanto, diante do contexto atual do mercado de semicondutores e a presença da CEITEC, é cabível especular uma possível perspectiva de ascensão econômica do Brasil como um player neste mercado. A internacionalização reflete os laços entre desenvolvidos e emergentes que, mesmo mitigando a influência do empresário local, viabiliza a estimulação de desenvolvimento, a qual culminaria na mudança da conduta conservadora, tradicional e rudimentar dos empresários brasileiros (Cardoso, 1964 apud Cario, 2019). Dito isso, Brandão (2012 apud Cario et al., 2019) afirma que a nação deve fomentar um sentimento identitário e de pertencimento para que a participação dos cidadãos resulte em uma sociedade mais igualitária e justa. Destarte, a CEITEC já demonstrou sua capacidade produtiva de tornar-se uma grande oportunidade a nível competitivo global, especialmente para um país semiperiférico que passa a ser detentor de uma empresa que abarca todo o processo fabril dos semicondutores. Logo, investir na CEITEC permite que o Brasil reforce sua soberania tecnológica, abrindo espaço para um novo capítulo na história do país e do sistema internacional que – possivelmente – passaria a enxergar o país como um exemplo na área da microeletrônica.

Conclusão

Diante do exposto, observa-se que a estratégia usada pelo Brasil para investir na CEITEC conta com políticas de incentivo à indústria microeletrônica inicialmente, dispondo de uma variedade de incentivos fiscais e um futuro promissor para a área de chips semicondutores. Entretanto, ao analisar a gestão estatal durante o Governo Bolsonaro da CEITEC, identifica-se uma série de tomadas de decisão divergentes dos exemplos das nações que são referências no mercado semicondutor, como a forte presença do Estado no auxílio para a atração de investimento privado e um alto investimento financeiro vindo do governo (Filippin, 2020). No que diz respeito ao objetivo do artigo de traçar um paralelo da Teoria da Dependência com as tomadas de decisões durante o Governo Bolsonaro que levaram a decisão de liquidação da CEITEC, verifica-se que é possível desenvolver conclusões baseadas em todos os argumentos citados anteriormente.

Ao observar a estratégia brasileira na tomada de decisões que impactam na empresa, nota-se uma ausência do conhecimento necessário para gerir uma empresa de porte global e promissora no mercado de semicondutores como a CEITEC (Dossa, 2021). Após análise de documentos oficiais do governo federal e dos sites oficiais da CEITEC e da ACCEITEC, constata-se que o Brasil se portou – inicialmente – de maneira otimista frente ao mercado de semicondutores, com incentivos como o PADIS e a criação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada. Em contrapartida, a pesquisa se viu, por vezes, limitada por falta de conteúdo acessível à população, visto que os materiais disponíveis referentes às políticas públicas tangentes à CEITEC e os impactos sofridos pela empresa ainda são demasiadamente escassos no meio acadêmico. Portanto, essa condição de inópia informação levou a pesquisa a ser baseada, excepcionalmente, em documentos oficiais do governo, da CEITEC e da ACCEITEC, além de vídeos disponíveis na plataforma do Youtube. Não obstante, o professor Sérgio Bampi – por intermédio de uma troca de e-mails – reforçou a carência de um documento que fizesse uma avaliação da trajetória da empresa ao longo dos governos. Ademais, conclui-se que, apesar dos esforços feitos para uma decolagem nos setores tecnológico e de inovação brasileiros, houve uma mudança de paradigma durante as transições de governo que influenciaram o rumo da CEITEC.

À vista disso, percebe-se um novo olhar sobre a empresa de semicondutores a partir de políticas estatais que tiveram início no mandato de Michel Temer, passando a subestimar o potencial benéfico da empresa, reduzindo-o apenas ao seu lucro gerado e esquecendo da área estratégica coberta pela CEITEC. O ínfimo investimento e as grandes barreiras impostas à empresa mostram o despreparo do governo federal que ficou explícito através da decisão de autorizar o decreto Nº 10.578/20, sendo uma tomada de decisão sob o pretexto de ineficiência da empresa em gerar um retorno financeiro. Como posto pelos colaboradores da CEITEC, em seu site oficial, o valor que a empresa tecnológica pode agregar ao Estado está no conhecimento que ela pode gerar, não apenas o seu potencial financeiro, visto que a empresa é fruto de um investimento estratégico que busca elevar o Brasil ao mercado global de semicondutores, atuando como player no mercado e compondo o seleto grupo de Estados que possuem tecnologia microeletrônica de ponta (Acceitec, 2022). 

Em agosto de 2023, foi determinado na assembléia dos acionistas a demanda por uma extensão de três meses para que o Governo Federal, em tempo hábil, realize a leitura do projeto final do Grupo de Trabalho Interministerial – formado através do decreto Nº 11.409/2023 para discussão e elaboração de soluções para o futuro da CEITEC – optando por dar continuidade ao processo de liquidação ou de reestruturação da empresa. Destarte, sugere-se que os próximos governos olhem para a CEITEC de maneira mais estratégica, medindo sua importância de forma mais eficiente e benéfica para a soberania brasileira, visando a continuidade do trabalho – com capacidade competitiva e de reconhecimento internacional – em solo brasileiro, evitando a dependência de importar tecnologia e inovação de outras nações. Além disso, a realização de campanhas que possam veicular a importância do trabalho da CEITEC, a fim de elevar a popularidade da empresa e, consequentemente, a valorização e o sentimento de pertencimento ao Brasil.

Referências

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