Se, por um lado, o cenário pós Guerra Fria levantou incertezas e indefinições a respeito da nova configuração das relações internacionais quanto a polaridade do mundo, por outro, sob o limiar da hecatombe nuclear e da tensão de destruição mútua (mutually assured destruction), foram demarcadas novas disposições do Direito Internacional referente aos limites impostos ao alcance bélico dos Estados. Nesse sentido, o texto irá apresentar o Tratado do Espaço Exterior, ratificado no dia 27 de janeiro de 1967 pelos Estados Unidos, Reino Unido e a então União Soviética, que dispunha acerca da implantação de armas nucleares no espaço sideral exclusivamente para finalidades pacíficas.
Contexto
Em 2003, através do documentário Sob a Névoa da Guerra (The Fog of War), o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos Robert McNamara expôs ao mundo os bastidores da Crise dos Mísseis Cubanos e da Guerra do Vietnã. Ao mencionar a Guerra Fria, discorreu sobre como, na verdade, o acontecimento teria sido muito mais quente, e que homens racionais, em posse das suas faculdades mentais, estiveram a um passo de uma destruição mundial sem precedentes na história. A disposição dualista, por oposição, das palavras quente e frio revelam que a Guerra Fria foi um evento cuja importância reside, em alguma medida, menos sobre os desdobramentos reais e mais sobre a latência do que poderia ter sido.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em meados do século XX, emergia-se um novo conflito. Nas palavras de Hobsbawm, “a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar (HOBSBAWM, Eric, 1995, p.28).” Nesse período, travou-se um embate ideológico e político entre os ex-aliados estratégicos no combate ao nazi-fascismo, isto é, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
A disputa, segundo Kissinger (1997), envolvia uma luta na qual duas potências conflitavam acerca do sistema internacional e a configuração de poder. Com efeito, no aspecto geopolítico, os EUA exerciam sua zona de influência sobre o mundo capitalista, ao passo que a URSS dominava as áreas ocupadas pelas suas Forças Armadas (Hobsbawm, 1995). Em se tratando da construção de narrativas, de maneira oposta à ideia de McNamara, o historiador Hobsbawm (1995) defende que o período caracterizou-se mais por uma “Paz Fria”, uma vez que a retórica da aniquilação era virtualmente improvável, ainda que materialmente possível. O corolário dessa narrativa e do desenrolar dos eventos foi a retirada.
Dos esteios que sustentavam a estrutura internacional e, em medida ainda não avaliada, as estruturas dos sistemas políticos internos mundiais. E o que restou foi um mundo em desordem e colapso parcial, porque nada havia para substituí-los (HOBSBAWM, Eric, 1995, p. 50).
O tratado
Nas prerrogativas do Direito Internacional, os Tratados são acordos realizados entre dois ou mais Estados, ou sujeitos, do Direito Internacional. Segundo Neves (2016), essa forma de documentação internacional é a forma mais eloquente da esfera internacional, uma vez que trata-se de normas jurídicas adotadas pelos Estados e/ou sujeitos internacionais. No que se refere a este Tratado em específico, este documento seguiu os moldes do Tratado da Antártida, cuja finalidade era prevenir uma competição colonial em busca da exploração. Reside, inclusive, sobre essa associação, a iniciativa do então presidente Eisenhower, em 1960, de estender os princípios avançados no Tratado da Antártida para o espaço sideral e os corpos celestes.
No mais tardar da década, em 1966, ambos os países Estados Unidos e União Soviética dispuseram seus respectivos esboços para o que viria a ser o Tratado do Espaço Exterior. Para o primeiro, os acordos cobririam apenas os corpos celestes, ao passo que para o segundo, fazia-se necessário incluir todo o espaço na abrangência do tratado. Em 27 de janeiro de 1967 os princípios do tratado foram assinados em Washington, Londres e Moscou, e ratificado em 10 de outubro de 1967.
O primeiro artigo dispõe que o uso e a exploração do espaço e corpos celestes deve ocorrer apenas em situações de benefício para todos os países e para a humanidade; elimina barreiras econômicas de exploração pelos Estados, desde que estejam de acordo com as prerrogativas do Direito internacional; e faculta aos Estados o incentivo à cooperação para fins de liberdade científica de investigação espacial. Ancorado no contexto da Guerra Fria de disputa por conquistas, os artigos 3º e 4º dispõem das seguintes obrigações:
Article III
States Parties to the Treaty shall carry on activities in the exploration and use of outer space, including the moon and other celestial bodies, in accordance with international law, including the Charter of the United Nations, in the interest of maintaining international peace and security and promoting international co-operation and understanding.
Article IV.
States Parties to the Treaty undertake not to place in orbit around the Earth any objects carrying nuclear weapons or any other kinds of weapons of mass destruction, install such weapons on celestial bodies, or station such weapons in outer space in any other manner. The Moon and other celestial bodies shall be used by all States Parties to the Treaty exclusively for peaceful purposes.
The establishment of military bases, installations and fortifications, the testing of any type of weapons and the conduct of military maneuvers on celestial bodies shall be forbidden. The use of military personnel for scientific research or for any other peaceful purposes shall not be prohibited. The use of any equipment or facility necessary for peaceful exploration of the Moon and other celestial bodies shall also not be prohibited.” (US STATE DEPARTMENT, 1967)
O tratado foi assinado por 91 países, incluindo o Brasil, que o assinou no dia 30 de janeiro de 1967 e o ratificou no dia 05 de março de 1969.
Referências bibliográficas:
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX, 1914-1991. 2ª edição. São Paulo: Companhia das letras, 1995;
KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997;
NEVES, Gustavo Bregalda. Direito Internacional. 6ª Edição. Editora Saraiva, 2016;
The Office of Website Management, Bureau of Public Affairs, U.S. State Department. Treaty on Principles Governing the Activities of States in the Exploration and Use of Outer Space, Including the Moon and Other Celestial Bodies. 1967. Disponível em: https://2009-2017.state.gov/t/isn/5181.htm. Acesso em 02/01/2021.
[…] como o Tratado do Espaço Exterior de 1967 estabelecem princípios básicos de cooperação, mas ainda há muitas lacunas legais sobre temas […]