Mais de três décadas após declarar unilateralmente independência da Somália, a Somalilândia ainda busca reconhecimento internacional como Estado soberano. Apesar da falta de reconhecimento formal, o território separatista construiu um sistema de governança relativamente estável. Isso tem despertado crescente interesse de potências globais, incluindo os Estados Unidos. Com mudanças nas dinâmicas regionais e a intensificação da competição entre grandes potências, a busca da Somalilândia por reconhecimento ganha novo impulso. Aleksi Ylönen, que estuda política no Chifre da África e a busca por reconhecimento da Somalilândia, explica os fatores em jogo.
Quais argumentos legais e históricos a Somalilândia utiliza?
O Movimento Nacional Somali foi um dos principais movimentos insurgentes baseados em clãs responsáveis pelo colapso do governo central na Somália. Ele reivindica o território do antigo protetorado britânico da Somalilândia. O Reino Unido concedeu status soberano à Somalilândia em 26 de junho de 1960.
O governo somali tentou suprimir os chamados pela secessão. Ele orquestrou o massacre brutal de centenas de milhares de pessoas no norte da Somália entre 1987 e 1989.

Mas o Movimento Nacional Somali declarou independência unilateral em 18 de maio de 1991 e se separou da Somália.
Com o colapso do regime somali em 1991, o principal inimigo do movimento desapareceu. Isso levou a uma luta violenta pelo poder entre várias milícias.
Isso só diminuiu após o político Mohamed Egal consolidar o poder. Ele foi eleito presidente da Somalilândia em maio de 1993.
Egal fez acordos com comerciantes e empresários, oferecendo incentivos fiscais e comerciais em troca de apoio. Como resultado, obteve os meios econômicos para consolidar o poder político e promover a paz e a construção do Estado. Seus sucessores mantiveram essa abordagem desde sua morte em 2002.
O que a Somalilândia fez para buscar reconhecimento?
Sucessivos governos da Somalilândia continuam engajados em diplomacia informal. Eles se alinharam com o Ocidente, especialmente os EUA, que eram a potência dominante após a Guerra Fria, e o antigo colonizador, o Reino Unido. Ambos os países abrigam comunidades significativas da diáspora da Somalilândia.
EUA e Reino Unido flertam há décadas com a ideia de reconhecer a Somalilândia, que consideram um parceiro estratégico. No entanto, eles foram repetidamente contidos por suas políticas em relação à Somália, que priorizam fortalecer o governo de Mogadíscio, amplamente apoiado, para reafirmar sua autoridade sobre os territórios somalis.
Essa política em relação à Somália tem sido cada vez mais questionada nos últimos anos, em parte devido aos desafios de segurança em Mogadíscio. Em contraste, o governo de Hargeisa, na Somalilândia, demonstrou capacidade de fornecer segurança e estabilidade. Realizou eleições e sobreviveu como Estado por três décadas, apesar de enfrentar resistência política e oposição armada.
Com o surgimento de novas potências globais, os governos da Somalilândia adotaram uma política externa mais diversificada, com um objetivo: o reconhecimento internacional.
Hargeisa abriga consulados e escritórios representativos de Djibuti, Etiópia, Quênia, Taiwan, Reino Unido e União Europeia, entre outros.
O governo também estabeleceu relações informais com os Emirados Árabes Unidos. A monarquia do Oriente Médio serve como centro de negócios e destino para exportações de gado. Muitos somalilandeses migram para lá.
A Somalilândia mantém escritórios representativos em vários países, incluindo Canadá, EUA, Noruega, Suécia, Reino Unido, Arábia Saudita, Turquia e Taiwan. Hargeisa alienou a China ao colaborar com Taiwan desde 2020. Taiwan é uma ilha autogovernada reivindicada pela China.
Em 1º de janeiro de 2024, o então presidente da Somalilândia, Muse Bihi, assinou um memorando de entendimento com o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, para maior cooperação. Bihi sugeriu que a Etiópia seria o primeiro país a reconhecer formalmente a Somalilândia. O acordo causou um grave deterioração nas relações entre Adis Abeba e Mogadíscio.
Abiy posteriormente moderou sua posição e, com mediação turca, se reconciliou com seu homólogo somali, o presidente Hassan Mohamud.
O que está por trás do interesse dos EUA na Somalilândia?
Os EUA, como outras grandes potências, se interessam pela Somalilândia devido à sua localização estratégica. Ela está nas margens africanas do Golfo de Áden, em frente à Península Arábica. Sua posição geográfica ganhou relevância recentemente com os ataques dos rebeldes houthis do Iêmen ao tráfego marítimo nas movimentadas rotas de navegação. A Somalilândia também está bem posicionada para combater a pirataria e o contrabando nessa rota comercial global.
O Comando Africano dos EUA estabeleceu sua principal base no Chifre da África em Camp Lemonnier, em Djibuti, em 2002, após os ataques de 11 de setembro de 2001.
Em 2017, a China, que se tornou a principal potência econômica estrangeira no Chifre da África, instalou uma base de apoio naval em Djibuti. Isso incentivou uma colaboração mais estreita entre as autoridades americanas e da Somalilândia. Os EUA consideraram estabelecer uma base em Berbera, que abriga o maior porto da Somalilândia.
Com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA em 2024, houve relatos de um aumento nos esforços para o reconhecimento dos EUA à Somalilândia. Isso permitiria aos EUA aprofundar parcerias comerciais e de segurança na volátil região do Chifre da África.
Desde março de 2025, representantes do governo Trump têm negociado com autoridades da Somalilândia para estabelecer uma base militar dos EUA perto de Berbera. Isso seria em troca de um reconhecimento formal, mas parcial, da Somalilândia.
Quais são os riscos do reconhecimento dos EUA à Somalilândia?
Um maior envolvimento dos EUA com a Somalilândia corre o risco de negligenciar a Somália.
Mogadíscio depende de assistência militar externa em sua luta contra o grupo extremista islâmico Al-Shabaab, que avança. A Somália também enfrenta crescente desafio de duas regiões federais, Puntland e Jubaland.
O reconhecimento dos EUA recompensaria Hargeisa por seus esforços persistentes para manter a estabilidade e promover a democracia. No entanto, poderia encorajar outros países a reconhecer a Somalilândia. Isso seria um golpe para os nacionalistas somalis que desejam um Estado para todos os somalis.
Texto traduzido do artigo Somaliland’s 30-year quest for recognition: could US interests make the difference?, de Aleksi Ylönen publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.