Saneamento, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem estar físico, mental e social. A Lei do Saneamento Básico (apelido dado para a Lei Ordinária N.º 11.445 de 05 de janeiro de 2007 que estabelece as diretrizes básicas nacionais para o saneamento), também atribui outra definição a saneamento, como o “conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais”.
É indubitável que boa parte da população mundial é afetada por problemas sanitários relacionados a elementos naturais, sendo um deles a diarreia, uma grande preocupação de saúde pública e uma das principais causas de doença e morte entre crianças menores de cinco anos em países de renda baixa e média (Prüss-Üstün et al. 2016);
O Banco Mundial realizou estudos em 1993, os quais estimam que o ambiente doméstico inadequado é responsável por quase 30% da ocorrência de doenças nos países em desenvolvimento. Guimarães, Carvalho e Silva (2007) explicam que investir em saneamento é uma das formas de se reverter o quadro existente.
Tal investimento possui um retorno garantido: cada dólar aplicado em saneamento, afirma a OMS, há um retorno de seis, tendo em consideração o dinheiro economizado em tratamentos de saúde. Em um documento publicado em outubro de 2018 (contendo uma série de recomendações destinadas a auxiliar governos a expandir os serviços de saneamento básico adequado), a OMS recomenda que as ações de saneamento sejam implementadas ao planejamento regular dos governos locais além de serem auxiliados pelo setor da saúde, por ser uma questão desse setor também.
Acesso a sistemas de saneamento seguro em casa, escolas, locais de trabalho, centros de saúde, espaços públicos e outros contextos institucionais é essencial para o bem-estar geral, por exemplo, através da redução dos problemas/ataques de ansiedade causada pelo constrangimento e vergonha (por exemplo, Hirve et al., 2015; Sahoo et al.., 2015;) associados à defecação ao ar livre ou saneamento partilhado.
Nesse sentido, este trabalho pretendeu analisar a ligação entre os serviços de saneamento e as condições de vida da população, tornando-se ponto de partida para estudos mais aprofundados sobre o tema.
O saneamento como uma questão de desenvolvimento humano
O saneamento seguro é essencial para a saúde. A falta de sistemas de saneamento seguro leva a infecções e doenças, incluindo:
- Diarreia, uma grande preocupação de saúde pública e uma das principais causas de doença e morte entre crianças menores de cinco anos em países de renda baixa e média (Prüss-Üstün et al. 2016);
- Doenças tropicais negligenciadas, como as transmitidas pelo solo, e infecções helmínticas, esquistossomose e tracomaque causam uma carga significativa a nível mundial (OMS,2017);
É conhecimento comum o que foi acima citado. A associação do saneamento com o problema da saúde pública mundial é inevitável. Entretanto, outras áreas do desenvolvimento humano sofrem interferência direta do tratamento de água e esgoto.
Um estudo levantado e conduzido pela Universidade Harvard em parceria com o Centre for Diarrhoeal Disease Reasearch, de Bangladesh, com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates, aponta o impacto da má-nutrição crônica e da falta de saneamento na atividade cerebral de crianças estudadas. Alguns resultados prévios indicam que doenças com patógenos no intestino impacta de forma significante a atividade cerebral.
Porém, a problemática é tão antiga que livros do século XX já faziam tais conclusões como as do estudo citado anteriormente. Como exemplo, o livro Urupês de Monteiro Lobato descrevia um personagem julgado como preguiçoso, improdutivo e que facilmente ficava doente. Lobato conclui, todavia, que era a falta de cuidado das autoridades públicas com medidas sanitárias que o tornavam assim, com a seguinte frase: “O Jeca Tatu não é assim, ele está assim”. O autor então foi importante para difundir hábitos de educação sanitária no Brasil.
Em pleno século XXI, pouco se alterou. Ainda 81% dos municípios brasileiros despejam esgoto em rios. Diversas bases de dados, como o Sistema Nacional de Informações em Saneamento – SNIS, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2000, e a mais recente (2007) Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios – PNAD, também do IBGE, revelam que o Brasil ainda apresenta graves deficiências em relação ao saneamento básico. Observe a Tabela 1.
Tabela 1- Dados sobre os domicílios e os serviços de saneamento básico no Brasil
DOMICÍLIOS PARTICULARES | ANO 1993 | ANO 2007 |
NÚMERO DE DOMICÍLIOS | 36.957.963 | 55.446.272 |
DOMICÍLIOS COM REDE DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA | 27.710.628 | 46.778.067 |
DOMICÍLIOS COM REDE DE COLETA DE ESGOTO | 14.381.852 | 28.905.709 |
DOMICÍLIOS COBERTOS POR COLETA DE LIXO | 23.817.243 | 44.866.124 |
Percebe-se que, mesmo que o número de domicílios cobertos por rede coletora tenha dobrado nesses quinze anos, ainda há um grande passivo existente, aliado ao fato de o número de domicílios surgidos nesse período ter sido maior que o dos cobertos por rede coletora.
Acessibilidade dos preços da água potável, saneamento e higiene
Os direitos humanos à água e ao saneamento impõem obrigações aos Estados para garantir que os serviços sejam acessíveis. A acessibilidade dos preços implica que o pagamento pelos serviços não deve constituir uma barreira ao acesso ou impedir as pessoas de satisfazerem outras necessidades humanas básicas. Embora a acessibilidade econômica seja uma consideração importante para todos os agregados familiares, independentemente do nível de serviço, não há uma forma comumente acordada de a medir. O JMP (statistical software) está, portanto, colaborando com o Banco Mundial, acadêmicos e outros para desenvolver e testar indicadores que irão permitir uma monitorização mais sistemática e consistente da acessibilidade no futuro.
Uma medida promissora da acessibilidade dos preços, que tem sido usada em diversos países, é a proporção do orçamento dos agregados familiares gasto em água, saneamento e higiene. Foi usada uma abordagem semelhante para avaliar a acessibilidade dos preços de outros serviços básicos, desde a energia aos transportes. Este artigo apresenta uma análise preliminar das despesas dos agregados familiares com água, saneamento e higiene (WASH) como proporção da despesa total. Os níveis reais de despesa variam dependendo das características socioeconômicas e dos custos de WASH e de outros serviços essenciais, mas os governos e as agências internacionais definiram frequentemente um limiar de acessibilidade econômica entre 2 e 6 por cento da despesa total.
Tabela 2 – Exemplos dos diversos custos referentes aos serviços do WASH
SERVIÇO | CUSTOS RECORRENTES | CUSTOS CAPITAIS | CUSTOS NÃO-FINANCEIROS |
ÁGUA | Tarifa de água ou taxa de utilização Água engarrafada ou de fornecedor Taxas de manutenção | Conexão de rede canalizada Construção de abastecimento de água | Tempo de recolha de água |
SANEAMENTO | Tarifa de águas residuais Tarifas de utilização de sanitários públicos Custos de manutenção | Construção de sanitários Ligação à rede de esgotos | Tempo de viagem para a instalação comunitária ou defecação ao ar livre |
HIGIENE | Compra de sabão – Materiais de higiene menstrual Custos de manutenção | Estação de lavagem de mãos Caixas para materiais menstruais | Recolha de água para lavagem de mãos e limpeza anal |
A recolha de dados sobre as despesas apresenta vários desafios, e os inquéritos aos agregados familiares tipicamente não incluem todos os custos associados ao acesso e à utilização dos serviços de WASH (Tabela 2). Os inquéritos aos rendimentos e às despesas tendem a captar os encargos de água (e águas residuais) das redes canalizadas com sistemas de faturação regulares, mas muitas vezes não incluem pagamentos irregulares, despesas de capital periódicas e custos não financeiros. Alguns custos também podem ser escondidos em outras categorias de despesas (por exemplo, água engarrafada em refrigerantes, produtos de higiene pessoal sob itens de higiene geral).
Esta avaliação inicial das despesas das famílias mostrou que algumas populações estão gastando uma parte significativa dos orçamentos em serviços de WASH. Apesar de não haver um parâmetro de referência acordado internacionalmente para a acessibilidade econômica, a observação de que os agregados familiares estão gastando mais de 3 por cento da despesa total em serviços de WASH deve ser motivo de preocupação, especialmente tendo em conta que muitos destes agregados familiares estão no quintil mais pobre.
Os resultados aqui apresentados concentram-se no que os agregados familiares pagam por WASH. Não mostram quanto os governos ou organizações comunitárias estão contribuindo para os custos desse serviço. Também não refletem até que ponto as famílias não têm acesso aos serviços devido a barreiras financeiras. É necessário mais trabalho para examinar a relação entre as despesas dos agregados familiares e os subsídios, com o fim de avaliar se os subsídios estão a ser eficazmente direcionados para os agregados familiares que são menos capazes de ter acesso aos serviços de WASH sem eles.
Serviços de saneamento gerados com segurança
Os serviços de água potável geridos de forma segura representam uma nova e ambiciosa norma global de serviços que faz parte da nova escada do JMP para uma monitorização global reforçada destes para uso doméstico (Secção 2). O JMP estima que 5,2 bilhões de pessoas tiveram acesso a serviços de água potável gerenciados de forma segura em 2015. Para este primeiro relatório de linha de base global, estavam disponíveis estimativas nacionais para 96 países. A cobertura nesses países variou de 6% a 100% da população nacional. O JMP só produz estimativas nacionais quando os dados estão disponíveis para pelo menos 50 por cento da população relevante.
Figura 1: População que usa fontes de água potável que atendem aos critérios dos ODS para serviços gerenciados com segurança, globais, rurais e urbanos, 2015
A Figura 1 ilustra as implicações globais de levar em conta os novos critérios dos ODS para serviços de água potável gerenciados com segurança. Em 2015, 92% da população mundial usou fontes melhoradas de água potável (o indicador usado para monitorar a água potável durante o período dos ODMs). Enquanto 89% cumpriram os critérios dos ODS para um serviço básico de água potável – não mais de 30 minutos por viagem de ida e volta para coletar água de uma fonte melhorada – muito menos cumpriram os novos critérios dos ODS para serviços gerenciados com segurança. Globalmente, estima-se que 74 por cento destas fontes eram acessíveis nas instalações, 79 por cento forneciam água quando necessário, e 73 por cento estavam livres de contaminação.
Conclusão
É indiscutível a importância dos serviços de saneamento básico, tanto na prevenção de doenças, quanto na manutenção social. A incorporação de aspectos ambientais nas ações de saneamento representa um avanço significativo, em termos de legislação, mas é preciso criar condições para que os serviços de saneamento sejam implementados e sejam acessíveis a todos – a denominada universalização dos serviços, princípio maior do marco regulatório do saneamento básico no Brasil, a Lei 11.445/2007 (BRASIL, 2007).
É necessário que se estabeleça um equilíbrio entre os aspectos econômicos e sociais, de tal forma que as necessidades materiais básicas de cada indivíduo possam ser satisfeitas, sem consumismo ou desperdícios, e que todos tenham oportunidades iguais de desenvolvimento de seus próprios potenciais e tenham consciência de sua co-responsabilidade na preservação dos recursos naturais e na prevenção de doenças.
Referências Bibliográficas
Ministério do Meio Ambiente. Módulo específico licenciamento ambiental de estações de tratamento de esgoto e aterros sanitário. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/dai_pnc/_publicacao/76_publicacao19042011110356.pdf Acesso: 18/12/2019
Nações Unidas. Falta de água e saneamento deixa milhões de vidas em risco no mundo. Disponível em: https://nacoesunidas.org/falta-de-agua-e-saneamento-deixa-milhoes-de-vidas-em-risco-no-mundo-diz-oms/ Acesso : 18/12/2019.
OPAS Brasil. OMS: 2,1 bilhões de pessoas não têm água potável em casa e mais do dobro não dispõem de saneamento seguro. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5458:oms-2-1-bilhoes-de-pessoas-nao-tem-agua-potavel-em-casa-e-mais-do-dobro-nao-dispoem-de-saneamento-seguro&Itemid=839 Acesso: 10/12/2019
Portal Terra. 81% dos municípios despejam esgoto em rios. Disponível em: http://etes-sustentaveis.org/?p=3256 Acesso: 18/12/2019
Progress on Drinking Water, Sanitation and Hygiene. Disponível em: https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2017/launch-version-report-jmp-water-sanitation-hygiene.pdf?ua=1 Acesso em: 20/07/2019
UFMG – INCT Sustentáveis. Saneamento para o desenvolvimento humano. Disponível em: http://etes-sustentaveis.org/?p=3935 Acesso: 20/07/2019