A ascensão da China a partir da década de 1990 tem sido um dos tópicos mais discutidos das Relações Internacionais contemporâneas. A transformação de uma nação essencialmente agrária para o maior polo urbano mundial é um fenômeno que garantiu à China a posição de principal exportadora do mundo, tornando-a um grande player nos âmbitos econômico e político.
O Oriente Médio, por sua vez, tornou-se um palco de disputas geopolíticas, amargurando crises internas de poder, impulsionadas pela interferência de potências estrangeiras. Por ser historicamente uma das mais importantes rotas comerciais, o Oriente Médio obteve uma atenção especial na iniciativa chinesa de “Uma Rota, Um Cinturão”, criada para a realização de investimentos em rotas comerciais a fim de intensificar a atividade comercial entre a China e as nações envolvidas. Do ponto de vista político, a China também busca apoiar discretamente determinados atores em conflitos regionais, como na Guerra Civil da Síria.
O presente projeto tem como objetivo analisar o histórico recente da cooperação entre China e Oriente Médio, observando os interesses e posicionamentos dos principais atores do estudo em conflitos a partir do ano 2000. Na primeira seção, as autoras explicam os aspectos econômicos da parceira entre Oriente Médio e China, explicando importantes dados para ilustrar o alcance dessa aliança, com um destaque especial para a Iniciativa do Cinturão e Rota.
Na segunda seção, o tema político da aliança é apresentado, oferecendo um breve panorama histórico das relações recentes entre os dois atores, sobretudo no evento da Primavera Árabe.
O Aspecto Econômico da Cooperação China-Oriente Médio
O intercâmbio entre os povos do Leste e Oeste asiáticos é um importante evento para história do continente. Desde o século III AC, um próspero comércio era realizado entre portos distribuídos ao longo dos 15.000 quilômetros da extensa Rota das Especiarias e da Seda, que ligava o Oriente ao Ocidente (REID, 1993, p. 7).
As relações entre os dois pólos estremeceram com a expansão do poderio europeu a partir do século XVI; o relacionamento no âmbito comercial passou a ser, então, tímido, até a década de 1980. O governo de Deng Xiaoping tratou de estreitar os laços entre os chineses, persas e árabes, mas foi somente no século XXI que a cooperação entre China e Oriente Médio tomou força (SOUZA; JARDIM, 2017, p. 15).
Simpfendorfer (2018, p. 10-13) explica que, no âmbito econômico, o início do século XXI parecia promissor para as principais economias do Oriente Médio, que experimentavam um boom proporcionado pelas exportações do petróleo e abertura de seus mercados para bens e serviços importados. Contudo, após setembro de 2001, os países árabes sofreram fortes repressões pelos ocidentais; a China, aproveitando o cenário internacional, flexibilizou sua legislação para conquistar empreendedores e investidores árabes.
A dedicação chinesa em ampliar sua rede de intercâmbios comerciais em toda a região não parou. Segundo Souza e Jardim (2017, p. 14), entre 2005 e 2009, o nível de investimento chinês na região decuplicou de 1 para 11 bilhões de dólares. Em 2014, 13% do total importado pela China foi de óleo bruto, sendo mais de 50% proveniente da Ásia Ocidental – 16% da Arábia Saudita, 11% do Omã, 9,1% do Irã, 9,1% do Iraque, 4% dos Emirados Árabes Unidos e 3,3% do Kuwait.
Para Paulino e Sperancete (2019, p. 84-85), tal movimentação é sintoma do crescimento no fluxo de investimentos chineses internacionais, advindos sobretudo das empresas estatais do país, que vem aumentando desde a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001.
O eixo sino-saudita recebe um destaque especial nesse sentido. A Arábia Saudita tem garantido seu status como a maior fonte de petróleo bruto desde 2002. Pequim e Riad também fecharam parcerias nos setores produtivos, voltados para refinarias e outras instalações, e de infraestruturas, com a criação de uma rede de integração por estradas e novos meios de transporte (EHTESHAMI; HORESH, 2018, p. 15). Horesh (2016, p. 74) indica que outros países, como Irã e Iraque, também receberam investimentos em infraestrutura.
A ascensão de Xi Jinping trouxe o mais ousado projeto de investimentos chinês até agora. A iniciativa One Belt, One Road (em português: “Uma Rota, Um Cinturão”), uma reformulação da conhecida Rota da Seda, que se baseia em criar diversas estruturas terrestres e marítimas, vem intensificando o intercâmbio regional entre nações da Ásia e demais continentes (MORAIS, 2015, p. 252).
No entanto, para legitimar a iniciativa, é essencial: (1) criar um senso de destino comum; e (2) dispor de um arcabouço institucional. Retomar a história da Rota da Seda fortalece um discurso verdadeiramente regional, o que gera, além do senso de destino comum, uma interdependência entre os atores. A ideia de destino comum do projeto se baseia em uma situação de ganhos compartilhados para todas as partes (EHTESHAMI; HORESH, 2018, p. 198).
Em relação ao alicerce institucional da iniciativa, a China fundou o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), que prevê ajuda para o desenvolvimento generalizado da região asiática. O órgão é uma espécie de Bretton Woods asiático, desfrutando de entidades financeiras semelhantes ao FMI e ao Banco Mundial, fazendo frente ao sistema liberal ocidental ao mesmo tempo em que utiliza estruturas criadas por tal.
O Aspecto Político da Cooperação China-Oriente Médio
O século XXI trouxe avanços para a relação política entre China e Oriente Médio. Os países árabes reconheceram a China como o único governo legítimo, contra as reivindicações de Taiwan. Em resposta, a China aumentou sua esfera de ação no Oriente Médio, aproveitando uma Rússia enfraquecida e o questionamento da política externa estadunidense.
Para fortalecer sua diplomacia, a China busca ter relações cordiais com todos os Estados do Oriente Médio, bem como se posicionar em conflitos como o israelo-palestino em prol da coexistência pacífica entre os dois povos. Chaziza (2014, p. 248) entende que a República Popular permanece fiel à sua política de não-interferência nas questões domésticas de outros Estados, sempre se voltando à diplomacia para resolver disputas internacionais. Por isso, utiliza órgãos regionais e internacionais para fortalecer sua posição nesses dois âmbitos.
Um ator extremamente importante nas relações entre China e Oriente Médio é o Irã, possuindo um papel estratégico para o futuro da nação chinesa, por ser uma rota de acesso a águas abertas fora da Rússia; estar em um importante ponto de intersecção da Ásia; e ser uma aliança geopolítica interessante, pois pressiona os Estados Unidos. De toda forma, o governo chinês busca aliar a diplomacia ao lucro, evitando a escalada de tensões entre países do Golfo Arábico e o Irã, ou entre Estados Unidos e Irã (EHTESHAMI; HORESH, 2018, p. 175-178).
Na história recente do Oriente Médio, a Primavera Árabe foi um evento que trouxe grandes preocupações para a China, sobretudo no que diz respeito à saúde da Iniciativa do Cinturão e Rota. Aras e Yorulmazlar (2017, p. 57) explicam que se tratou um movimento contra os sistemas políticos defasados do Oriente Médio. Conflitos ideológicos, étnicos, religiosos e a ascensão de uma vertente extremista e política do Islã, muito devido a vulnerabilidade das instituições estatais, modificaram a balança de poder e alianças domésticas e externas nos Países Árabes.
Em relação à política externa da China no Oriente Médio, o ritmo e a escala dos acontecimentos sem dúvida pegaram as autoridades do governo chinês de surpresa, uma vez que o país assistiu ao desmoronamento de décadas de aliança em um período tão curto de tempo (HORESH, 2016, p. 168). Como destaca Fraihat e Leber (2019, p. 9), a reação inicial do governo da República Popular foi de “observar e esperar”, preferindo permanecer assim até um novo “vencedor” político surgir.
Considerações Finais
Segundo Ehteshami e Horesh (2018, p. 13) a política econômica da China é ser vista como “uma potência poderosa, porém benevolente (…) focada em um desenvolvimento econômico comum, baseado no benefício mútuo”. O principal interesse do país no Oriente Médio é um acesso estável à energia, especialmente petróleo e gás natural.
Além dos investimentos diretos, pode-se destacar também o desenvolvimento do projeto One Belt, One Road, iniciativa chinesa criada para a realização de investimentos em rotas comerciais onde funcionava a antiga Rota da Seda, a fim de intensificar a atividade comercial entre a potência asiática e as nações envolvidas, bem como preservar a história e a cultura derivadas da antiga Rota da Seda, valorizando as trocas socioculturais com os países membros.
Portanto, no que tange ao setor econômico, pode-se dizer que o histórico cenário cooperativo entre os dois atores é bastante intenso e bem-sucedido, o que acaba por motivar tanto a China, que vem suprindo as demandas de sua gigante população e mantendo uma parceria de longa data, quanto para a região do Oriente Médio, que, com a ajuda da República Popular, vem se tornando cada vez menos dependente de ferramentas e de capital ocidental.
Sobre os aspectos políticos entre os players em questão, Horesh (2016, p. 9) destaca que entre 2007 e 2014, pesquisas indicaram que o Oriente Médio era a única região do mundo onde a população era mais favorável a atitudes chinesas (49%) do que norte-americanas (30%).
Dentro do contexto político, é importante discorrer sobre a posição chinesa em relação a determinados conflitos na região. Sobre a Primavera Árabe, dado o cenário de que, após os acontecimentos, o Oriente Médio continua enfrentando inúmeros desafios relacionados a políticas e segurança dos Estados, a China faz bem em promover projetos e medidas de cooperação para conseguir certa estabilidade duradoura na região, ao invés de apenas pedir por esta (FRAIHAT; LEBER, 2019, p. 16).
Referências Bibliográficos
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