O crescimento de discussões e práticas de paradiplomacia, como afirma a Professora Dra. Mônica Salomón (2011), é fruto de um duplo movimento advindo das reações às mudanças sistêmicas da globalização, concomitante ao movimento de relativa descentralização da gestão propiciada pela redemocratização e pela Constituição Federal de 1988. Regularmente acometidas de um movimento ‘stop n go’ devido a forte politização e alternância de programas políticos locais, para Salomón (2011), é a participação social de comunidades científicas e de grupos da sociedade civil organizada, responsável pelo seu adensamento e institucionalização enquanto estratégia internacional.
A política externa de uma cidade antecede as ações dos poderes instituídos que se incubem da paradiplomacia, afirma a autora, implementando a parte que lhes cabem de um projeto maior – partilhado por uma pletora de atores locais. Assim, diante dos desafios deste mundo globalizado e de constante inovação, os planos de política externa de uma cidade tornam-se peças centrais na concretização e na cooperação das ações públicas e privadas, de curto a longo prazo e dirigem-se para a execução de grandes projetos que combinem objetivos de crescimento econômico e de desenvolvimento urbano a partir da internacionalização das suas relações municipais. (SALOMÓN, 2011)
Como indicam, também, Cezário (2011) e Markovitch (2014), apesar da inexistência de um marco regulatório da atuação internacional dos governos subnacionais, a Constituição Federal de 1988 permite uma institucionalidade informal assentada no atual pacto federativo – a exemplo dos entendimento do ‘princípio da predominância do interesse’ e o ‘princípio da subsidiariedade’. Do qual se deriva que atividades locais internacionais representam a externalização de suas competências domésticas (CNM, 2016).
A Confederação (2016) descreve como passos iniciais, a conformação das estruturas normativas, como: a inserção dos assuntos internacionais no organograma do governo local, a inserção no plano estratégico com dotação orçamentária prevista e o autorreconhecimento enquanto ator internacional, respaldado na comunicação e na sensibilização da população, e por um instrumento de ação (secretarias e departamentos específicos).
A atuação internacional de cidades brasileiras, para a Salomón (2011), se sumarizam em atividades de cooperações, captação de recursos e de promoção econômica internacional.
Nesse contexto, as estratégias para a promoção econômica internacional no Brasil são direcionadas para o fomento do comércio exterior, atração de investimentos externos, turismo, e a promoção de setores estratégicos locais (SALOMÓN, 2011). Gozando de centralidade, por permitir a estruturação de sistemas produtivos integrados e de uma política industrial e tecnológica local. Para a Confederação (2016, p. 75) servem de exemplo ações tais quais:
1. Formação profissional em cursos de capacitação aos empresários locais, além da criação de centros de informações e assistência técnica, voltada à internacionalização de setores produtivos;
2. Apoio à exportação por meio de isenção fiscal para as empresas exportadoras ou mesmo linhas de financiamento obtidas com organizações como BNDES, Banco do Brasil, BIRD e BID;
3. Estruturação de sistemas produtivos integrados, além de uma política industrial e tecnológica;
4. Promoção externa das potencialidades regionais; e
5. Formação de redes de parceiros estratégicos.
A História da Política Externa de Uberlândia
Como descreve Guimarães (2010), a região do Triângulo Mineiro é oriunda das ocupações decorrentes do fim dos ciclos da mineração de Goiás e Mato Grosso no início do século XX, sob o jugo das dinâmicas e da articulação comercial e produtiva com São Paulo, determinante para a diversificação produtiva regional. A década de 1970 divide águas em termos de desenvolvimento e centralidade da região, com destaque para os investimentos públicos na produção de uma localização privilegiada e da incorporação produtiva dos cerrados, conformando uma agroindústria comercial e de exportação na região – simbolizada pela instalação do porto seco e pela construção da UFU – Universidade Federal de Uberlândia (GUIMARÃES, 2010).
No século XXI, ressalta-se o avanço do setor terciário, especialmente nos ramos de serviços mais modernos, que oferece crescente função de pólo regional, nas áreas de comunicação, educação, saúde e transporte (GUIMARÃES, 2010). O processo de implementação do Entreposto da Zona Franca de Manaus (ZFM de Uberlândia) a partir de 2010 marca a crescente irradiação do dinamismo econômico e consolidação da estratégia logística da cidade a nível nacional, com infraestrutura de transporte multimodal (rodoviário, aéreo, hidroviário e ferroviário) para distribuição e exportação, e de com acesso aos principais mercados nacionais, ao MERCOSUL e ao mundo (PEREIRA, 2013; YAHN FILHO, 2019).
Uberlândia e região possuem uma forte especialização na exportação de commodities, com destaque para o complexo da soja, da carne bovina e do milho, e estabelece fluxos com forte dependência da importação chinesa (SOUZA, 2019). Apesar das principais cidades compartilharem desta predominância, nota-se que parte dos produtos exportados pelo município de Uberlândia possuem algum grau de processamento superior aos demais. Inclusive 98,89% e 83,11% das exportações de alta e média tecnologia da Região, respectivamente, são de Uberlândia, representando 0,15% e 1,87% das exportações totais da cidade no período, principalmente produtos dos setores biomédico, químico, aviação, eletrônica, e até mesmo alguns bens de capital do setor alimentício (SOUZA, 2019).
Com a aprovação e vigência da Lei da Ordinária Nº 12.853, que institui o Plano Plurianual de Uberlândia para o período de 2018 – 2021, em que são definidas as metas e prioridades da administração Odelmo Leão, do partido Progressistas, nota-se a incorporação da dimensão internacional ao poder executivo local. Chama a atenção, dentre as diretrizes norteadoras, o auto-reconhecimento enquanto referencia em cidade tecnológica e sustentável a partir dos programas: “Desenvolvimento Econômico, Emprego, Renda e Internacionalização”, “Uberlândia – Destino Inteligente e Humano” e “Uberlândia Inovadora” – sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Turismo que recebeu entre 2017 – 2020 cerca de R$ 6 milhões do orçamento municipal.
A partir das reflexões de Salomón expostas, pode-se compreender a paradiplomacia da Prefeitura Municipal de Uberlândia (PMU) ilustrada nos gráficos:
O Gráfico 1 permite a percepção do volume orçamentário da Secretaria e seu foco na política de internacionalização para a promoção do desenvolvimento econômico, emprego e renda, em detrimento dos programas “Uberlândia – Destino Inteligente e Humano” e “Uberlândia Inovadora”.
Neste programa então, as atividades com maior investimento são destinadas à atividades de ampliação e revitalização do Distrito Industrial, implantação de centros empresariais e de apoio a micro e pequenas empresas, somando mais de R$ 1,6 milhão em 2020 – evidencia o Gráfico 2. Os investimentos em atividades de internacionalização em si e em infraestrutura, gestão e ampliação de centros empresariais em parceria são marginais, com valores de R$ 2 mil à R$ 72 mil no período.
O programa que objetiva a promoção da cidade como destino inteligente e humano é marcado por descontinuidades nas atividades de ‘agroecoturismo’ e de turismo ‘inteligente’ a partir de 2019 apesar de terem obtido juntos em 2018 meio milhão de reais. A atividade de formatação de produtos turísticos que teve investimento de R$200 mil em 2019 teve seus recursos cortados pela metade em 2020 – vide o Gráfico 3.
Por fim, o programa que tem por finalidade consolidar uma estratégia de polo tecnológico e de inovação na cidade sofre, também, uma forte tendência de despriorização pela gestão Odelmo Leão, haja visto o Gráfico 4. O incentivo na infraestrutura de inovação de Uberlândia foi de longe a atividade de maior investimento da Secretaria nos três anos analisados, com R$ 2,4 milhões em 2018. Seguida, pela atividade de aplicação de tecnologia smart cities com R$ 1,5 milhão em 2018. As atividades de promoção do ‘ecossistema de inovação’ da cidades obtém cada vez menos atenção da Secretaria. Enquanto o incentivos a projetos de inovação tecnológica em si teve seu investimento de R$ 160 mil descontinuado a partir de 2019.
A partir da análise Lei Orçamentária de Uberlândia percebe-se uma generalizada perda de vigor nos investimentos na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Turismo e uma priorização pelas atividades de apoio ao empreendedorismo local per si, em detrimento da sua promoção internacional.
Para uma estratégia de inserção internacional pela inovação tecnológica
Uberlândia traduz processos econômicos nacionais ulteriores, resultado da produção de uma localização privilegiada e da consolidação da estratégia logística da cidade a nível nacional e internacional, mas que evidencia também os limites e a concentração regional dos investimentos públicos.
O crescimento e a inserção de setores da indústria de transformação de base tecnológica e de serviços, inclusive na exportação, antecipa, pressiona e reflete as intenções da internacionalização da cidade, reforçando a importância do planejamento urbano de longo prazo.
A paradiplomacia de Uberlândia a partir de 2017 torna-se decididamente diferente da exclusiva inserção comercial agroindustrial anterior, a partir da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Turismo e de suas as atividades de investimento em infraestrutura, modernização da gestão pública, e de promoção do empreendedorismo local – entorno do Distrito Industrial e do Polo Tecnológico Sul.
Contudo, percebe-se uma generalizada perda de vigor nos investimentos na Secretaria ao longo dos anos analisados e uma priorização pelas atividades de apoio ao empreendedorismo local em detrimento de sua promoção internacional. Alerta-se, também, à ameaça de descontinuidade completa das atividades a partir dos resultados eleitorais de 2020, já que não houveram avanços institucionais significativos.
Considera-se que assim, muito dificilmente é possível colocar em prática atividades de cooperações internacionais, captação de recursos ou de promoção econômica internacional. Além do fortalecimento e da internacionalização do próprio instrumento da Secretaria, para a estruturação de um sistema produtivo integrado e de uma política industrial e tecnológica local, é necessário que a Política Externa de Uberlândia seja marcada pela a articulação de projetos pontuais e de longo prazo, o que perpassa por um amplo e plural debate dos atores locais.
Enfim, é preciso que a paradiplomacia da PMU considere contribuições e os canais de comunicação entre governo, empresas, instituições de ensino e pesquisa e sociedade civil organizada. Também, é preciso que a Prefeitura de Uberlândia divulgue de forma transparente como são gastos os investimentos em suas ações, dando parecer da dinâmica das atividades e dos programas.
Referências Bibliográficas
BRASIL, [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008.2016.
CEZARIO, Gustavo de Lima. Atuação Municipal Internacional: dimensões e institucionalização. 2011.
Confederação Nacional de Municípios – CNM. Atuação Internacional Municipal: Cooperação e Implementação de Políticas Públicas. 2016.
GUIMARÃES, Eduardo Nunes. Formação e Desenvolvimento Econômico do Triângulo Mineiro: integração nacional e consolidação regional. 2010
MARCOVITCH, Jacques. Relações Internacionais de Âmbito Subnacional: a experiência
de Estados e Municípios no Brasil. 2014.
PEREIRA, Keila Patrícia. O estabelecimento do Entreposto da Zona Franca de Manaus em Uberlândia e a inserção internacional da cidade à luz do reescalonamento do Estado-nação e da governança multinível. 2013.
SALOMÓN, Mónica. A dimensão subnacional da política externa brasileira: determinantes, conteúdos e perspectivas. In: PINHEIRO, Letícia; MILANI, Carlos R. S. (Org.). Política externa brasileira: a política das práticas e as práticas da política. 2011.
SOUZA, H. F. Dinâmica e caracterização do comércio internacional da Região Intermediária de Uberlândia – 2011 a 2017. 2019.
Uberlândia. Lei Complementar Nº 632, De 14 De Dezembro De 2017, Estabelece As Diretrizes A Serem Observadas Na Elaboração da Lei Orçamentária do Município de Uberlândia para o Exercício de 2020 E dá Outras Providências. 2017.
Uberlândia. Lei Nº 12.979, De 8 De Agosto De 2018, Estabelece As Diretrizes a serem Observadas Na Elaboração Da Lei Orçamentária Do Município De Uberlândia Para O Exercício De 2020 E Dá Outras providências. 2018.
Uberlândia. Lei Nº 13.150, De 26 De Julho De 2019, Estabelece As Diretrizes A Serem Observadas Na Elaboração Da Lei Orçamentária Do Município De Uberlândia Para O Exercício De 2020 E Dá Outras Providências. 2019.
YAHN FILHO, Armando Gallo. A inserção internacional da cidade de Uberlândia-MG: um processo em evolução. 2019.