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As políticas externas migratórias

Preliminarmente, cumpre elucidar que a composição de qualquer Estado é feita por território, população (nacionais e estrangeiros), soberania e reconhecimento. Sendo necessária a inserção de uma governança, a qual será exercida através de um conjunto de instituições no campo político e administrativo, visando a organização do espaço de um povo ou nação. Nesse sentido, o papel das políticas externas merece destaque, pois são extremamente relevantes, ao passo que formam um conjunto de objetivos políticos que o Estado almeja alcançar nas suas relações com os demais países do mundo. 

Na política externa o papel predominante é do Estado, vez que ele define e implementa a política internacional. No ponto, Russel (1990) afirma que a política externa possui três dimensões, a saber: político diplomática, militar-estratégica e econômica – e que se projeta no âmbito externo ante uma gama de atores e instituições governamentais e não governamentais, tanto no plano bilateral como no multilateral. É nessa acepção que se insere o Sistema Internacional, pois, este é composto por Estados igualmente soberanos com legitimidade para ordenar suas relações internas e promover seus interesses no plano internacional. 

Ocorre que, essas relações externas parecem carecerem de interesses na proteção das migrações internacionais. Isso significa dizer que, muitos países desejam receber ou não migrantes, a depender da sua situação, sendo comum os Estados criarem políticas migratórias apenas quando necessitam atrair mão de obra para determinada área. De todo modo, necessário destacar o papel fundamental do “Pacto Global por uma Migração Ordenada, Regular e Segura”, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e seus Estados-membros, em 2018. Pois, o pacto prevê a garantia dos direitos a imigrantes e refugiados em todo o mundo, requerendo, assim, a cooperação internacional para o impacto positivo na proteção destes direitos. Fortalecendo, assim, o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reconhece, em seu art. 13, parágrafo 2º, o direito à mobilidade internacional que: “Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”. Destaca-se que, apesar de sua força simbólica como enunciadora de direitos em um mundo que se recuperava da calamidade da Segunda Guerra Mundial, a Declaração não possui caráter vinculante. 

Outrossim, considerando que o Estado é uma entidade soberana, a prerrogativa de definir critérios para admissão e controle do fluxo de ingresso de estrangeiros em um dado território nacional, decorrem do seu próprio poder, sendo esses critérios formadores da política migratória em sentido amplo. 

Acepções das Políticas Migratórias

Como já visto, os Estados detêm o poder para definir suas políticas migratórias, mais ou menos restritivas, controlando quem pode entrar e permanecer no seu território. No exercício dessa prerrogativa de definir direitos, os Entes soberanos devem regulamentar as suas legislações a fim de implementar os aspectos referentes à entrada, permanência, aquisição de nacionalidade e expulsão do território nacional. 

As políticas migratórias, assim, exigem uma liderança política, que vise a garantia e a coordenação eficaz entre vários agentes institucionais que terão de estar envolvidos na sua implementação e supervisão. Muito embora, historicamente, o tratamento exercido pelos Estados em que se dispensava às pessoas em seu território fosse matéria exclusivamente interna e implícita no conceito de soberania territorial, sob a ideia de “não ingerência” nos assuntos domésticos, a partir da internacionalização dos direitos humanos buscou superar as barreiras legais e territoriais de cada Estado e estabelecer mecanismos políticos e jurídicos de fiscalização de violações. No ponto, Agamben (2010) esclarece que os Estados passam a controlar e regular os migrantes e refugiados, reduzindo suas vidas em condição de mera vida nua, pois estão desprovidos de direitos políticos advindos do Estado-nação.

Portanto, os direitos humanos marcam a passagem de uma noção “absoluta” de soberania para uma “relativa”, embora isso não implique que um país não possa exercer seu direito soberano de controlar as fronteiras, desde que comprometa-se a respeitar os direitos humanos. Isso significa dizer que, as medidas tomadas pelos Estados relacionadas à sua política de imigração devem ser pensadas com respeito absoluto dos direitos humanos, tendo em vista que este foi um compromisso assumido em um instrumento internacional (BUSTAMANTE, 2002).

A (Des) governança migratória da Grécia

A Grécia vem enfrentando grande pressão em relação às suas decisões referente às questões migratórias. Há muito tempo é acusada de realizar “pushbacks” que, segundo a autora Nele Matz-Lück, é um termo político utilizado para conceituar a prática de “empurrar para trás” barcos de refugiados, no qual enseja uma violação da obrigação legal de resgatar uma pessoa em perigo no mar. Além disso, sem dúvida, a última ação do Governo de enviar um grande número de refugiados para a orla das águas territoriais gregas, abandonando-os em botes salva-vidas insufláveis, causou grande repercussão negativa, por tamanha desumanidade. 

De acordo com análises feitas pelo New York Times, as expulsões foram impulsionadas por Oficiais gregos e iniciaram em março deste ano (2020). Ocorre que, tais atitudes mostram completamente ilegais com as normas de direito internacional público, vez que essas expulsões são uma tentativa direta do país de bloquear a migração, usando as suas próprias forças. 

Em que pese a justificativa da Grécia tenha sido o fechamento radical das fronteiras do país devido a pandemia do Sars-CoV-2, como já visto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é assertiva ao determinar que todas as pessoas possuem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. De igual forma, aos refugiados deve-se observar o seu Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas de 1951 e de seu Protocolo de 1967. Ambos são instrumentos internacionais detentores de proteção de direitos humanos e fundamentais. Ademais, ressalta-se a importância do chamado princípio do non-refoulement, que contém na sua essência, a ideia de que o Estado não deve obrigar uma pessoa a retornar a um território onde possa estar exposta à perseguição. Por sua vez, o princípio do non-refoulement surge no período posterior à Segunda Guerra Mundial, configurando-se como princípio básico e pedra angular do Direito Internacional dos Refugiados, consagrado no artigo 33 da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. 

Importante destacar que, a obrigação estabelecida pelo princípio possui qualificação de norma peremptória de direito internacional, ou seja, é uma norma jus cogens, conforme estabelece os artigos 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, não restringindo-se a violações resultantes de tratados, mas com aplicação geral. Desse modo, a Comissão Nacional para os Refugiados, bem como todas as demais instituições protetoras dos direitos ao refúgio, à luz do princípio do non-refoulement devem assegurar os direitos ao refugiado, ainda que este ainda não tenha solicitado o reconhecimento do status de refugiado.

Por derradeiro, de acordo com Dimitris Christopoulos, ex-presidente da Federação Internacional de Direitos Humanos, essas práticas do Governo grego levantam questões sobre até que ponto as autoridades autorizam essas ações e se a própria União Europeia está ciente do que está ocorrendo na fronteira grega. Evidenciando, assim, a crise no cenário internacional, devido a carência de uma concordância e unificação de medidas, sobretudo, protetivas de direitos humanos. 

Outrossim, demonstrado a importância de uma política internacional migratória, e, para a efetivação desta, a necessidade de uma governança, é perceptível a desgovernança exercida pelo Governo grego, ao passo que não está vinculado às normas peremptórias do direito internacional público, tão pouco à proteção dos direitos humanos.

Considerações Finais

O resultado das atitudes severas e desprotetivas realizadas pelo Governo grego em relação aos migrantes e refugiados, mostra-se contrária à cooperação internacional que, perante inúmeros tratados, deve efetivar-se, de modo a que proteja os direitos inerentes à condição do ser humano. Consequentemente, evidencia uma desgovernança, pela carência de inserção de políticas internas e externas à proteção dos migrantes e refugiados. Isso, pois,  as medidas governamentais, ainda que no combate às crises globais são extremamente urgentes e necessárias, não podem vulnerar direitos, tão pouco discriminar grupos estigmatizados, como os migrantes e refugiados.

Portanto, deve-se levar em consideração que, os Institutos de proteção aos refugiados e migrantes foram criados gradualmente e afirmam-se a cada nova conquista institucional, interna e externa, para responder às necessidades das vítimas de perseguição e intolerância, ou, até mesmo aqueles que decidem migrar por condições melhores de vida. Sendo assim, conclui-se que, a inserção de uma política interna e externa migratória significa não somente um ato de solidariedade, mas também um ato humanitário, que visa proteções através das ações do Estado.

Referências Bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. Tradução Henrique Burigo, 2010.

BAGANHA, Maria Ioannis. Política de imigração: A regulação dos fluxos. Revista Crítica de Ciências Sociais, 2005.

BUSTAMANTE, Jorge. Migración internacional y derechos humanos. México, IIJ-UNAM, 2002.

NAÇÕES UNIDAS. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951. Disponível em: https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao _Estatuto_dos_Refugiados.pdf. Acesso em: 30 jul. 2020.

NAÇÕES UNIDAS. Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Inte rnacionais/Protocolo_de_1967.pdf. Acesso em: 30 jul. 2020.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Promulgada em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 30 jul. 2020.

RUSSEL, R. Política exterior y toma de decisiones en América Latina. Buenos Aires: GEL, 1990.

VIEIRA DE PAULA, Bruna. O Princípio do Non-Refoulement, sua natureza Jus Cogens e a Proteção Internacional dos Refugiados. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, 2006. Disponível em: http://revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/view/94. Acesso em: 30 jul. 2020.

KINGSLEY, Patrick; SHOUMALI, Karam. Talking Hard Line, Greece Turns Back Migrants by Abandoning Them at Sea. The New York Times, 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/08/14/world/europe/greece-migrants-abandoning-sea.html. Acesso em: 30 ago. 2020.

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