Um dos factos que sem dúvidas deveria chamar a nossa atenção, foi o anúncio feito pelo Governo Chinês há aproximadamente 4 anos atras. Tal anúncio expõe que a China erradicou a pobreza extrema em todo o território nacional, o que constitui de facto uma surpresa na floresta dos países subdesenvolvidos, com forte pendor de olharmos para este exemplo e tirarmos algumas lições importantes.
Ora, em fevereiro de 2021, o Governo Chinês declarou que nenhum cidadão vivia abaixo da linha da miséria estabelecida pelo Estado, cumprindo uma das grandes promessas do presidente Xi Jinping. Para um país com mais de 1,4 bilhão de habitantes, essa declaração ganhou força não apenas como dado estatístico, mas também como símbolo político e diplomático, suscitando debates e curiosidades entre os Estados cujo objectivo se traduz na mesma pretensão.
De facto, os números são impressionantes. Desde o início das reformas económicas iniciadas na China em 1978, mais de 800 milhões de chineses saíram da pobreza. Para se ter uma ideia, isso equivale a quase 30 vezes a população de Angola. Tendo em conta os dados publicados pelo Banco Mundial, mais de 70% da redução global da pobreza nas últimas quatro décadas ocorreu apenas na China. Ou seja, se o mundo hoje registra menos pobres em comparação aos anos 1980, a principal razão está nas políticas de desenvolvimento implementadas pelo Governo Chinês.
Mas é preciso analisar com calma o que realmente significa “erradicar a pobreza”. O governo chinês utiliza como referência a linha de 2,30 dólares por dia (ajustada pela paridade de poder de compra). Isso significa que, oficialmente, ninguém vive abaixo desse limite. De acordo com esse critério, o Banco Mundial reconhece que a China, sim, conseguiu eliminar a pobreza extrema. Contudo, quando observamos indicadores mais amplos, como a pobreza relativa, que considera pessoas que vivem com menos de 5,50 dólares por dia em países de renda média-alta, podemos perceber nuamente que centenas de milhões de chineses ainda estão em situação de vulnerabilidade.
Outro aspecto importante para reflexão é a questão da desigualdade que se observa no interior do país. A China que se vê em cidades como Pequim, Xangai ou Shenzhen é moderna, rica e globalizada, com padrões de vida próximos aos da Europa. Porém, no interior do país, sobretudo em áreas rurais, as condições continuam frágeis, com populações dependentes de subsídios, empregos precários e serviços públicos insuficientes. Portanto, embora o anúncio oficial seja real do ponto de vista estatístico, ele não significa que a pobreza, no sentido mais amplo, tenha desaparecido.
Aqui entra um elemento político importante. O Partido Comunista Chinês construiu em torno deste feito uma narrativa de sucesso nacional. A mensagem é clara: sob a liderança de Xi Jinping, a China teria solucionado em poucas décadas um problema que outras nações ainda não conseguiram superar em séculos. É um discurso que fortalece a legitimidade do regime e projecta a imagem da China como exemplo para países em desenvolvimento, sobretudo na África.
E é justamente neste ponto que a comparação com Angola e outros países africanos se torna inevitável. A experiência chinesa mostra que o combate à pobreza exige três pilares fundamentais: planejamento estatal racional, investimento em infraestrutura e inclusão produtiva das populações rurais. A China realocou comunidades inteiras, construiu estradas, eletrificou regiões isoladas, levou microcrédito ao campo e criou indústrias para absorver mão de obra excedente. Nada disso foi feito por acaso: tratou-se na verdade de uma política de Estado contínua, articulada e de longo prazo.
Em Angola, apesar dos avanços em alguns indicadores sociais após a paz cunhada em 2002, ainda enfrentamos o desafio de reduzir de forma sustentável a pobreza e a desigualdade. Grande parte da população continua dependente do sector informal para sobreviver, e as disparidades entre Luanda e o interior permanecem profundas. Se a China conseguiu tirar milhões da miséria, não foi apenas porque cresceu economicamente, mas porque fez do combate à pobreza uma prioridade nacional, com metas concretas e acompanhamento directo do Estado.
Mas, vale mencionar que não se pode copiar mecanicamente o modelo Chinês com o sonho de alcançarmos os mesmos resultados. A realidade política, social e histórica do Continente Africano é completamente diferente. Mas algumas lições podem sim ser extraídas como a importância da agricultura familiar, a diversificação económica, a acesso a crédito e da criação de empregos fora do sector petrolífero. A conjugação de todas essas variáveis são apontadas como o triunfo da erradicação da pobreza extrema na China. Sem isso, qualquer progresso será frágil e facilmente revertido por crises externas, como vimos recentemente com a pandemia e a queda do preço do petróleo.
Desta feita, a China tem motivos para celebrar, pois nenhum outro país na história retirou um avultado número de pessoas da miséria em tão pouco tempo. Porém, dizer que não há mais pobreza em território chinês é simplificar demais uma realidade ainda marcada por desigualdades. O anúncio é real do ponto de vista estatístico, mas, na prática, muitos chineses continuam apenas um passo acima da linha oficial da pobreza, vulneráveis a qualquer choque económico.
Para Angola e África, a experiência chinesa serve de inspiração e alerta. Mostra que é possível alcançar grandes resultados quando há estratégia, compromisso político e continuidade nas políticas públicas. Mas também nos lembra que a luta contra a pobreza não termina quando se cruza uma linha estatística: ela continua enquanto persistirem desigualdades estruturais e falta de oportunidades.