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Comércio Exterior e Segurança Internacional: o mercado de fertilizantes e a crise energética gerada pelo conflito bélico Rússia x Ucrânia 1 Comércio Exterior e Segurança Internacional: o mercado de fertilizantes e a crise energética gerada pelo conflito bélico Rússia x Ucrânia 2

Comércio Exterior e Segurança Internacional: o mercado de fertilizantes e a crise energética gerada pelo conflito bélico Rússia x Ucrânia

Introdução

A invasão da Rússia sobre a Ucrânia tem causado uma série de preocupações desde o início do conflito, em 20 de fevereiro de 2022, provocando uma crise humanitária que ocasionou o tormento e morte de pessoas civis, incluindo crianças.

O presente combate bélico tem início com o surgimento das fronteiras ucranianas, em 1991, em que a União Soviética se dissolveu em meio à Guerra Fria, surgindo enquanto o país Rússia, no qual, faz-se necessário avaliar a ruptura do antigo gigante soviético a fim de compreender os motivos que levaram o estopim do conflito armado. 

Neste trabalho, baseado em notícias e artigos científicos a respeito do cenário internacional, assim como em nas nossas análises de conjuntura, compreendemos o conflito a partir do contexto histórico e das articulações diplomáticas em meio a geopolítica global. 

Para entender a guerra enquanto uma disputa de poder e as consequências alarmantes à sociedade, conceituamos inicialmente a segurança internacional, a partir de literaturas especializadas preexistentes, direcionando o olhar crítico para a leitura do presente artigo.

Ao desenvolvermos a trama do conflito bélico, expomos os impactos negativos à cadeia comercial global, tal como para o bem estar social. Constata-se que os Países integrantes da União Europeia são os principais afetados pela invasão Russo-Ucraniana, juntamente dos países da Ásia e América do Sul, em especial o Brasil. 

Por essa razão, percebe-se que a Insegurança alimentar e Pessoal são as principais consequências observadas e expostas do conflito, a partir de dados que trouxemos para ilustrar a crise humanitária decorrente dos ataques entre os países.

Conceito de Segurança Internacional

A concepção de segurança inicia-se por meio de discussões subdesenvolvidas e voltadas para a segurança coletiva, guerra, poder estratégicos e geopolítica. Começando a ganhar notoriedade posteriormente a 2ª Guerra Mundial (1939 – 1945), no qual, como consequência, ocorreu uma revolução nos estudos sobre a temática a partir da década de 1980.

Buzan (1993) discorre sobre a abertura de uma discussão sobre a concepção de segurança e toda sua complexidade, havendo duas facetas principais: a ideia de segurança como conceito multidimensional, multifacetado, presente diariamente na vida das pessoas, nações e das relações internacionais, sobretudo, envolvendo o medo da violência como uma percepção específica sobre suas possibilidades de uso contra a existência de algo. Sendo uma noção que envolve centralmente o medo da violência política e de haver uma ameaça existencial para algum objeto de referência, colocando a segurança como um problema sociológico, derivada da observação daquele que dita se é aquilo é ou não um obstáculo de segurança.

A segunda faceta retratada pelo autor é de que a segurança é algo passível de ser percebido de forma diferente por distintos autores e setores, não sendo apenas uma questão militar e sim como uma questão econômica de direitos fundamentais, segurança humana e ambiental. Dito isto, a depender dos interesses dos agentes que estão lidando, a segurança terá uma concepção diferenciada, abrindo com complexidade e conjuntamente uma disciplina nova chamada de “segurança internacional’’.

Tradicionalmente, o termo Segurança Internacional refere-se a uma visão liberal de estudos sobre a necessidade de se criar instituições, regras, normas de contenção, a exemplo do controle de armamentos ou desarmamento de grandes potências na área nuclear e necessidade da criação de um sentido de segurança coletiva. Os próprios estudos da paz vão ter uma noção internacional por ter um pensamento voltado para segurança global, sendo um tema que afeta todos os povos, a exemplo da insegurança ambiental, mudanças climáticas de escala mundial que afetam a segurança internacional no sentido de que todos os Estados são agravados, ocasionando interesse não apenas de um único Estado (BUZAN & HANSEN, 2009).

Schneider e Castellano da Silva (2019) definem três níveis de análise: individual na segurança; individual na segurança humana dos direitos individuais em nível de Estado da nação; e o nível internacional. Todavia, esses níveis são multiplamente afetados e não tem credibilidade na segurança nacional se os indivíduos não se sentirem compartilhando a noção de ameaças, insegurança e do internacional, não havendo uma existência de mobilização para resolver problemas de integração nacional se os estados não se sentirem ameaçados.

No que diz respeito aos estudos de segurança internacional, têm-se uma constituição no período da Guerra Fria, tal corrente de estudos sempre foi interdisciplinar, no qual se constituiu enquanto interessados da área de ciência política, economia, psicologia, tecnologia, entre outras, para assim observar as questões de mudanças e modernização militar. Por conseguinte, essa área de conhecimento dos estudos internacionais torna-se cada vez mais autonomizada após a década de 1980, com a contribuição dos países nórdicos (THUDIM et. al., 2016).

A partir da década de 1990, no contexto do pós-Guerra Fria, têm-se um processo de ampliação conceitual interna do conceito de segurança, no qual, o primeiro contexto discorrido é que ao fim da Guerra Fria houve a dissolução e a crise interna na União Soviética, sendo um momento de destruição mútua e assegurada em existência de um equilíbrio estratégico entre Estados Unidos e União Soviética no período da Guerra, pelo qual se desmembra. Os Estados Unidos passa a ter mais condições em fazer frente a potências rivais do que a União Soviética que estava com fraturas internas, já a China era uma potência nuclear que fazia parte da segurança da ONU como membro permanente, no entanto, não tinha as condições que têm atualmente: ser vista como uma potência rival aos Estados Unidos (LIEBER & PRESS, 2006).

Diallo et al. (2021) afirma que tudo que diz respeito à Segurança Internacional é de caráter político, todavia, nem tudo relacionado a política diz respeito à questão de Segurança Internacional. Os autores discorrem sobre o processo de securitização existente na Segurança Internacional, levando ao entendimento de como algo que não era tratado como problema de segurança passou a ganhar notoriedade na agenda. 

Dessa forma para algo ser “Segurança Internacional” basta se encaixar em três ópticas. (1) as ameaças existem, quando alguma coisa oferece ameaça para alguém ou para algo; (2) A emergência da situação, que surge a partir da identificação do item 1, quando o problema se torna prioridade na agenda; (3) A probabilidade de se quebrar as regras, quando, dependendo do seu nível de emergência, é preciso passar por cima das regras caso seja realmente necessário ou para garantir que algo continue a existir (DIALLO et al., 2021).

Dessa maneira, os debates sobre segurança internacional passaram por modificações à medida que a sociedade humana amplia-se, no qual, os períodos de guerra são os maiores promotores de tais discussões. Fazendo com que, ao fim do século XX, transcorre-se a apreciação de novas áreas da segurança no eixo internacional, ocasionando a ascensão para um futuro próspero dos agentes do Sistema Internacional (WENDT, 1987, p. 335-370).

A vista disso, inicia-se amplas questões de suma relevância, a exemplo do meio ambiente, pandemias e problemas transnacionais no Sistema Internacional, no qual, há um desvio do foco que anteriormente era apenas sobre as barreiras de Guerra e Estado como esferas protagonistas no globo. Desenvolvendo o conceito de que a internacional era algo que possuía a importância para se manter na ordem de atores (DIALLO et al., 2021, p. 8).

Insegurança internacional no conflito Rússia x Ucrânia

A partir da construção da ideia de segurança internacional e noção de ameaça a esta segurança dentro da esfera global, conflitos entre Nações não só infligem direitos que devem ser inalienáveis ao indivíduo como também, transpassam por esferas que interferem no desenvolvimento internacional, no comércio mundial, abastecimento alimentar e tecnológico de um Estado Nação entre outros aspectos importantes da cadeia interativa mundial. O conflito conhecido como Guerra Russo-Ucraniana não só impacta os agentes envolvidos neste violento conflito, como também, os países que comercializam com estes atores globais são influenciados diretamente neste conflito. 

A interrupção do fornecimento de gás natural da Rússia aos seus clientes alemães causou impacto significativo e forçou mudanças abruptas na cadeia comercial de abastecimento energético Alemão. O país que outrora dependia de 55% do abastecimento de gás natural originário da Rússia, hoje reduziu para 35% (CNN Brasil, 2022). A diversificação do portfólio Alemão de fornecimento de gás natural é uma consequência do conflito bilateral entre dois países distintos, conectados em meio a uma rede comercial internacional que coloca em evidência a concepção multidisciplinar da segurança internacional, outrora afunilada somente na percepção de soberania dos Estados Nações e do território nacional.  

A fim de compreendermos os impactos ao comércio internacional oriundo do conflito Ucrânia e Rússia, devemos analisar o processo histórico e geopolítico deste debate. A Guerra traz consequências catastróficas principalmente ao Estado ucraniano quanto ao seu território e população.

O início do conflito armado

A priori, é necessário pontuar que não existe um “vilão” em meio a este conflito. A geopolítica é pragmática e os ucranianos estão sofrendo, da forma mais severa possível, pela posição geoestratégica do seu território, as consequências de uma disputa de poder entre a Rússia e o Ocidente, pela hegemonia global (SANTOS, J.C.D, 2022). 

Historicamente pertencente ao extinto grande bloco soviético, os atuais cidadãos ucranianos compartilham idioma e cultura com os vizinhos russos, tendo em vista que a antiga URSS não detinha de fronteiras territoriais entre as repúblicas, acarretando em problemáticas heranças identitárias, em que minorias étnicas russas surgem continuamente no espaço ucraniano, e não somente nele, como também em diversos países do leste europeu. Embasado nessa análise conjuntural, a Rússia, principalmente após os anos 2000 com Vladimir Putin, utiliza-se do discurso de proteção da população de origem russa como narrativa para as incursões militares que vem se desenvolvendo na Georgia em 2008, anexação (ou ”recuperação da Crimeia” como Putin chamou) da península da Crimeia em 2014, até mesmo o apoio dos movimentos separatistas no leste ucraniano, na região de Donbass, que deram origem as auto proclamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lohanks. Entretanto, observa-se estas incursões como medidas de interrupção da influência ocidental e do contínuo avanço de influência da União Europeia e dos Estados Unidos no leste europeu.

A guinada da influência Ocidental nos territórios fronteiriços da Rússia se dá a partir dos movimentos coordenados entre os acordos militares da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) e a influência econômica da União Europeia (UE). Apesar de ter sido criado em 1949 para combater o Pacto de Varsóvia, uma aliança militar criada entre os soviéticos e os seus aliados, a OTAN continua ativa mesmo após a extinção do bloco soviético em 1991, tendo papel importante no enfraquecimento das fronteiras russas. Em 2004, a entrada de países como Estônia, Letônia e Lituânia na OTAN instiga a inquietação de Moscou frente a um claro movimento de perda do poder hegemônico nos países da região. Não coincidente, a maioria dos países que fazem parte da OTAN, fazem parte também da UE, fazendo assim, uma forte frente de contenção espacial Russa tanto no campo militar, quanto econômico (SANTOS, J.C.D, 2022).

Em 2008, a Rússia se instalou em Belarus após uma tentativa de investida da OTAN em anexar este país e a Ucrânia na sua base de influência. Estrategicamente próxima de Kiev, capital da Ucrânia, que anteriormente era governada pelo presidente Viktor Yanukovych, Belarus se tornou uma forte base militar russa. Viktor Yanukovych, que outrora articulava com o Ocidente e o vizinho Russo, surpreende ao rejeitar um acordo de associação com a União Europeia, em novembro de 2013. Este incidente gerou comoção popular e grande revolta pelo povo ucraniano, que pediu a retomada das tratativas com o bloco europeu. Após uma série de protestos contra o presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych, que ficou conhecido como “Euromaidan”, o mesmo foi deposto 4 meses, fugindo para Moscou, e a Ucrânia voltou às tratativas com o bloco europeu com o sucessor Petro Poroshenko. 

A partir desse marco, as tensões entre Rússia e Ucrânia intensificaram-se cada vez mais, principalmente devido a dois acontecimentos: [1] grupos armados pró-Rússia, apoiados pelo país, tomaram as principais instituições da Crimeia, declararam independência da península que fazia parte da Ucrânia e se anexaram ao território russo, aproveitando-se das série de conflitos e manifestações na capital ucraniana decorrentes do Euromaidan e [2] apoio das milícias armadas ao movimento separatista que ocorreria em 2014 na região de Donbass, nos territórios de Donetsk e Luhanks. 

A península da Crimeia é extremamente estratégica para a Rússia: além de conter a principal base naval russa do mar negro, em Sebastopol, não precisando mais pagar as taxas anuais que pagava à capital Kiev quando esta fazia parte do seu território, o país tem acesso facilitado a navegação em águas quentes, que diferente do Oceano Ártico, é navegável durante o ano todo (SANTOS, J.C.D, 2022). As regiões de Donetsk e Luhanks fazem parte do discurso de resguardo a povos russos em outros países pró-ocidente, uma estratégia militar e territorial que tem como intuito fortalecer suas fronteiras e enfraquecer a influência do ocidente em países que já fizeram parte do bloco soviético.  

As relações econômicas entre a Rússia e a Ucrânia são fatores cruciais de interesse para manutenção do status quo. Em 2019, as trocas de exportação entre os dois países geraram lucro superior a U$1,96 bilhões de dólares aos cofres russos. A maioria desses produtos em troca são combustíveis fósseis, como gás natural (usado principalmente como produto de dependência comercial, a fim de afastar a Ucrânia dos blocos ocidentais) maquinários pesados, aço e ferro, entre outros (OEC, 2022). Porém, a Rússia é uma importante geradora de receita para a Ucrãnua, levando cerca de 1,8 bilhão de euros anualmente em taxas de transporte de gás natural que a Rússia comercializa com os países do oeste europeu (MENDES FILHO, 2022).

 A fim de reduzir as taxas de trânsito da sua exportação de gás natural, a Rússia constrói um gasoduto nomeado de Nort Stream 2, levando gás russo diretamente para a Alemanha, sem passar por um intermediário. O atual presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, mostra-se totalmente insatisfeito com o gasoduto (já construído e apenas aguardando autorização dos órgãos regulatórios europeus para inauguração), tendo em vista a receita que será perdida advinda da Rússia. Aproveitando-se das sanções que vinham sido aplicadas ao governo Putin desde as manobras de anexação da península da Crimeia e dos apoios militares na região de Donbass, os EUA aliam-se às críticas da construção do gasoduto, tendo em vista que a Europa se tornaria cada vez mais dependente da Rússia com a comercialização facilitada do seu gás natural, influenciando os países europeus a negarem inauguração, a fim de enfraquecer a influência dos antigos soviéticos.

Somados os embargos comerciais que a Rússia vem sofrendo em meio aos conflitos geopolíticos e a disputa hegemônica, diálogos e articulações de inserção da Ucrânia na OTAN no final de 2021 foram estopim para o conflito armado que hoje vislumbramos acontecer no território ucraniano. Vladimir Putin reconhece a independência das “repúblicas populares” de Donestsk e Luhansk, após 8 anos de revolta armada e mais de 17 mil mortos neste conflito, anexa os mesmos a sua base de apoio, marchando militarmente através dos seus territórios até alcançarUcrânia, com apoio militar de Belarus, que está estrategicamente próxima de Kiev e com apoio militar chinês.

Assim, eclode a maior guerra geopolítica em 30 anos na região do leste europeu, que já contabilizou mais de 10 mil mortos em todo o território ucraniano até julho de 2022 (BBC, 2022). Os Estados que deveriam tomar decisões que beneficiem a segurança e o bem comum social, administram a geopolítica global como um cabo de guerra pelo poder hegemônico, tendo a constante ganância por influência do ocidente como a principal força motriz para a retaliação russa. A Guerra da Ucrânia e da Rússia têm impacto severo no comércio global, afetando principalmente a Europa ,que vem apresentando sérias crises de insegurança alimentar. 

Os impactos do conflito bélico: comércio de fertilizantes e a crise energética

Em antemão ao tópico em destaque, faz-se necessário discorrer sobre as relações comerciais da Rússia com o Brasil, visto que a invasão russa ao território ucraniano afeta não só as forças políticas, mas também comerciais e econômicas, gerando consequências para o Brasil.

Segundo o sistema Comex Stat, a Rússia é o sexto país do qual o Brasil importa mais produtos, sendo US$ 7.8 bilhões em importações no ano de 2022, e as importações geraram um valor razoavelmente alto para o Brasil em comparação a 2021 (US$ 5.6 bilhões).

Fig.1: Balança comercial entre Brasil e Rússia

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Fonte: Comex Stat, 2022.

Em contrapartida, foram apenas US $1.9 bilhões exportados pelo Brasil aos russos, sobretudo em produtos agropecuários, liderados por soja e carnes. O equivalente a 0,6% das exportações totais, a menor participação em pelo menos duas décadas. Isso deixou o país com a nona maior população do mundo em 33º lugar entre os destinos para onde o Brasil mais exporta.

No Brasil, onde bolsa e câmbio vinham se beneficiando do fluxo estrangeiro atraído pelas commodities e ativos considerados baratos, não foi diferente. No dia 24 de fevereiro, o dólar avançou 1,83% em relação ao real, cotado a R$ 5,096. No mesmo dia, o Ibovespa caía 2,02%, aos 109.742 pontos.

Para além do impacto no mercado financeiro, um ponto de alerta para o Brasil agora que o conflito no leste europeu se concretizou é a inflação. O cenário de preços mais altos e atividade estagnada tornou-se prejudicial para a economia de uma forma geral, impactando desde consumidores até integrantes das cadeias produtivas no país.

Diante do que foi exposto, a insegurança alimentar têm-se tornado um fator de extrema preocupação mundial. A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou, em maio de 2022, um alarme sobre o que é considerada a maior crise de alimentos em alusão à fome de escala planetária nas últimas décadas, duplicando de 135 milhões para 276 milhões. Essa crise formou-se anteriormente a pandemia da Covid-19, sendo intensificada devido às grandes rupturas do comércio internacional, eclodindo atualmente com a guerra russo-ucraniana, que bloqueou as exportações de importantes países produtores.

Em consonância ao alarme da ONU, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também alertou para o número cada vez maior de crianças sob o risco de morrer de desnutrição severa. Os efeitos da guerra na Ucrânia, assim como o impacto da pandemia de Covid-19 e os danos ao meio ambiente, gerando uma “crise global em espiral”, alertou a agência, em um relatório intitulado Alerta Infantil. Segundo o documento, 600 mil crianças correm risco de ficarem sem os chamados tratamentos essenciais de saúde, que seriam embalagens contendo uma pasta alimentar de alta energia com ingredientes que incluem amendoim, óleo, açúcar e outros nutrientes (UNICEF, 2022).

Os impactos no mercado de fertilizantes

Com relação aos impactos na agricultura, diversas famílias estão sofrendo com o exponencial preço de fertilizantes para produção de alimentos por conta do encarecimento do mesmo em escala global, gerando apreensões de segurança alimentar e inflacionando as matérias-primas agrárias. Analistas estimavam que a pressão se aliviaria no ano corrente, mas a arbitrária invasão da Ucrânia pela Rússia veio como outro fator encarecedor.   

Como uma das principais forças no setor, a Rússia responde por 15% do comércio global de fertilizantes e 17% das exportações totais de potassa, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês). Além disso, fornece 20% do gás natural, componente-chave na produção de fertilizantes.

Segundo o Cepea (2022), o mercado da agropecuária, um dos principais motores da economia brasileira, representou 27,4% do PIB do país em 2021, sendo essa a maior marca desde 2004, o que indica que esse crescimento tenha demandado maior oferta de fertilizantes em território nacional.

Fig. 2: Mercado brasileiro de fertilizantes em %

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Fonte: Anda. Elaboração: BBC Brasil

De acordo com o Ministério da Economia, o Brasil é o quarto país com maior consumo de fertilizantes no mundo, atrás da China, da Índia e dos Estados Unidos, mas é o maior importador mundial desses insumos. Um terço deles, utilizados no agronegócio brasileiro, são importados de apenas dois países: Rússia (23%) e Belarus (6%), conhecidos como NPK – siglas para os elementos químicos nitrogênio, fósforo e potássio –, empregados em toda a agricultura convencional do país. Tal dependência gera impactos que vão além do preço de alimentos, visto que os fertilizantes químicos são imprescindíveis em todas as culturas de grande porte no Brasil, especialmente nas cultivadas no Cerrado e na Amazônia, como por exemplo o milho, a cana-de-açúcar, a soja, o café, o arroz, as pastagens, a fruticultura e o trigo.

“O conflito armado entre Rússia e Ucrânia evidenciou nossa dependência da importação de fertilizantes. O Brasil é o quarto maior produtor de grãos e o segundo maior exportador do mundo. Tal produção requer larga utilização de fertilizantes. No entanto, hoje, 85% desses produtos são importados, tendo sido a Rússia, em 2021, responsável pela maior parcela de importações, 23%”, ressalta Jaques Wagner no requerimento 7/2022 (Agência Senado, 2022).

Como resposta à atual crise, o governo federal oficializou, em 11 de março de 2022, o Plano Nacional de Fertilizantes, para assim reduzir a dependência da importação de insumos, uma vez que o Brasil importa 85% de todo o fertilizante usado na agricultura nacional. O PNF prevê a redução da dependência das importações de 85% para 45% até 2050, mesmo com o prognóstico de aumento no consumo destes insumos, além de estimular novas técnicas de adubação mais sustentáveis.

Crise energética na Europa

Doravante às sanções econômicas impostas à Rússia pelo ocidente (aqui, lê-se Estados Unidos e União Europeia), o contra-ataque do país afeta a economia da UE, principalmente a Alemanha, os países Bálticos e a própria Zona do Euro. Ao aplicar interrupções nos fornecimentos de gás natural russo para os parceiros comerciais europeus, principalmente pelo gasoduto Nord Stream 1 e nas subsidiárias de fornecimento da empresa Gazprom, a economia e o abastecimento dessa reserva energética de aquecimento europeu entram em uma possível recessão.  

Os preços do gás natural protagonizam variações nunca antes vistas. O preço é definido em 1 Megawatt/hora (MWh), sendo assim comercializado entre os países com seus valores referentes a essa medida. Os preços começaram a subir antes de janeiro de 2022, porém, dispararam a partir do estopim do conflito no dia 24 de fevereiro de 2022. Em agosto do mesmo ano, os preços do gás chegaram a bater € 342 MWh, sendo este um aumento em mais de 430% do valor em fevereiro de 2022 (Exame, 2023)

Em janeiro de 2023, apesar da guerra e as interrupções de distribuição do gás natural Russo ainda persistirem – devido ao inverno leve que vem reduzindo as demandas por energia e amenizando a crise – os preços chegaram a € 73, o mais baixo desde fevereiro de 2022 (Exame, 2023). Todavia, as variações no câmbio de energia permanecem persistentes, tendendo a elevação do preço do recurso em questão a cada momento em que o impasse bélico se movimenta.

Apesar da Alemanha hoje deter de 40% da sua reserva de gás natural preenchida e ter reduzido sua dependência do gás natural russo em 20%, ainda está longe de se emancipar energeticamente da Rússia. Os estoques ainda são baixos para o inverno vigente, mostrando impactos significativos nos preços do consumo energético dos cidadãos alemães, assim como tem impactado em diversos países da Europa.

Fig. 3: Principais redes de distribuição do gás russo na Europa.

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Fonte: O Globo.

Apesar da baixa dependência de alguns países do gás natural russo, a exemplo da Finlândia que usa somente 5% deste recurso energético, o impacto nos preços dos setores dependentes da escassez do gás torna-se significativo, principalmente por serem setores da indústria alimentícia, elevando os preços e agravando ainda mais a crise alimentar vigente hoje na Europa. A busca por fontes energéticas alternativas se torna necessária ao continente europeu e é incentivada pela Ucrânia em meio a este conflito armado, por meio da fala de Dmytro Kuleba, ministro de Relações Exteriores da Ucrânia: “O oxigênio energético da Rússia deve ser desconectado, é particularmente importante para Europa. A Rússia mostrou que não é um parceiro confiável.”

A fim de encontrar uma alternativa atraente ao gás da Rússia, os países da UE passam a importar o gás natural liquefeito (GNL), que além de ser uma energia mais limpa que o carvão e o petróleo, pode ser transportado por navios-tanques, escapando da dependência dos gasodutos russos. Porém, ao evitar o gás russo, a União Europeia desorganiza as demandas de GNL, elevando os preços do combustível, afetando principalmente os países asiáticos. Índia e Paquistão já reduziram sua importação de GNL em 15%, reflexo do aumento dos preços em detrimento da demanda europeia, segundo dados da empresa de análise Vortexa (CNN Brasil 2022).

A utilização do gás natural como uma ferramenta bélica russa à disputa pelo poder hegemônico vem tendo efeitos positivos para o país. A zona do euro está extremamente abalada com esta crise mundial (iniciada pela pandemia do Covid-19 e intensificada pelo conflito em questão). O Euro chegou a 0,96 centavos em comparação com o dólar americano em setembro de 2022, mostrando significativa redução do poder de compra da Europa. 

O Brasil é afetado por essas mudanças. A crise na zona do euro diminui as importações de diversos setores, dentre eles o de mineração, que é o setor pelo qual o Brasil tem grande relação comercial de exportação com a Europa, principalmente Dinamarca, Alemanha e Noruega. Grande importador de maquinários industriais dos europeus, a redução na demanda de exportação de matérias-primas traz um déficit financeiro ao Brasil.

Considerações finais

No presente trabalho, explanamos um panorama sobre o conflito russo-ucraniano que ainda não pode ser totalmente ponderado, visto que o conflito ainda não chegou ao seu clímax, e posto que isso sujeita a extensão e as movimentações geopolíticas que se darão durante o combate. Na contemporaneidade, podemos argumentar que a guerra corroborou para postergar a recuperação econômica mundial na fase pós-pandemia, impactando negativamente sobre o PIB brasileiro, juntamente com o comércio de alimentos, fertilizantes e combustíveis.

Outrossim, houve a deliberação global das sanções aplicadas a Rússia e que consequentemente acabaram por atingir o fornecimento de mercadorias essenciais para países em desenvolvimento, ainda que alheios ao conflito. Sendo assim, considera-se que os reflexos serão sentidos de forma mais intensa com o alongamento do conflito, em que a inflação combinada com baixo crescimento é uma receita conhecida, que produz desemprego, pobreza e fome.

Em suma, os cenários delineados acima demonstram um contexto geopolítico inquietante, com potencial instabilidade no continente europeu e implicações severas para o sistema internacional. Ademais, diante de tais desafios globais, em sequência da pandemia e do agravamento do aquecimento global, além de desigualdades socioeconômicas e crise das democracias liberais, torna-se difícil projetar como a terceira década do século XXI poderia ter aberto de uma forma mais impactante e desafiadora para o comércio exterior e, acima de tudo, para a humanidade.

Referências

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