A Conferência de Dumbarton Oaks foi uma série de importantes reuniões diplomáticas entre as grandes potências aliadas da 2ª Guerra Mundial (: Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e China, realizadas em uma luxuosa edificação em Washington, DC. As negociações foram responsáveis pela discussão e criação de uma organização internacional que substituiria a já decadente Liga das Nações, a Organização das Nações Unidas (ONU).
A proposta apresentada e discutida tratava da criação de uma organização internacional que, em contraste com a sua antecessora (a já citada Liga das Nações), fosse dotada de poder executivo forte e representação ampla dos países independentes. Também dividiram as negociações em áreas temáticas, conforme as necessidades de cada setor.
Assim, Dumbarton Oaks ficou responsável pela dimensão político-estratégica, Bretton Woods lidaria com a dimensão econômica, e as Conferências de Yalta e Potsdam tratariam dos assuntos típicos de armistícios ou acertos de paz entre vencedores e vencidos da 2ª Guerra Mundial (GARCIA, 2011).
As Conferências seguiram a liderança dos Estados Unidos, visto que os países europeus estavam em um cenário de paz fragmentada. Segundo o diplomata e pesquisador Eugênio Garcia:
[…] os EUA, usufruindo de uma posição excepcional de poder, buscaram estabelecer instituições internacionais que vinculariam os demais países no futuro e, em troca, se comprometeram (ainda que relutantemente) a operar dentro do marco multilateral fornecido por essas mesmas instituições (“autocontenção estratégica”) (GARCIA, 2011).
Já a participação soviética nas conferências era considerada essencial pelos EUA, uma vez que representava força política e econômica indispensável para a criação e desenvolvimento da ONU. Mesmo durante as discussões, quando os interesses dos EUA e da URSS entravam em conflito, havia uma acomodação de Stalin, ao invés de uma escalada de desinteligências. Franklin D. Roosevelt, então presidente estadunidense, havia investido grande capital político na ONU e não podia deixar desentendimentos bloquearem o progresso da Conferência (GARCIA, 2011).
De mesmo modo, a participação chinesa também era considerada importante para Roosevelt, indo de contramão à opinião dos governos britânicos e soviéticos. A situação interna da China era complexa – o país estava passando por uma guerra civil desde 1925 entre os comunistas liderados por Mao Zedong e os nacionalistas de Chiang Kai-shek; essa situação foi agravada pela invasão japonesa de 07 de Julho de 1937, que levou a uma trégua entre os litigantes contra o invasor.
Embora ciente deste quadro, os EUA consideravam que elevar a China a uma posição de “Quarto Policial” na estrutura que estava se delineando seria essencial para fortalecer o país, a ponto de buscar auxiliar o esforço de guerra contra o Japão. Por outro lado, o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, temia que o real objetivo de Roosevelt fosse fazer da China uma potência forte o suficiente para policiar a Ásia, mas ainda fraca o bastante para continuar dependente dos Estados Unidos e se tornar um “voto duplo” na ONU (GARCIA, 2011).
Por fim, o “Quinto Policial” da ONU seria a França; contudo, ela não participou das discussões da Conferência. A França foi incorporada como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU por influência do Reino Unido, que se sentia ameaçado pela expansão comunista na Europa, liderada pela URSS. Para Churchill, primeiro-ministro britânico, a França serviria para preencher o vácuo de poder na Europa continental, assim que ela atingisse sua recuperação econômica e militar no pós-guerra (GARCIA, 2011).
Discussões
As discussões de Dumbarton Oaks foram realizadas em duas fases, entre os meses de agosto a outubro: na primeira, as conversas ocorreram entre os representantes diplomáticos da URSS, Reino Unido e EUA e, na segunda, entre os representantes da China, Reino Unido e EUA; a razão para estabelecer negociações em separado com as delegações da URSS e da China devia-se ao Pacto de Neutralidade assinado em 1941 entre URSS e Japão, pois, caso os japoneses entendessem que o pacto estava sendo rompido, poderiam lançar uma ofensiva ao leste da URSS, prejudicando assim o desempenho soviético na guerra travada no front da Europa.
Um dos objetivos das conversas entre as potências era discutir os arranjos do pós-Segunda Guerra e suas consequências no cenário internacional. Além disso, constitui-se como primeiro grande passo na construção de uma organização internacional que servisse como fórum multilateral para resolução de conflitos, em substituição à já inativa Liga das Nações.
Os propósitos desta nova organização internacional emergente seriam:
- Manter a paz e segurança internacionais;
- Desenvolver relações amistosas entre os países;
- Fomentar a cooperação internacional nas áreas econômica, social e humanitária;
- Harmonização das ações dos países na consecução destes objetivos comuns.
A primeira sessão plenária da Conferência contou com a participação de Edward Stettinius, que chefiou a delegação estadunidense (a maior e mais bem assessorada, com 18 membros), Alexander Cadogan, representando a delegação da Grã-Bretanha, e Andrei Gromyko, respondendo pela União Soviética (GARCIA, 2011). O texto-base da Carta foi elaborado pelo Departamento de Estado dos EUA, o qual possuía planejamento e redação muito mais sofisticados se comparado aos textos produzidos pelos britânicos e soviéticos. Segundo Garcia, […] o texto alinhavado em Washington iria nortear toda a discussão em Dumbarton Oaks e, até certo ponto, também em São Francisco, uma vez que muitos de seus parágrafos permaneceriam praticamente intactos. (GARCIA, 2011)
Um ponto que variou muito durante as discussões foi qual seria o nome da organização internacional em formação. Dentre as opções cogitadas, “Comunidade de Nações”, “União Mundial” e “Organização de Segurança Internacional”, foi o nome “Nações Unidas”, proposto por Roosevelt, que foi escolhido e hoje é tão conhecido. Ainda, o Conselho de Segurança quase se chamou “Conselho Executivo”, tal como era na Liga das Nações (GARCIA, 2011).
Além do Conselho de Segurança, houve a formulação de outros órgãos da futura Organização das Nações Unidas, como o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e a Assembleia Geral. O ECOSOC trataria de questões socioeconômicas, humanitárias, educacionais, culturais e de direitos humanos, a fim de trazer estabilidade; a Assembleia Geral, composta por todos os Estados-membros, seria o espaço para debates e votação de resoluções (as quais seriam meramente recomendações), baseados no princípio da igualdade jurídica dos Estados, cada um com direito a um voto (GARCIA, 2011).
Quanto à questão de segurança coletiva internacional, essa caberia ao Conselho de Segurança, que teria a autoridade para decidir e agir em nome de todos os Estados-membros. Muito se discutiu sobre a criação de uma força militar própria da organização que, em caso de necessidade de punição, lançaria ataques contra países que não obedecessem às regras. Essa ideia foi trazida por Roosevelt, pois pensava que a força era essencial para o mantimento da paz. Entretanto, o problema de segurança internacional acabou sendo responsabilidade dos membros permanentes do Conselho de Segurança, com seu poder de veto. Isto é, a organização só poderia empregar forças armadas com o aval dos mais poderosos – EUA, URSS, Reino Unido, China e França (GARCIA, 2011).
A posição da União Soviética em Dumbarton Oaks era vista com cautela pelos outros membros. Enquanto o governo de Moscou estava ciente de sua posição minoritária dentro da projetada organização, os outros Estados ocidentais viam sua participação na organização como meio de contenção de suas ambições, ou seja, uma ferramenta diplomática de controle do expansionismo comunista. Essa cautela em relação à URSS surgiu no contexto do controle político da Polônia após sua libertação da Alemanha nazista, em que cada um dos vencedores da 2ª Guerra já visava ter áreas de influência nos espaços que estavam ocupados pela Alemanha, além da Alemanha em si (GARCIA, 2011).
A primeira fase das negociações (que contavam com a participação soviética) durou cinco semanas, de 21 de agosto a 28 de setembro; já a segunda fase, na qual participava a China, durou apenas uma semana – 29 de setembro a 07 de outubro -, já que a delegação chinesa não era autorizada a fazer mudanças, apenas a acompanhar os trabalhos, visto que a China não detinha poder de influência o suficiente para se juntar às três grandes potências. Mesmo assim, o ministro das Relações Exteriores chinês, Wellington Koo, participou ativamente nas Conferências, fazendo diversas sugestões que não foram levadas em conta (GARCIA, 2011).
Resultados
Em 7 de outubro de 1944, uma minuta da Carta, sob o título de “Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional Geral”, foi aprovada pelos quatro países participantes das Conferências de Dumbarton Oaks; Carta essa que continha os princípios e as finalidades da organização, a estrutura e o funcionamento de seus órgãos principais, incluindo um Secretariado para cuidar dos assuntos administrativos, além de disposições específicas sobre a manutenção da paz e da segurança internacionais, como forma de prevenir e suprimir atos de agressão (GARCIA, 2011). A evidência incontestável do sucesso das negociações é o fato de que em 24 de outubro de 1945, menos de um ano depois das conferências, foi oficialmente criada a Organização das Nações Unidas (ONU).
Referências bibliográficas
GARCIA, Eugênio. Dumbarton Oaks: quem vai governar o mundo? In: O Sexto Membro Permanente: O Brasil e a Criação da ONU. 2011
MENDES, Igor Moacir Caetano. O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU: De Versalhes a São Francisco. Brasília, 2018. Disponível em https://bdm.unb.br/bitstream/10483/22843/1/2018_IgorMoacirCaetanoMendes_tcc.pdf. Acesso em 17/09/2021.
74 anos da Conferência de Dumbarton Oaks. Disponível em https://www.cursosapientia.com.br/conteudo/noticias/74-anos-da-conferencia-de-dumbarton-oaks. Acesso em 17/09/2021.