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Cooperação internacional descentralizada Brasil-Moçambique entre 2013-2015: estudo de caso sobre Belo Horizonte e Maputo 1 Cooperação internacional descentralizada Brasil-Moçambique entre 2013-2015: estudo de caso sobre Belo Horizonte e Maputo 2

Cooperação internacional descentralizada Brasil-Moçambique entre 2013-2015: estudo de caso sobre Belo Horizonte e Maputo

Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial houve um notável aumento da cooperação internacional, momento em que os Estados e seus governos se inseriam na complexa rede de instituições destinadas à cooperação internacional. Nesse sentido, cooperação internacional “significa trabalhar junto. Significa que governos e instituições não tomam decisões e iniciativas isoladas” (SATO, 2010, p. 46). 

Através da prática de cooperação internacional, entidades, Estados e cidades trabalham em conjunto nas mais diversas áreas, como economia, cultura, saúde e sustentabilidade. A cooperação internacional ganhou tamanha importância para o desenvolvimento mundial e, atualmente, é tida como essencial para alcançar objetivos contra as mudanças climáticas.

Este artigo propõe analisar a implementação do programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade ocorrido entre 2013 e 2015, de parceria entre cidades de dois países do Sul global, Brasil e Moçambique, com foco nas cidades de Belo Horizonte e Maputo. Trata-se de um estudo de caso que destaca a atuação descentralizada com o objetivo de partilhar conhecimento adquirido com experiências prévias, de forma a auxiliar cidades de Moçambique em seu desenvolvimento urbano e social, evidenciando a importância da cooperação sul-sul (CSS) e como os países envolvidos podem se beneficiar de tal modalidade. 

Dessa forma, na primeira sessão do texto, aborda-se o contexto histórico da CSS, seu surgimento e seu desenvolvimento, assim como a participação brasileira ao longo dos anos. Além disso, aborda a inclusão da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nessa modalidade. Em seguida, a história e a importância da cooperação descentralizada são explanadas, assim como a inserção de entidades subnacionais brasileiras no cenário de cooperação internacional. As sessões finais são dedicadas ao programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade, explicando sua estrutura, seus objetivos e desafios. Com foco nas cidades de Belo Horizonte e Maputo, a análise de resultados baseia-se em documentos fornecidos pela Frente Nacional de Prefeitos, uma das entidades articuladoras do projeto de cooperação.

Cooperação Sul-Sul

A cooperação sul-sul tem como protagonistas os atores do sul global, ou seja, o grupo de 129 países em desenvolvimento e com renda média ou baixa. Segundo definição do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Cooperação Sul-Sul é “um processo em que dois ou mais países em desenvolvimento buscam atingir objetivos comuns ou individuais por meio do intercâmbio de experiências, conhecimentos, habilidades e recursos” (UNICEF, s.d.), logo, é um importante instrumento de partilha de conhecimento e experiência entre países em desenvolvimento, com cenários sociais e econômicos semelhantes. Seu apoio à construção de capacidades e transferência de tecnologia auxilia países, cidades e governos a traçarem seus caminhos rumo à promoção e ao aperfeiçoamento de políticas para o desenvolvimento das mais diversas áreas, como governança, tecnologia e desenvolvimento urbano.

Dito isso, o espírito de cooperação entre os países em desenvolvimento nasceu oficialmente após a Segunda Guerra Mundial, na Conferência Afro-Asiática de Bandung, na Indonésia, em 1955. Através desse crucial encontro de 29 países da África e da Ásia (TAN; ACHARYA, 2008, p.109), assuntos como descolonização, promoção da paz e do desenvolvimento e o papel do chamado “terceiro mundo” na Guerra Fria foram realçados ao cenário mundial, iniciando um debate antes pouco discutido. Ao fim da Conferência, foram estabelecidas cinco sessões sobre cooperação econômica cultural, direitos do homem e autodeterminação, problemas dos povos dependentes e promoção da paz e cooperação mundiais (DANILEVICZ; MEDEIROS, 2015, p. 125). 

Além do importante legado para a cooperação sul-sul, os países participantes do encontro definiram dez princípios que “traduzem a estratégia global dos países do Terceiro Mundo em um cenário de Guerra Fria” (PEREIRA; MEDEIROS, 2015, p. 08), sendo eles o respeito aos direitos humanos fundamentais; o respeito à soberania e à integridade territorial de todas as nações; o reconhecimento da igualdade de todas as raças e a igualdade de todas as nações; a não-intervenção e não-ingerência nos assuntos internos dos outros países; o respeito ao direito de cada nação de defender-se individual e coletivamente conforme a Carta das Nações Unidas; a rejeição a todo acordo de defesa coletiva destinado a servir aos interesses particulares das grandes potências quaisquer forem e a rejeição a toda pressão que uma potência, qualquer que seja, tente exercer sobre outra; a abstenção a  atos  de  ameaças  de  agressão  ou  uso  da  força  contra  a  integridade territorial ou a independência política de um país; a resolução de todos os conflitos por meios pacíficos; o estímulo dos interesses mútuos e a cooperação e o respeito à justiça e às obrigações internacionais (GUITARD, 1962). 

Com isso, percebe-se que a criação de uma via alternativa ao sistema imposto por países do norte foi uma necessidade após a Segunda Guerra Mundial, momento em que os países do sul global começam e se tornar independentes, principalmente na Ásia e na África. Dessa forma, a partir da Conferência de Bandung, outros eventos que reuniram os países em desenvolvimento passaram a ocorrer, como a criação do Movimentos dos Não Alinhados, o Grupo dos 77, a Conferência de Buenos Aires, em 1978, e sua segunda edição, a BAPA+40, em 2019. A primeira resultou no Plano de Ação de Buenos Aires, com destaque para a institucionalização da cooperação técnica recíproca e horizontal entre os países em desenvolvimento. 

Ainda, a Cúpula do Sul, em 2000, organizada pelo Grupo dos 77 (G77) teve destaque por elaborar um documento decisivo para construir um futuro melhor para os países participantes e seus cidadãos, comprometidos a trabalhar em conjunto para auxiliar os países em desenvolvimento a se lançarem no sistema econômico mundial de forma democrática e justa. Esse grupo, originalmente formado por 77 países em desenvolvimento e agora composto por 134 (G77, s.d.), ganhou importância ao longo dos anos e possui representações em órgãos como o Banco Mundial e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Sendo “a maior organização internacional de países em desenvolvimento nas Nações Unidas” (G77, s.d., tradução nossa), sua importância é notável para o desenvolvimento econômico e da CSS e, dessa forma, outras conferências foram realizadas posteriormente, como a ocorrida em Marrakech, no Marrocos, no ano de 2003 e outra em Doha, no Catar, em 2005.

Logo, o Brasil, país em desenvolvimento e participante do G77, considerado uma potência regional pelo seu contingente populacional, sua crescente economia e sua ativa participação na política internacional durante o período, possui papel de destaque na CSS. Desde a década de 1960, quando foi criado o G77, o Brasil se considera um país mediador entre o norte e o sul nas mesas de negociações (PEREIRA; MEDEIROS, 2015, p. 2) e tem importante papel no desenvolvimento da CSS, atuando, desde a década de 1970, como expoente na área. 

Do ponto de vista histórico, em 1971, o Brasil iniciou o programa de cooperação técnica com países da América Latina, como Paraguai, Colômbia, Trinidad e Tobago e Guiana (Milani, 2017, p. 21). O país foi um importante apoiador da CSS no âmbito da ONU, participando da Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), de 1964, e das discussões sobre a priorização da CTPD no quadro da organização.  Apesar dos esforços para fazer os programas de cooperação funcionarem, a crise econômica dos anos 1980 e início dos anos 1990 desacelerou a cooperação técnica entre países em desenvolvimento a nível global. Entretanto, o Brasil se empenhou para tornar prioridade a CSS. Segundo Amado Cervo, a estimativa é que o Brasil tenha participado de 694 projetos de CTPD até o ano de 1989 (CERVO, 1994, p. 47). Como potência regional, “O Brasil foi o primeiro país da América Latina a contribuir com recursos financeiros próprios para o programa do PNUD” (Milani, 2017, p. 43), mostrando o importante papel de liderança do país na CSS. 

A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), criada em 1987, continuou a desenvolver a cooperação entre países em desenvolvimento, sendo área estratégica prioritária na agência desde a década de 1990. Com o passar dos anos, mais recursos foram destinados à CTPD, fazendo possível a maior inserção do Brasil no meio internacional através de programas de auxílio a países em desenvolvimento. Com isso, o Brasil “foi elevado à condição de país-pivô pelo Comitê de Alto Nível das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul, junto com 21 outros países em desenvolvimento” (Milani, 2017, p. 57). 

Na sequência, o governo Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995, continuou a promover a cooperação internacional, porém, somente a partir do ano 2000 a CSS passou a ser prioridade (Milani, 2017, p.59). Durante os governos do Presidente Lula (2003-2010), o destaque para a CSS continuou, reforçada pela crescente economia brasileira e as prioridades da política externa, possibilitando maior aproximação do Brasil aos países em desenvolvimento, com destaque para os programas de cooperação na área de combate à fome (MILANI, 2017, p. 47). O Brasil passou a se associar ainda mais a organismos internacionais e países do norte para ter condições de desenvolver programas de cooperação com países do Sul. De acordo com a ABC, entre 1999 e 2012 foram 577 projetos de cooperação desenvolvidos (Milani, 2017, p.69).  Durante o governo Dilma Rousseff (2011-2016), a CSS não teve tão nítida prioridade e desenvolvimento em relação ao governo Lula, apesar disso, foi mais prioritária se comparada aos governos posteriores (governos Temer e Bolsonaro). Ainda nesse cenário, foi publicado o Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul pela ABC em 2013, com informações técnicas, burocráticas e logísticas e exemplos de programas realizados anteriormente, importante para registrar experiências dos últimos anos. 

Durante o governo Bolsonaro (2019-2022), a pandemia de COVID-19 teve significativo impacto sobre a cooperação brasileira, de modo que o deslocamento de autoridades, técnicos e outros participantes foi afetado. Nessa época, a cooperação técnica e a cooperação humanitária se destacam nos gastos do governo, sendo a África e a América Latina e Caribe os principais receptores de programas de cooperação (IPEA, 2021, p. 61). Apesar do impacto da pandemia sobre a cooperação, em 2020 ainda eram 112 iniciativas com 39 países nas áreas de cooperação técnica, humanitária, científica e educacional (IPEA, 2021, p. 66). 

Dentre as agendas prioritárias dos programas de cooperação não somente do Brasil, mas sim de todo o mundo, estão os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses são 17 objetivos da Agenda 2030, estabelecidos em setembro de 2015, com o propósito de promover o desenvolvimento, a integração de gênero, a saúde, combater a pobreza e a fome, garantir acesso à infraestruturas básicas e cidades sustentáveis, entre outros (ONU, 2022). 

Com a definição dos ODSs, durante a Conferência de Buenos Aires (BAPA+40), em 2019, foi ressaltada a importância da cooperação Sul-Sul para o cumprimento dos objetivos da Agenda 2030, com o compartilhamento de experiências e conhecimento, o desenvolvimento de capacidades e a assistência técnica. Os participantes reconhecem, no documento final do encontro, a dificuldade enfrentada por países em desenvolvimento ao redor do mundo na implementação dos preceitos da Agenda 2030, assim como entendem a necessidade de haver modos de cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável. Além disso, incentivam instituições a disponibilizar mais recursos para a promoção de cooperação, encorajam os países em desenvolvimento a adotarem políticas e promoverem a CSS nacionalmente (Buenos Aires Outcome Document, 2019, p 04-06). 

Cooperação Descentralizada 

O programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade, principal objeto de estudo deste artigo, além de evidenciar a cooperação triangular e sul-sul, destaca o potencial e a importância da cooperação descentralizada. Dito isso, faz-se importante salientar que cooperação descentralizada é, segundo a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), “um mecanismo de intercâmbio de conhecimentos e de recursos econômicos, materiais e humanos entre países com o objetivo de fomentar o desenvolvimento” (FNP, 2009), em que estados e cidades são os principais atores no cenário internacional. 

Essa prática tem ganhado cada vez mais espaço no cenário internacional (CNP, 2009, p. 11) e, com isso, a necessidade de fortalecer os governos locais com o intuito de inseri-los na busca pelo desenvolvimento. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) salienta, por exemplo, a importância da construção de “uma base sólida de conhecimento sobre a realidade brasileira em relação à atuação internacional dos Municípios” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS, 2009, p. 12). 

Dito isso, a cooperação descentralizada teve início no momento de mudança em que entidades subnacionais passaram a participar de forma mais ativa no cenário de relações internacionais. Dessa forma, o conceito de cooperação descentralizada surgiu no cenário internacional grandemente influenciado pela globalização e pela conexão facilitada entre atores globais e, primeiramente, envolvendo a cooperação entre países do norte e países do sul, sendo o segundo grupo o receptor de auxílio para seu desenvolvimento (NGANJE, 2015, p. 4). 

Além da influência da globalização, a integração regional possui papel fundamental na atribuição das entidades subnacionais como atores de cooperação no cenário internacional. Isso ocorre a partir do momento em que se percebe a importância da contribuição de estados e municípios na formação das preferências domésticas (RIBEIRO; OLIVEIRA, 2014, p. 8). A União Europeia foi a primeira rede de integração regional a inserir a cooperação descentralizada em seus projetos, na IV Conferência de Lomé (1989), com relação a países da Ásia, do Pacífico e do Caribe (DESSOTTI, 2009, p. 8). Apesar de crescente, a cooperação descentralizada ainda é extremamente heterogênea no que concerne à sua prática e ao seu planejamento, dependendo das demandas regionais e do perfil político que está no poder

Há exemplos significativos da atuação de estados e municípios em redes de integração regional, como no MERCOSUL, por exemplo. A Rede Mercocidades, uma iniciativa criada em 1995 e composta por entidades subnacionais dos países membros (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e dos países associados (Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador) tem como pressuposto a participação de cidades como elemento fundamental no processo de integração regional, reconhecendo a necessidade de um espaço acessível às entidades subnacionais em âmbito social, cultural e econômico (RIBEIRO; OLIVEIRA, 2014, p. 9). 

Ainda, outro exemplo de cooperação descentralizada é o Programa URB-AL, criado pela Comissão Europeia em 1995 como um programa entre cidades da União Europeia e da América Latina. O principal intuito desse programa, que foi dividido em fases, era apoiar o progresso das “condições socioeconômicas e da qualidade de vida da população” (DESSOTTI, 2019, p. 11), além de promover “intercâmbios de experiências, de cooperação e colaboração mútuas entre cidades, regiões e coletividades locais” (DESSOTTI, 2019, p. 11).

Com a crescente participação de cidades e estados em programas de cooperação, foi necessário consolidar uma entidade que captasse dados a nível global para garantir informação sobre cooperação descentralizada. Dessa forma, o Observatório de Cooperação Descentralizada União Europeia – América Latina foi criado, identificando as estruturas subnacionais dos países, assim como a participação dessas entidades em redes internacionais. 

A cooperação entre entes subnacionais começou, no Brasil, relacionada à ligação entre cidades com características semelhantes, como a economia, a política, a população e a cultura. Dito isso, sua relação de cooperação com países como Itália e Portugal, que se encontram entre os cinco primeiros países com quem o Brasil coopera na modalidade descentralizada, está ligada ao fenômeno da colonização e imigração da Europa para o Brasil. 

Além disso, as entidades subnacionais brasileiras também possuem relações cooperativas com cidades e estados de países de outros continentes, como Japão, Angola e Moçambique, que será a seguir exemplificado através do programa Cooperação Decentralizada para Democratizar a Cidade. 

Caracterização do Programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade 

O programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade, objeto de estudo deste artigo, promoveu a parceria entre cidades brasileiras e moçambicanas entre os anos de 2013 e 2015. O projeto uniu, em pares, 14 cidades em prol da cooperação descentralizada e foi uma iniciativa da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), da Associação Nacional das Autoridades Locais de Moçambique (ANAMM) e das Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), além de contar com apoio técnico e logístico de organismos como Arquitetos Sem Fronteiras – Catalunha (ASF-Cat) e Cátedra UNESCO da Universidade de Lleida – rede de cidades intermédias (CIMES). O programa se deu por meio de cooperação triangular, dessa forma, o financiamento da União Europeia, do Governo da Noruega, da Aliança das Cidades (Cities Alliance) e da Cidade de Barcelona foi fundamental para a execução do projeto. 

Com o objetivo de fortalecer o poder das autoridades locais, aprimorar suas capacidades e auxiliá-las a trabalhar como atores influentes no cenário da cooperação internacional, os parceiros do programa ressaltam a necessidade da preparação das cidades para enfrentar novos desafios, como o crescimento populacional que, segundo projeções das Nações Unidas, vai chegar a 9,7 bilhões de pessoas no ano de 2050 (UNITED NATIONS, 2019) e vai ocorrer principalmente na região da África Subsaariana. Dito isso, é importante adaptar as cidades, tanto no sentido de planejamento urbano e de infraestruturas quanto no sentido de preparar as autoridades e instituições para receber a crescente população de maneira a garantir o direito à cidade e à qualidade de vida. 

Antes mesmo de ser iniciado, em fevereiro de 2013, o programa contou com missões internacionais entre agentes brasileiros e moçambicanos, encontros em que foram discutidos os principais temas e desafios da cooperação, elencando, também, as prioridades e necessidades de cada cidade. Assim, os atores participantes foram divididos em dois grupos: facilitadores, composto pelas associações, organizações e pela academia, de forma a auxiliar as tarefas técnicas e incorporar conhecimentos em conceitos já existentes; e implementadores, sendo esses os agentes políticos que participaram do programa para trabalhar em equipe com técnicos e aprovar os projetos e planos. 

Como as cidades participantes foram divididas em pares, metodologia conhecida como peer learning, houve a possibilidade de dar atenção especial às necessidades de cada município e conceber planos personalizados que atendessem à sua população. Durante o período de dois anos e meio em que esteve ativo o programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade, foram elaborados diagnósticos, identificadas semelhança e contrastes, definidas prioridades e quais conhecimentos seriam transferidos entre as cidades, planos de trabalho, cronogramas e designados responsáveis para cada um, além do intercâmbio de práticas, técnicas e instrumentos e, finalmente, a avaliação dos resultados, prazos e a eficácia da troca realizada entre os municípios participantes.   

Levando isso em consideração, para o programa referido, foram selecionadas três ferramentas sócio-políticas de planejamento e gestão urbana: a política de gestão territorial; o cadastro inclusivo; e os orçamentos participativos. Neste artigo, o foco será, mais a frente, no primeiro instrumento, uma vez que as cidades escolhidas para estudo, Belo Horizonte e Maputo, participaram do programa de cooperação especificamente nessa área. Com isso, faz-se necessário explicar o que é a política de gestão territorial e como ela é apresentada no Brasil e em Moçambique, os dois países participantes do programa de cooperação. 

Os planos, que fazem parte da política de gestão territorial, “são instrumentos de planejamento que orientam os diferentes atores do território durante um período de governo” (UCLG, 2015, p. 31). Através desses documentos são apresentados os objetivos, as metas, as políticas e programas governamentais de desenvolvimento urbano, guiando o futuro do município. 

O Plano Diretor, instituído na Constituição Federal do ano de 1988, é o marco normativo brasileiro que estabelece normas de política urbana e instrumentos de planejamento e gestão territorial, sendo o elemento determinante de desenvolvimento urbano no país sul-americano. O principal objetivo do plano é estabelecer políticas para o cumprimento de normas urbanísticas para a expansão de cidades. Assim como ocorreu no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, o êxodo rural e o exponencial crescimento populacional, a previsão é que tais fenômenos ocorram, nos próximos anos, no continente africano. Dessa forma, Moçambique desenvolve o Plano de Estrutura Urbana (PEU), o Plano Parcial e o Plano do Pormenor, com o objetivo de normatizar e organizar a expansão urbana que já ocorre no país e tende a se acelerar nos próximos anos. 

Com o objetivo de capacitar técnicos e propor soluções aos problemas urbanos enfrentados pela capital de Moçambique, as cidades de Belo Horizonte e Maputo trabalharam para desenvolver a gestão urbana do município moçambicano. A parceria estabeleceu três linhas de ação principais. Foi necessário, inicialmente, mapear as necessidades e planejar a intervenção, levando em conta as particularidades de cada assentamento informal presente no perímetro urbanos de Maputo. Essa primeira etapa se iniciou oficialmente em agosto de 2013, quanto foi realizada importante visita técnica à cidade, ocasião em que foram identificadas as fragilidades e potencialidades do município, sendo possível, dessa forma, iniciar o planejamento prático das ações. 

A segunda das três linhas de ação foi implementada quando técnicos de Belo Horizonte puderam contribuir com sua experiência para o aprimoramento dos processos nos assentamentos informais da cidade de Maputo, através de metodologias integradas e participativas, utilizando como base o Plano de Estrutura Urbana moçambicano. Juntamente à comunidade, foi elaborado um plano, tendo a preocupação de sua aplicabilidade como um dos destaques da etapa. 

A terceira ação foi o fortalecimento institucional. Como anteriormente citado, a CSS é um poderoso instrumento de ação e parceria entre países em desenvolvimento. Porém, é necessário se atentar às condições de aplicação dos planos e projetos desenvolvidos. Dessa forma, essa etapa tem grande importância na longevidade das propostas realizadas durante o programa de cooperação. Como parte das ações, foi realizada, em dezembro de 2015, um evento de formação para capacitar técnicos moçambicanos nas intervenções em assentamentos informais da capital do país, fortalecendo a área institucional da cidade. 

Seguindo o foco de requalificação de assentamentos informais como forma de melhoria da qualidade de vida da população e acesso à cidade, as ações desenvolvidas durante os 30 meses de parceria resultaram em contribuições importantes para a implementação do Plano de Estrutura Urbana na capital de Moçambique. 

Como esperado, a parceria entre as duas cidades destacadas neste artigo enfrentou dificuldades técnicas e sociais quanto ao planejamento e execução do projeto. A primeira delas, como destacado documentoA Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade” (2015), de autoria da CGLU, foi em relação à estrutura da cidade de Maputo, sua maturidade para executar o projeto e para receber a quantidade de técnicos durante as fases do projeto. Além disso, foi gerada intensa expectativa por parte da comunidade relativas às proposições de melhoria da cidade, dificultando a gestão da população. Ainda, outros problemas identificados foram a falta de áreas seguras para realocar as famílias no momento em que fosse necessário e a criação de mecanismos duradouros e sustentáveis social, ambiental e financeiramente, para que o município dê continuidade ao projeto, mesmo após o término da parceria. 

Análise das cidades de Belo Horizonte e Maputo no projeto de cooperação 

Com o intuito de refletir sobre o programa de cooperação e seus impactos nas cidades dos dois países envolvidos, foram realizados dois estudos, o Urban Earth (2015) e o FNP – Qualimétrica (2015). Para análise, é importante ressaltar que o primeiro estudo entrevistou nove participantes de Moçambique e um do Brasil, enquanto o segundo entrevistou um membro da União Europeia, um membro da AMB, oito do Brasil e quatro de Moçambique (UCLG, 2015, p. 58). Dito isso, ambas as pesquisas relatam que o projeto teve sucesso, principalmente, ainda segundo os estudos, pela escolha de participantes com realidades semelhantes. A integração de técnicos e autoridades durante o trabalho, assim como a metodologia peer learning as visitas às cidades participantes foram destacadas positivamente pelos entrevistados. 

Apesar das avaliações majoritariamente positivas, foram salientadas preocupações dos participantes do programa de cooperação. A principal delas em relação à continuidade do projeto, desafio elencado durante as reuniões anteriores ao início do trabalho, principalmente pela falta de recursos. Esse fato evidencia a dificuldade de comunicação das autoridades locais, principalmente quando há a retirada das organizações intermediadoras. Como tentativa de remediar os problemas, municípios manifestaram sua disposição em dar continuidade aos projetos através de cursos sobre gestão territorial ofertados aos técnicos e às autoridades, o desenvolvimento de softwares de monitoramento e gestão e também a possibilidade de realizar novas parcerias com cidades, uma forma de fomentar a cooperação descentralizada (FNP, 2015). 

De acordo com documentos disponibilizados pela FNP, quanto à metodologia, foram feitas críticas em relação ao processo de trabalho, como a limitação dos recursos (temporais, pessoais e financeiros), deficiência na comunicação, falta de padronização nos processos de registro e controle, além do período eleitoral no decorrer do projeto. Dessa forma, os participantes do projeto sugeriram melhorias, como a ampliação do tempo do projeto, linhas de financiamento, suporte às etapas subsequentes, estabelecimento de um cronograma com clareza de informações e periodicidade, e, ainda, o estabelecimento de um canal efetivo de comunicação e a sistematização de processos e produção de publicação concernentes ao programa de cooperação, que pode servir de base para futuras iniciativas (FNP, 2015). 

Cabe ressaltar que de acordo com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), entidade brasileira articuladora do projeto, a maioria dos participantes do projeto avaliam a iniciativa como exitosa. Porém, Belo Horizonte possui ressalvas quanto à sua execução, fazendo críticas principalmente à metodologia empregada, uma vez que a construção do plano de trabalho se deu após os estudos, juntamente com os técnicos. Através de avaliação cedida pela FNP, “BH enxerga essa dinâmica como um vilão, no sentido em que o tempo para se chegar à definição do plano de trabalho compete com o tempo de execução do próprio projeto” (FNP, Projeto de Melhora das Capacidades de Autoridades Locais de Brasil e Moçambique como atores da cooperação descentralizada, s.d.). Além disso, a principal crítica feita pelos participantes diz respeito à sustentabilidade e continuidade do projeto, no sentido de perpetuação das ações implementadas. 

Com isso, percebe-se a necessidade de apoio às cidades mesmo após o término das atividades do projeto de cooperação. Assim como a formação de técnicos e autoridades no que se refere ao enfrentamento de problemas e sustentabilidade dos planos de intervenção propostos e o fortalecimento de políticas públicas que subsidiem as mudanças necessárias sugeridas após os estudos e pesquisas realizadas pelos técnicos participantes. Ainda assim, durante o período em que foi executado o programa, foi possível notar o esforço dos participantes em compartilhar conhecimento e reconhecer fraquezas o locais de melhoria. Além disso, a parceria entre cidades com realidades semelhantes foi fundamental para o estímulo ao intercâmbio.  

Considerações Finais 

Por fim, após analisar o programa Cooperação Descentralizada para Democratizar a Cidade e seus resultados, nota-se a importância de projetos como este para os países em desenvolvimento. A cooperação sul-sul é fundamental para a troca de experiências e técnicas entre os países, uma vez que possuem realidade sociais, econômicas e, muitas vezes, históricas semelhantes. Ressalta-se também a importância de estudos realizados na área, destacando os resultados e aprendizados adquiridos durante o período de execução de programas como o analisado neste artigo, de forma que possa ser utilizado futuramente. 

Assim como a cooperação entre países em desenvolvimento, a cooperação descentralizada merece atenção, pois organizações como a FNP e a ANAMM articulam entidades subnacionais de forma a compartilhar conhecimentos em áreas que auxiliam as cidades a alcançarem seus objetivos de acordo com a Agenda 2030, por exemplo. 

Desse modo, após estudo histórico dos conceitos, assim como análise do programa de cooperação, foi possível compreender que o resultado foi proveitoso para as duas cidades destacadas, Belo Horizonte e Maputo, assim como o aprendizado adquirido e as sugestões para próximos projetos, destacando a importância da contribuição das cidades brasileiras para o desenvolvimento urbano sustentável moçambicano, com o intuito de garantir o direito à cidade e à qualidade de vida da população.  

Referências  

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