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Como a corrida do ouro da California continua a moldar a África e outros países de maioria global. Como a corrida do ouro da California continua a moldar a África e outros países de maioria global.

Como a corrida do ouro da California continua a moldar a África e outros países de maioria global.

Foto por Coolcaesar. Via Wikicommons. (CC BY-SA 3.0)

O carpinteiro James W. Marshall descobriu flocos de ouro em Coloma, uma pequena cidade às margens do rio Americano nos EUA, em 24 de janeiro de 1848. Isso desencadeou a Corrida do Ouro, um movimento massivo de caçadores de fortuna que trouxe mineradores diversos, mas também gerou competição econômica que levou à discriminação, marginalização e genocídio contra nativos americanos e outras populações não-brancas no que hoje é a Califórnia.

À medida que a economia da Califórnia crescia, as minas de ouro consolidaram o domínio anglo-americano (branco) através de práticas excludentes. Mineradores mexicanos e latinos enfrentaram campanhas genocidas, violência e impostos discriminatórios, enquanto negros, asiáticos e latino-americanos eram barrados da infraestrutura mineira.

Nesse contexto, São Francisco emergiu como a maior cidade boom, sua população saltando de 600 em 1848 para 25.000 em 1849. Como principal porto de entrada para os “argonautas” (pessoas que migraram para a Califórnia durante a corrida do ouro) e suprimentos globais, São Francisco se tornou o epicentro bancário, industrial e econômico da Califórnia.

O atual Vale do Silício, um centro global de tecnologia e inovação, tem raízes profundas no legado da Corrida do Ouro. Embora acadêmicos destaquem o espírito empreendedor dos argonautas, essa narrativa ignora o papel do governo dos EUA em consolidar riqueza através de políticas como a Lei de Preempção de 1841, que garantiu direitos territoriais principalmente para homens brancos, em detrimento de outros grupos.

Além disso, essas leis e intervenções governamentais levaram à consolidação econômica em torno das minas de ouro, alcançada através de deslocamentos, violência e distribuição desigual de riqueza. De forma similar, o Vale do Silício e o governo dos EUA perpetuam essas práticas, consolidando riqueza global às custas de países de baixa renda e ex-colônias.

O mito do campo de jogo equitativo

O governo dos EUA e o Vale do Silício afirmam promover competição justa, mas isso contradiz a própria história do Vale de receber apoio governamental. Por exemplo, em 1958, após a criação da Fairchild Semiconductor (empresa seminal do Vale), agências como o Departamento de Defesa, NASA e Força Aérea dos EUA deram à empresa apoio massivo em contratos, subsídios e incentivos fiscais.

A Universidade de Stanford, inaugurada por William Shockley, tornou-se uma instituição renomada em IA e computação quântica, inicialmente financiada pelos militares. O Vale recebeu ainda financiamento militar para o sistema Massive Digital Data, crucial para a criação do Google, empresa hoje sinônimo de lobby e políticas mercantilistas.

Em 1990, os EUA destinaram mais de 1,1% do orçamento federal a contratos de defesa no Vale. Similarmente, a proposta de orçamento de defesa de US$ 850 bilhões do ex-presidente Joe Biden gerou curiosidade global sobre sua alocação.

As forças invisíveis que moldam a política global

Assim como os argonautas, a ascensão do Vale do Silício foi facilitada por um ambiente regulatório flexível nos anos 1990-2000, permitindo que gigantes como Google, Amazon e Facebook florescessem. Em 2024, a capitalização de mercado da Apple atingiu US$ 3,5 trilhões, rivalizando com o PIB combinado da Arábia Saudita, Turquia, Polônia e Argentina.

O valor da Apple aproxima-se até mesmo da Companhia das Índias Orientais Holandesas, considerada a empresa mais valiosa da história. Outras gigantes como Google, Amazon e Microsoft têm capitalizações superiores a US$ 1 trilhão.

O Vale exerce vasta influência política através de lobby estratégico e diplomacia. Em 2017, a Dinamarca nomeou um ministro das relações exteriores para o Vale, seguida por Áustria, Reino Unido e Estônia. Especialistas em tecnologia também ingressaram na política, como Robert Holleyman, ex-CEO da Business Software Alliance e representante comercial adjunto sob o presidente Barack Obama.

Em 2021, as gigantes do Vale gastaram US$ 70 bilhões em lobby, superando os US$ 64 bilhões de 2020. Um estudo mostrou que cada US$ 1 gasto em lobby gerava retorno de US$ 220. Essas empresas também promovem políticas mercantilistas globais, buscando penetrar mercados estrangeiros através de acordos como a Parceria Transpacífica (TPP) e o Acordo de Tecnologia da Informação (ITA), além de práticas de evasão fiscal.

Os oligopólios digitais

Hoje, o Vale do Silício domina a economia digital controlando consumo e infraestrutura. O espaço de infraestrutura digital é uma mina de ouro moderna. Assim como os argonautas concentraram riqueza e talento em torno das minas, os data centers agora servem como hubs de consolidação econômica.

Data centers oferecem benefícios econômicos ocultos, como investimento estrangeiro direto, empregos bem remunerados e crescimento local. Um aumento de 10% na penetração da internet gera crescimento de 1,4% no PIB. No entanto, a África e outras nações globais subinvestem em infraestrutura de data centers, perpetuando o oligopólio digital.

Os EUA possuem mais de 50% dos data centers globais (5.381/11.800). O Vale tem mais data centers que Singapura, Suíça e Índia juntos. Atividades relacionadas a data centers contribuem com 7,1% do PIB de US$ 2,1 trilhões dos EUA.

Além disso, o Vale controla o consumo digital. Google e Facebook dominam a publicidade global, enquanto o Google detém mais de 90% do mercado de buscas.

Um caminho a seguir

Assim como as minas de ouro, os data centers concentram recursos econômicos. A África e países em desenvolvimento precisam de um plano de integração digital para competir na economia global. Instituições regionais como a União Africana, o Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) e a NEPAD podem financiar projetos de infraestrutura.

A crise da OMC levou países a priorizar acordos bilaterais. A exigência da China em 2015 para que empresas estrangeiras compartilhassem código-fonte mostra a necessidade de equilíbrio entre regulação e valores democráticos.

A África gasta apenas 0,45% do PIB em P&D, abaixo da média global de 1,7%, limitando a localização de produtos e infraestrutura.

O mundo está em uma encruzilhada. A tecnologia digital interconectou pessoas, mas a governança global mercantilista exacerbou marginalização e pobreza. Governos africanos devem assumir um papel ativo na economia digital, garantindo responsabilidade e bem-estar social para seus cidadãos.

Texto do artigo How the California gold rush continues to shape Africa and other global majority countries, de Abdallah Khalifa Abdallah publicado por Global Voices sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: Global Voices.

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