A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) é a mais velha agência especializada da ONU, e tem como principal objetivo acabar com a fome no mundo e melhorar a nutrição e os padrões de vida das pessoas por meio do aumento da produtividade agrícola (MINGST, 2020). Ela foi criada em 1945, tem sua sede em Roma, possui 194 Estados-membros e ‘‘coordena os esforços de governos e agências técnicas em programas de desenvolvimento da agricultura, silvicultura, pesca e recursos terrestres e hídricos (MINGST, 2020, n.p., tradução livre)”.
Todos os países-membros do grupo dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), que será utilizado como estudo de caso no presente trabalho, fazem parte da Organização, tanto como membros plenos quanto como observadores, no caso de alguns países, o que faz com que as ações da FAO para com os países-ilha sejam compartilhadas entre todos os países insulares (FAO, 2014).
Considerando a atuação da FAO, o intuito do presente artigo é compreender como ela atua, tanto sozinha quanto de forma conjunta a outras organizações internacionais, considerando o caso específico do grupo SIDS, de forma a auxiliar na criação de políticas de adaptação e mitigação para lidar com as consequências das mudanças do clima dos países-ilha. Tendo em vista que a Organização atua principalmente no escopo da insegurança alimentar, a hipótese que o artigo propõe é que a FAO se une aos SIDS para combater os problemas alimentares causados pelas mudanças do clima, como a perda de território fértil pelas temperaturas extremas, o preço alto dos alimentos – já que a importação é principal forma de conseguir comida -, a fome, entre outras consequências.
Para corroborar tal hipótese, a metodologia de pesquisa consiste em analisar os relatórios produzidos pela própria Organização, para entender como a FAO atua e como funciona a parceria desta com o grupo SIDS. O restante da metodologia consiste em entender as vulnerabilidades dos países insulares segundo o relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças do Clima (IPCC).
Dessa forma, o presente artigo está dividido em quatro seções: a primeira explica as mudanças do clima, identifica quais são as vulnerabilidades preexistentes dos países-ilha e como as mudanças do clima estão agravando essas vulnerabilidades; a segunda apresenta o grupo SIDS como o principal agrupamento desses países, e menciona a atuação do grupo e da FAO dentro do Regime Internacional de Mudanças do Clima (RIMC); a terceira seção analisa a atuação da FAO para auxílio dos países insulares tanto de forma independente quanto em apoio ao grupo em si; e a quarta seção apresenta brevemente um estudo de caso da atuação da FAO em Kiribati, a título de exemplificação do que foi analisado anteriormente. Por fim, as considerações finais são apresentadas para concluir os achados da pesquisa.
As mudanças do clima e as vulnerabilidades dos países-ilha
As mudanças do clima, o que inclui as alterações bruscas de temperatura e os desastres ambientais que são ocasionados pela alteração antropológica – ou seja, impactos causados pelo homem -, na natureza, são um conjunto de mudanças que estão ocorrendo no planeta e que apresentam severas consequências para a biodiversidade e o dia a dia das pessoas. Segundo a Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), essa mudança é “atribuída direta ou indiretamente à atividade humana que altera a composição da atmosfera global e que é adicional à variabilidade natural do clima observada em períodos comparáveis (UNFCCC, 1992, p. 4, em tradução livre)”. Essa intensificação dos fenômenos naturais pode causar, por exemplo, o aumento do nível do mar, derretimento das geleiras, aquecimento global, mudança nos regimes de chuva, desertificação, efeito estufa, aumento no número de furacões, entre outras mudanças antropogênicas no meio ambiente do planeta (SANTOS, 2011).
Os países insulares, ou países-ilha, são nações que possuem um pequeno território que é completamente cercado pelo oceano. Muitos desses Estados são compostos por um conjunto de pequenas ilhas, localizadas próximas umas às outras, e são geograficamente isoladas de países com maior território e recursos naturais limitados. Por causa disso, não possuem uma indústria forte e desenvolvida, infraestrutura adequada e nem recursos financeiros suficientes, sendo então mais vulneráveis às mudanças do clima, desastres naturais e à baixa nutrição (FAO, 2020).
Considerando isso, é possível perceber que esses Estados precisam de auxílio, tanto material (financeiro) quanto imaterial (troca de conhecimento) para conseguirem lidar com suas vulnerabilidades preexistentes. Com as consequências das mudanças do clima, essas vulnerabilidades aumentam e as nações insulares se tornam ainda mais suscetíveis a diversos problemas. Assim, no caso dos países-ilha em específico, alguns exemplos dessas vulnerabilidades podem ser vistos no quadro 1 abaixo.
Econômicas | Sociais | Ambientais | Infraestrutura |
necessidade de importação de alimentos | conflitos por terra | branqueamento de corais | perda territorial |
falta de investimentos em indústrias | doenças vetoriais | envenenamento da vida marinha | enchentes e tempestades |
diminuição do turismo | superlotação | alagamentos | |
redução da exportação de produtos tropicais (banana, cana de açúcar, etc) | falta de saneamento básico | redução da biodiversidade | |
poluição | falta de consciência ambiental | ||
insegurança alimentar e nutricional | |||
falta de água potável | |||
migração interna/externa |
Os principais impactos das mudanças do clima nos países-ilha envolvem o aumento do nível do mar. Segundo os cientistas do IPCC (2014), a previsão mais extrema para esses países é que seus territórios sejam completamente invadidos pela água do oceano, causando perda total desse território e fazendo com que a população precise migrar para outro país. Essa provisão causa um embate no Regime Internacional de Mudanças do Clima (RIMC) porque os Estados mais próximos dos países-ilha não têm a intenção em receber toda a população desses territórios.
Além disso, esse avanço do mar sobre os países insulares já ocorre hoje, ocasionando enchentes e tempestades que destroem a infraestrutura do país, a produção agrícola (que é grande parte da renda de exportação desses países), atrapalham o turismo (que é em muitos países insulares o foco da economia), gera migração interna para um ponto em específico da ilha – o que culmina em superlotação, problemas de saneamento e doenças vetoriais -, entre diversas outras consequências (IPCC, 2014).
Para além do aumento do nível do mar, considerando que os países-ilha precisam focar seus recursos financeiros em lidar com as mudanças do clima e com o bem-estar da população, se torna necessário importar muitos produtos e alimentos, tornando-os dependentes do mercado externo e, portanto, muito vulneráveis a choques econômicos. Também, por não ter uma economia forte e independente, os países insulares não recebem investimentos estrangeiros para conseguirem se desenvolver e fortalecer sua indústria (ROBINSON & DORNAN; 2017). Assim, tornou-se necessário que os países-ilha se unissem em agrupamentos, alianças ou organizações para conseguirem chamar atenção para seus problemas no cenário internacional e pressionar por ajuda de seus vizinhos desenvolvidos.
O SIDS e a FAO no Regime Internacional de Mudanças do Clima
O grupo Small Island Developing States – SIDS (Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, em tradução livre) é composto por 58 países-ilha do mundo inteiro, que se uniram durante a ECO-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992) para unir suas vozes e, de forma conjunta, defenderem seus interesses e pressionarem dentro do Regime Internacional de Mudanças do Clima (RIMC) por auxílio de países desenvolvidos.
O SIDS é considerado um agrupamento, e não uma Organização Internacional ou Aliança, porque não possui um tratado estabelecido e ratificado, e nem uma sede, têm uma população muito pequena e o PIB de todos os membros somados equivale a cerca de 8% do PIB mundial (ROBINSON, DORNAN, 2017). Algumas das características semelhantes que esses países compartilham são:
Suscetibilidade a desastres naturais, vulnerabilidade a choques externos e dependência excessiva do comércio internacional. Muitos SIDS são remotos e têm uma base de recursos relativamente estreita para abastecer suas economias e desenvolvimento. A pesca, o turismo e a agricultura contribuem significativamente para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional; no entanto, esses setores são particularmente vulneráveis às mudanças climáticas, entre outros desafios globais (FAO, 2019, n.p., tradução livre).
Assim, se faz necessário compreender como o SIDS atua no RIMC. Esse grupo é reconhecido pelo Departamento das Nações Unidas de Assuntos Econômicos e Sociais (DESA), responsável pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e abrange países de todos os continentes. Considerando que esses países sofrem diversas dificuldades, e que os SIDS não possuem um corpo burocrático que permita a negociação em fóruns de cooperação, os integrantes do agrupamento SIDS procuraram se apoiar por meio de uma aliança chamada Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), que é composta por 44 países e 5 membros observadores, sendo todos membros do SIDS (SANTOS, 2018).
O SIDS marca presença anualmente nas Conferências de Parte (COPs), e todos os países-ilha são membros do Tratado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). As COPs são os fóruns de negociação especializados para debater as questões climáticas, e culminaram em dois principais tratados: o Acordo de Paris, que rege a emissão de gases poluentes, e o Protocolo de Kyoto, que tem como objetivo reduzir as emissões de gases e o aquecimento global. Os SIDS são representados em uma Repartição (Bureau) específica das COPs, auxiliando a negociação da COP durante seu andamento, realizando, por exemplo, consultas para o Secretariado, com a intenção de garantir que os interesses dos países-ilha sejam representados durante as discussões (UNFCCC, 2019).
Já a FAO é uma Organização Internacional com corpo burocrático, importante para o cenário internacional, e também ativa no RIMC. A Organização defende, em seus canais oficiais, que as mudanças do clima são uma ameaça à segurança alimentar global e que, portanto, geram a falta de capacidade do Estado em produzir alimentos. Isso significa que este não consegue satisfazer a demanda interna de sua população sem depender de outros países (insegurança alimentar).
Além de defender o discurso da sustentabilidade e diminuição da emissão de gases poluentes, a FAO ainda participa como delegação nas COPs para defender sua abordagem chamada de Climate-smart agriculture (Agricultura inteligente para o clima, em tradução livre) com a intenção de firmar três pilares que consigam desenvolver condições técnicas, de investimento e políticas para apoiar os países do mundo a alcançar a segurança alimentar apesar de suas vulnerabilidades pelas mudanças do clima.
Para tal, a Organização apoia principalmente o estabelecimento de políticas de adaptação que todos os países do mundo devem adotar, além da redução de emissão de gases (FAO, 2020). Com este primeiro passo, a FAO inicia seu projeto de apoio aos países-ilha, que serão detalhados a seguir.
A atuação da FAO de forma independente e em parceria com o SIDS nos países-ilha
A FAO, tendo sido criada com um escopo focado na redução da insegurança alimentar e no combate à má-nutrição, está ativamente apoiando o SIDS para que os países-ilha consigam chegar ao desenvolvimento sustentável relacionado à segurança alimentar e agricultura, como por exemplo auxiliando na Terceira Conferência Internacional do SIDS. Por meio dessa cooperação, a FAO abre seu escopo para outras áreas além da agricultura sustentável, como ecossistemas marinhos e costeiros, pesca e aquicultura, água doce, florestas e manguezais (FAO, 2014).
Após essa conferência, foi publicado o documento ‘‘Natural Resources Management and the Environment in Small Island Developing States (SIDS)’’, que estabeleceu quais são os recursos naturais que os países-ilha possuem e como a utilização sustentável destes está conectada ao ODS 2, que diz respeito à fome zero e à agricultura sustentável. Estes recursos incluem a vida marinha, os corais, recursos de água doce, mangue, florestas e o restante da biodiversidade.
O auxílio da FAO é focado em planejar a gestão desses recursos para garantir a agricultura sustentável, por exemplo lidando com a governança envolvida na posse de terra e na decisão de quais grupos têm acesso à terra, e facilitando a cooperação internacional por meio de seu Conselho. Para tal, a Organização usa principalmente soft law para que o resultado de seu auxílio consiga refletir o melhor para toda a população dos países-ilha (FAO, 2014).
O documento produzido pela Organização intitulado de ‘‘Food Security and Nutrition in Small Island Developing States (SIDS)’’ analisa as questões sociais e econômicas que circundam a insegurança alimentar, usando aspectos como governança, família e gênero para identificar onde as ações das políticas de adaptação devem ser prioritárias. A intenção é conseguir repassar aos países insulares com maior necessidade, um acesso rápido e direto aos alimentos, e depois melhorar a produtividade agrícola e de renda segundo as estratégias do Strategic Thinking Process da FAO, exemplificada no quadro 2 abaixo (FAO, 2014).
Objetivo estratégico | Título do objetivo | Explicação |
1 | contribuir para a erradicação da fome, insegurança alimentar e desnutrição | identificar as causas da fome/insegurança alimentar/desnutrição segundo aspectos sócio-econômicos para garantir uma dieta nutricional adequada |
2 | aumentar e melhorar a provisão de bens/serviços relacionados a agricultura, silvicultura e pesca | maximizar a produção sem trazer impactos na base de recursos naturais, seguindo a lógica do desenvolvimento sustentável, para que os países consigam implementar as políticas de adaptação |
3 | reduzir a pobreza rural | relaciona-se à ideia de governança e gênero: melhorar o acesso da população rural e das mulheres a empregos e gerar uma proteção social |
4 | permitir uma agricultura mais inclusiva e eficiente, e sistemas alimentares a nível local, nacional e internacional | apoiar políticas de adaptação/mitigação que aumentem a inclusão e eficiência de alimentos, agricultura e silvicultura, gerar colaboração público-privada e promover a cooperação internacional para inclusão de mercados |
5 | aumentar a resiliência dos meios de subsistência às ameaças e crises | relaciona-se à crises econômicas e desastres ambientais, impedindo que os países-ilha sofram muitos impactos econômico-sociais quando deparados á uma ameaça |
Assim, a atuação da Organização segundo esse relatório é focada em identificar as vulnerabilidades que os países-ilha possuem segundo a perspectiva socioeconômica para que as políticas de advocacy sejam efetivas. Alguns exemplos de políticas já implementadas após esse estudo incluem a adoção de um Quadro Regional de Ação em Segurança Alimentar no Pacífico, da Política Regional de Segurança Alimentar e Nutricional no Caribe e das Políticas Nacionais de Alimentação e Nutrição também no Caribe. Um outro exemplo foi o incentivo dado pela FAO para investimentos estrangeiros que conseguiu gerar empregos e aumentar em 25% o nível de exportação de café na Papua Nova Guiné (FAO, 2014).
A FAO também possui um projeto para com os países-ilha focado no ODS 2 que visa atingir a fome zero. Esse plano, organizado conforme o apoio do SIDS, possui cinco linhas focais: (1) apoio e reforço para a produção local de alimentos; (2) garantir o acesso a alimentos acessíveis, diversificados e nutritivos; (3) aumento das oportunidades de emprego; (4) preservação das florestas por meio da promoção de práticas sustentáveis; e (5) auxílio para tornar as comunidades mais resilientes a desastres naturais. Esse projeto tem como intenção principal promover o ensino sobre como superar a insegurança alimentar e a desnutrição nesses países que já são extremamente vulneráveis para que, assim, seja possível superar esses desafios no mundo inteiro (FAO, 2019).
Já no documento ‘‘FAO Activities in Small Island Developing States’’, a Organização detalha as atividades que realiza com cada região dos SIDS com base nas necessidades específicas de cada região. No caso dos países-ilha do Caribe, estes recebem apoio da FAO para lidar com pesticidas, reflorestamento, segurança nutricional, risco de desastres agrícolas e melhorar a exportação de bananas. Já os países-ilha do Pacífico recebem apoio da Organização para lidar com a conservação de áreas protegidas, segurança alimentar sustentável, aquicultura, exportação de coco e promoção da agricultura como um negócio rentável (FAO, 2014).
Além disso, vale ressaltar que um dos primeiros relatórios que foi produzido pela FAO para auxílio dos países-ilha, intitulado de ‘‘The fishery resources of Pacific island countries’’, tinha como foco os países insulares banhados pelo Oceano Pacífico, que são considerados países extremamente vulneráveis por serem mais remotos e por terem um território muito pequeno, assim como uma população muito pequena quando comparados a ilhas do Caribe, da África ou do Mar do Sul da China (FAO, 2005). Com isso, a Organização iniciou seu trabalho de análise nesses países insulares, e sua ação regional se tornou muito importante. O estudo de caso, analisado a seguir, demonstra como a FAO atua na região na prática.
Estudo de caso: Kiribati
A República de Kiribati é um país composto por 33 ilhas de atóis e recifes localizadas no Oceano Pacífico que vão da região da Micronésia à Polinésia. O país possui cerca de 116.000 mil habitantes, com expectativa de vida de cerca de 62 anos. Seu PIB per capita é de 1.790,50 bilhões de dólares, e ocupa a posição 139 entre os 184 países do ranking do IDH (TRADING ECONOMICS; 2020). Sua economia é composta 8,9% pela agricultura, 24,2% pela indústria pesqueira e de artesanato e 66,8% por serviços de turismo. A atividade pesqueira junto ao cultivo de copra, representam a maior parte da produção do país, e esses produtos também representam quase 75% da exportação de commodities. Além desses produtos, Kiribati também exporta cocos e algas marinhas, e os principais países que recebem esses produtos exportados são Estados Unidos, Bélgica, Japão, Samoa, Austrália, Malásia, Taiwan e Dinamarca (CIA, 2020).
Apesar de sua pequena agricultura e de ter uma pequena indústria própria, Kiribati depende da importação de diversos produtos para garantir o bem-estar e as necessidades básicas de sua população. Isso se dá principalmente pela dificuldade por parte do governo kiribatiano em controlar a qualidade da produção, já que esses são os únicos serviços que são privatizados, e não há muito investimento estrangeiro no setor (ou no país em geral). Os produtos importados incluem alimentos diversos, máquinas e equipamentos para a indústria, produtos manufaturados e principalmente combustível, visto que o sistema elétrico do país funciona 100% por combustíveis fósseis. Os principais países que exportam para Kiribati são Austrália, Fiji, Japão e Nova Zelândia (CIA, 2020; ADB, 2009).
Considerando isso, Kiribati, por seu território ser um dos menores, é considerado o primeiro país que corre o risco de desaparecer completamente por consequência do aumento do nível do mar (IPCC, 2014). O país apresenta infraestrutura econômica fraca para um aumento de seu desenvolvimento, sofre com enchentes e tempestades que inundam suas casas, enfrentam falta de água potável e ‘‘superlotação severa, proliferação de moradias informais e assentamentos não planejados, abastecimento inadequado de água, saneamento deficiente e eliminação de resíduos sólidos, poluição e conflito pela propriedade da terra (IPCC, 2014, p. 1623 – tradução da autora)”.
Assim, é possível perceber que o Estado vive em constantes dificuldades. Para tentar auxiliar na questão, a FAO apoia diretamente o governo de Kiribati na questão pesqueira, auxiliando a ‘‘desenvolver estratégias para melhorar nas estruturas política, legal, institucional e operacional, com a intenção de implementar instrumentos, incluindo o Strategic Thinking Process, para prevenir, deter e eliminar a pesca ilegal ou não regulamentada (FAO, 2019, em tradução livre)”.
Além disso, segundo o relatório ‘‘FAO Activities in Small Island Developing States’’, a FAO concentra seus esforços em Kiribati para coletar e analisar alimentos e dados agrícolas. Isso significa que a Organização monitora a qualidade dos alimentos produzidos no país para garantir a qualidade destes e, consequentemente, a nutrição e segurança alimentar da população. Além disso, oferece suporte técnico para um projeto do governo de Kiribati para formularem políticas de adaptação sobre a agricultura do país. No nível da pesca, a FAO também sistematiza as possibilidades de alimentação nutritiva e repassa isso para o governo (FAO, 2014).
Após o ciclone que ocorreu em 2015, cerca de 80% da biodiversidade de Kiribati foi afetada, além das mais de 200 famílias que foram desabrigadas por inundação ou desabamento de moradias. A partir daí, a FAO criou um projeto específico para auxiliar o país chamado de ‘’Restaurando a Segurança Alimentar em Kiribati’’ que vigorou de fevereiro de 2016 a novembro de 2017. Este tinha o financiamento de 226 mil dólares doados pelos parceiros da Organização, e oferecia treinamento e materiais para restaurar o sistema alimentar do país, em especial nas cidades de Arorae e Tamana que foram mais afetadas pelo ciclone. Houve um aumento na segurança alimentar uma vez que as novas tecnologias oferecidas promoveram uma melhora aos sistemas de plantio e cultivo, creches comunitárias foram estabelecidas e muitos participantes do projeto foram treinados no plantio sustentável segundo os ODS da ONU (FAO, 2019).
Também, vale ressaltar a atuação da Organização como ator elaborador de políticas de adaptação. Um exemplo disso é o projeto intitulado ‘‘Melhorar os meios de subsistência e a segurança alimentar através da pesca com dispositivos de agregação de peixes próximos à costa no oceano Pacífico (FAO, 2020, em tradução livre)”. O objetivo deste é contribuir para o desenvolvimento seguro dos peixes próximos à costa, sendo apoiado pelo Ministério das Pescas e Desenvolvimento de recursos da Marinha de Kiribati (FAO, 2020). Inclusive, a FAO atua no país para desenvolver sua iniciativa da Troca Azul (Blue Trade, em inglês). Esta também é focada na questão da pesca, e procura apoiar o governo de Kiribati em participar da formulação de negócios do comércio internacional e desenvolver capacidades técnicas para aumentar a capacidade das empresas dentro do comércio nacional (FAO, 2019).
A FAO possui um outro projeto intitulado ‘’Ilhas resilientes, comunidades resilientes’’ que, iniciado em 2019, e com duração de cinco anos, tem o objetivo de melhorar a biodiversidade, conservar a paisagem natural e a marinha e aumentar a resiliência socioecológica ao clima. Este está sendo implementado em diversas cidades de Kiribati, em parceria com diversos ministérios do país, com a Comunidade do Pacífico e com a Universidade de Wollongong. Os financiamentos recebidos para o projeto são destinados à conservação de recifes e para desenvolver estudos sobre como aplicar a sustentabilidade no país (FAO, 2019).
Por fim, um outro exemplo de política que vale a pena ser citado é o projeto do Fundo Fiduciário de Resposta e Recuperação COVID-19 da ONU que, em parceria com a FAO e o SIDS, desenvolveu o plano para aumentar a segurança alimentar, a nutrição e a resiliência de Kiribati em face das consequências que o país sofreu por causa da pandemia em 2020. O projeto conta com diversas intervenções, como: aumentar a formação e o apoio aos agricultores locais, principalmente nas áreas de produção de hortaliças e frutas; treinamentos em técnicas de jardinagem doméstica; importação de materiais de plantação, e entrega destes em áreas mais remotas do país; visitas domésticas para o ensino de técnicas sobre compostos e fertilizantes; entre outras ações (FAO, 2020).
Considerações finais
Considerando todo o exposto e analisando o caso específico da atuação da FAO em Kiribati, é possível concluir que a Organização tem um papel tanto ativo quanto passivo no auxílio aos países-ilha. A grande parte de seus projetos inclui análises e produção de relatórios que possam auxiliar os próprios Estados insulares a identificarem suas vulnerabilidades e de onde essas vêm dentro da estrutura econômico-social do país. Além disso, foi possível perceber que a FAO atua sempre com o grupo SIDS como um agrupamento em si, realizando as mesmas operações e pesquisas em todos os países-membros do grupo e nunca de forma independente e direta com um Estado só.
A estruturação de políticas de adaptação é o outro foco da Organização, porém não tão grande quanto a parte de consultoria e a análise acadêmica, e os resultados dessas políticas se mostraram muito efetivos em curto prazo – e, as políticas de longo prazo ainda estão em processo de elaboração para implementação, portanto não foi possível analisá-las efetivamente a partir dos relatórios encontrados.
Por fim, foi possível identificar que a FAO é muito ativa em tentar auxiliar cada vez mais os países-ilha por meio de todos os tipos de recursos – sendo estes financeiros e também materiais, uma vez que a Organização incentiva muito a troca de conhecimento entre os países-ilha e a transferência de tecnologia e métodos para agricultura. Ainda, vale ressaltar que a FAO é muito assertiva quanto ao estabelecimento de políticas sustentáveis, e é possível perceber o quanto os objetivos da Organização estão unidos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Referências bibliográficas:
ROBINSON, Stacy-ann; DORNAN, Matthew. International financing for climate change adaptation in small island developing states. Australia: Regional Environmental Change, 2017.
SANTOS, Letícia Britto dos. O papel dos países em desenvolvimento na efetividade do regime internacional de mudanças climáticas: adoção de metas de redução de gases de efeito estufa. Espírito Santo: Universidade Federal do Espírito Santo, I Seminário Nacional do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2011.
SANTOS, Letícia Britto dos. The small island developing states (SIDS) : responses for the securitization of climate change. 2018 153 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/RelInternac_SantosLB_2.pdf.